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Globo está proibida de executar músicas de sócios do Ecad

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18 de maio de 2006, 12h58

A TV Globo está proibida de executar qualquer obra dos associados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, sem autorização prévia. Se descumprir a sentença, pagará multa diária de R$ 300 mil, de acordo com o artigo 461 do Código de Processo Civil. A decisão é da juíza da 19ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Soares Pereira.

A queda de braço entre a emissora e o Ecad vem desde junho de 2005, quando o acordo que regia a veiculação de músicas no canal chegou ao fim. À época, o valor cobrado era da ordem de R$ 4,5 milhões por mês. Aí veio o litígio. A Globo pedia 30% de desconto e o Ecad exigia um aumento real, além do IGP da FGV, acumulado nos últimos doze meses.

A regra comum do escritório para as televisões implica no pagamento de 2,5% do faturamento bruto dessas entidades, independente de limite temporal ou quantitativo das referidas obras, a chamada blanked license. Mas um acordo especial firmado entre as partes no ano 2000 possibilitou que a cobrança fosse feita com base num preço fixo.

Segundo decisão da 19ª Vara Cível, publicada na terça-feira (16/5), no Rio, o valor depositado em juízo pela emissora ao longo do segundo semestre do ano passado e até agora — algo em torno de R$ 3,8 milhões por mês — ficará para o Ecad, que também será credor de uma diferença financeira de perdas e danos referentes às diferenças entre as parcelas mensais devidas a titulo de direitos autorais desde julho de 2005, a ser calculada em liquidação de sentença por arbitramento.

Também por decisão da juíza, a emissora foi condenada a pagar custas processuais e honorários de advogado no valor de R$ 100 mil, como determina o artigo 20, parágrafo 4, do Código de Processo Civil.

Valor abusivo

Em sua defesa, a Globo classificou de “abusivo e ilegal” o valor pretendido pelo Ecad para renovar a concessão da autorização de uso das obras musicais em sua programação. Além disso, sustentou que possuía autorização prévia dos autores sobre metade das músicas que colocava no ar, pagamento feito com base no artigo 98 da Lei 9.610/98. A emissora argumentou ainda que em razão do monopólio legal conferido pelo artigo 99 da mesma legislação e a ausência de um organismo de fiscalização, o Ecad estabelecia valores unilateralmente.

De acordo também com os advogados da Globo, o pacote blanked license oferecido pela escritório configurava venda casada (proibida pelo artigo 21, XXIII da Lei 8.884/94) e abuso do poder econômico (nos termos do artigo 173, parágrafo 4, da Constituição e o artigo 20 da mesma Lei 8.884/94.

A emissora pleiteou na ação, ainda, que a Justiça lhe desse sinal verde para executar obras de associados da Ecad em 70% do tempo de sua programação. Considerou que o justo valor por isso seriam R$ 2.674 milhões por mês, e que caso a autorização abrangesse 100% do horário da transmissão aceitava desembolsar R$ 3.820 milhões, a cada 30 dias.

Já o Ecad, depois de informar que a Globo violou o artigo 68, parágrafos 2 e 3 da Lei 9.610/98, ao se utilizar, sem autorização, após o fim do contrato, de obras cadastradas no escritório, sustentou que a emissora, na renovação, perdeu a condição de usufruir um desconto especial. Em termos concretos, isso jogaria o contrato para um valor mensal da ordem de R$ 10,5 milhões.

Os advogados do Ecad destacaram ainda em juízo que era “inverídica e inaceitável” a declaração da Globo de que 50% dos titulares de obras musicais utilizadas na programação não estavam mais vinculados ao escritório. Segundo estimativas do órgão, esse percentual corresponderia a 0,23%.

O Ecad rebateu também que estaria praticando abuso de poder econômico, lembrando que não exerce atividade econômica, “por conseguinte não realizo a dominação de mercado ou a eliminação da concorrência”.

Proteção de direitos

Em sua sentença, a juíza não viu na atividade do Ecad abuso do poder econômico, salientando ainda em seu voto que a experiência demonstrou representar o escritório instrumento imprescindível à proteção dos direitos autorais , preconizada no inciso. XXVIII e suas alíneas A e B do artigo 5º da Constituição, garantia que tem preferência sobre o princípio da livre associação (incisos. XVII e XX do mesmo artigo) apontado como ofendido.

“A tutela coletiva exercida pelo ECAD além de se coadunar com a tendência mundial de proteção dos direitos autorais, tem sua conduta definida pelos seus associados que se lançam dessa pessoa jurídica justamente para viabilizar a proteção e a exploração patrimonial de suas obras. A centralização da atividade de arrecadação e distribuição não conduz por si só a caracterização de qualquer das infrações previstas no art. 20 da Lei 8.884/94, nem constitui monopólio.

Outrossim, todo aquele que detém uma propriedade, intelectual ou não, tem a liberdade de fixar preço sobre ela, compete ao mercado aceitá-lo ao não, comprar ou não a obra. O preço sempre é fixado unilateralmente pelo proprietário, salvo nas situações em que o Estado intervém por interesse social. Esta é a exceção à regra. Não se manifestando o Estado sobre seu interesse em tabelar preço, não compete ao Judiciário fazê-lo”.

Lembrou também em sua sentença a juíza Ana Lúcia Soares Pereira, que a Globo não está obrigada a consumir as obras que compõe o repertório do Ecad. “Assim, não há imposição de contratação, nem monopólio, pois quem visa lucro e o aufere são os associados, autores das obras, e não o escritório, tendo inclusive a emissora adquirido o direito de execução e sincronização de alguns autores, demonstrando que tal é possível”.

“A forma de concessão da autorização para execução pública das obras musicais denominada de blanked license é de aplicação comum entre os países, tendo como característica principal o fato de possibilitar a execução livre de todo o repertório de competência da entidade mediante o pagamento de valor fixo. O pedido de utilização proporcional é contrário à natureza do instituto, pois não se avalia o valor da licença pelo que se efetivamente usou, mas sim pelas músicas que potencialmente se encontram disponíveis no momento de celebração do contrato e sobre aquelas que serão integradas ao repertorio durante a sua vigência”.

No entender da magistrada, “a TV Globo deseja a mitigação dessa forma de licença para lhe possibilitar contratação em preço que ela entende vantajoso, impondo-o aos autores das obras musicais, tentando esvaziar a função protetiva do Ecad e enfraquecendo o poder deste órgão na fixação dos valores das contraprestações devidas em função da exploração pública dessas obras musicais, bem como os obrigando a contratar, em violação à liberdade pessoal destes, que podem preferir não ver sua obra utilizada a vê-la por preço que entendem incompatível com o bem fornecido”.

Segundo a juíza, é ínfimo o número de autores que declaram que receberam diretamente da Globo seus direitos autorais. Destacou ainda a ausência de permissões de autores estrangeiros. Finalmente, no tocante ao valor exigido pelo escritório para firmar o contrato de exploração e as possíveis infrações aos artigos 122 e 489 do Código Civil, bem como do principio da função social dos contratos previsto no seu artigo 421, Ana Lúcia Pereira observou que não via a aplicação desses dispositivos do Código Civil no caso. “A natureza da relação negocial entre as partes não caracteriza simples compra e venda, não podendo as regras referentes a esse instituto serem aplicadas irrestritamente”.

Processo 2005.001.089846-1

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