A culpa é da elite?

Políticos e advogados discordam sobre culpa pela violência

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18 de maio de 2006, 19h33

A opinião do governador Cláudio Lembo, de que a culpa pelo estado de violência vivido em São Paulo nos últimos dias é de “uma elite branca má e perversa” é polêmica entre os criminalistas e parlamentares ouvidos pela revista Consultor Jurídico.

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Pauloo governador criticou a elite ao comentar a crise provocada pela onda de ataques atribuídos à facção criminosa Primeiro Comando da Capital e disse que “o país só conheceu derrotas… derrotas sociais. Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”. Em outro ponto diz que “temos de ter consciência que é um país cínico. O cinismo nacional mata o Brasil”. Lembo se mostrou inconformado com a intenção revelada na véspera por socialites e intelectuais de faze protestos contra a violência: “Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos.”

Fugindo da responsabilidade

O senador Jefferson Peres (PDT-AM) chama a atenção para o fato de que o governador Cláudio Lembo também é membro da elite e, portanto, um dos responsáveis pelos atos de violência. E pergunta: “E os políticos? Não têm nada a ver com isso?”. Para o senador, os responsáveis pela situação são os governos dos últimos 20 anos que “nunca priorizaram a questão da segurança pública”.

Peres defende um projeto nacional de políticas básicas como de educação e reurbanização, além da política de segurança pública. Neste ponto específico, a prioridade está na mudança das leis penais, no aparelhamento das polícias, na ampliação do sistema penitenciário e na vigilância das fronteiras para reduzir o contrabando de armas.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) diz que há um quê de verdade na declaração do governador. Na opinião do senador, a sociedade brasileira, incluindo a elite, tem de tomar medidas para “corrigir as raízes dos problemas”. “O tamanho grau de violência está relacionado às suas desigualdades, que está entre as mais graves do mundo”. Suplicy defende que a elite “participe mais das decisões e que dialogue com os representantes do governo no parlamento” para que sejam adotadas, rapidamente, políticas públicas e econômicas que sejam “compatíveis com a realização de melhor Justiça”.

O deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) está totalmente de acordo com as declarações do governador de São Paulo, mas pondera que ele não afirmou que a onda de violência em São Paulo seja culpa da elite. “O governador reconhece que há um problema social por trás disso, mas não afirmou que a classe alta seja a culpada. Todas as sociedades modernas enfrentam o problema do crime organizado, que está relacionado ao tráfico”. Para ele a elite faz parte do problema quando assume o papel de consumidora de drogas. “Muitos usuários de drogas são da elite, que deveria passar a apostar no Brasil, investindo no país de forma produtiva e não gastando dinheiro em garrafas caras de whisky”.

O deputado argumenta que não há no país prioridade no combate ao crime organizado e que autoridades do Poder Judiciário tendem a ser muito liberais e condescendentes com algumas questões. “A responsabilidade do estado é flagrante, mas aaplicação liberal da lei e a falta de recursos para o sistema policial e carcerária também contribuíram para o que se viu nos últimos dias em São Paulo”.

Já o deputado Cláudio Cajado (PLF-BA) acha que “a culpa é da sociedade como um todo, que não tem exigido dos seus governantes uma política séria de segurança pública. Os governantes também são culpados porque ainda não assumiram esse compromisso com a sociedade”, afirma. O deputado defende que a segurança pública seja uma prioridade de todos os governos. E afirma que o Judiciário não está isento de críticas pela onda de violência deflagrada em São Paulo. “Temos de exigir da Justiça uma postura mais célere e punitiva. O sentimento de impunidade nesse país é gritante”, afirma.

O deputado Vilmar Rocha (PFL-GO), situa a declaração do governador num contexto mais amplo. “Lembo é um grande governador e está num momento de tensão e pressões. Sempre houve violência e haverá mais. O que existe é muita politicagem do governo federal, que quer transformar isso num evento meramente eleitoreiro”, afirma o deputado. Rocha acredita que Lembo agiu certo em não aceitar a ajuda oferecida de forma demagógica pelo governo federal. “O governador tomou todas as providências necessárias e fez certo em apoiar a polícia do estado. Não houve acordo os fatos estão comprovando isso”, declara o deputado.

Segundo Jorge Maurique, presidente da Associação dos Juízes Federais, “esse discurso legitima a violência e, por outro lado, parece querer retirar a culpa do poder público”. Maurique afirmou, ainda, que a falta de responsabilidade social coletiva contribui para a marginalização, “mas não é verdade que uma pessoa entra para o crime só pelo fato de ser pobre”. Maurique, acredita que uma forma de a elite ajudar a melhorar realidade social dos brasileiros é apoiar políticas públicas como financiar escolas, e manter universidades “como acontece tradicionalmente nos Estados Unidos”.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rodrigo Collaço acha que manifestações como a do governador de São Paulo “é uma forma de as autoridades públicas se eximirem de responsabilidade”. Collaço acredita que essa opção “só deixa clara a incapacidade do país de resolver seu problema de segurança”, quando, idealmente, deveria se demonstrar uma capacidade de reação.

Elite culpada

A linha de raciocínio de Lembo é seguida por muitos advogados criminalistas e parlamentares ouvidos pela ConJur. Para eles, a onda de violência e insegurança tem origem na exclusão, na marginalidade e é fruto de uma péssima prestação de serviços públicos: educação ruim, sistema de saúde precário, problemas na alimentação da população e de distribuição de renda.

O criminalista José Luís Oliveira Lima acredita ser “inegável que a fala do governador, no tocante à culpa da elite na violência, é correta”. No entanto, o advogado frisa que há um conjunto de medidas que devem ser adotadas para melhorar a segurança pública: aparelhamento da polícia, melhorar os salários, desenvolver o Serviço de Inteligência. Segundo ele, os acontecimentos “merecem uma profunda reflexão da classe dominante do país”.

O especialista em matéria penal Luiz Flávio Gomes concorda com a opinião de Lembo. “De fato, a criminalidade organizada PCC nasceu dentro dos presídios. É um tipo de crime que nasceu na exclusão social. A classe rica comete crimes e não vai pra cadeia”, declarou. No entanto, se disse contra a forma como o governador colocou a questão, “ele não pode dizer isso como se fosse um professor, tem que dar soluções”.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB Nacional, Alberto Toron, também especialista em Direito Criminal, aplaude as declarações dadas pelo governador do estado. Para ele, a elite é co-responsável pela miséria do país. “A elevada população carcerária, confinada como gado, contribui de forma decisiva para os acontecimentos”, declarou Toron para quem é necessária uma reestruturação dos sistemas de ensino, saúde e carcerário.

A advogada Daniela Regina Pellin distingue duas elites no país: a estatal e a privada. A elite privada, afirma “investe muito no país”, pagando seus impostos e, em especial, quando tem incentivos fiscais, exemplifica. A responsável pelos episódios recentes, diz, é a elite estatal, que engloba a classe política brasileira.

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