Corte da lei

Ao invés de restringir, temos de aumentar recursos ao STJ

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17 de maio de 2006, 7h00

Em 5 de abril passado, o novo presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, em entrevista coletiva, afirmou que a quantidade de recursos que chegam ao tribunal superior exige a criação urgente de filtros para a sua admissão1. Em seu discurso de posse, o ministro afirmou que “é preciso, de maneira urgente, que o legislador defina em que casos o recurso especial deve ser admitido e processado. Há necessidade imperiosa de um filtro seletivo adequado, a fim de que os julgadores desta casa não se percam no universo de causas destituídas de qualquer importância”.

Trata-se de mais uma voz que vai ao encontro da idéia geral e predominante, hoje, no sentido de que uma das causas, senão a principal, da lentidão e pouca efetividade de nossa Justiça seria a da existência de muitos recursos previstos em nosso sistema processual.

Será mesmo que a existência de tantos recursos, como sustentam alguns, realmente é a causa (senão a única, a que mais contribui) da pouca efetividade da Justiça brasileira? Está correto o entendimento do presidente do STJ, indo ao encontro de muitos outros, no sentido de que se faz imprescindível a criação de “filtros para a admissão de recursos”, com a finalidade de que o STJ não se torne uma instância recursal inviável?

Em outros termos: será que a primeira solução existente para que o STJ e outros tribunais espalhados pelo Brasil não se tornem inviáveis é a de criação de “filtros para a admissão de recursos”? Não seria essa a solução mais simplista a ser adotada, ignorando-se outras que são as verdadeiras causas da quase inviabilização de tais tribunais, porém que não são objeto de questionamentos?

A resposta a essa última pergunta é positiva, senão vejamos.É por demais sabido por aqueles que lidam com o Direito que as decisões proferidas pelo STJ são tidas, em tese, como parâmetro da forma pelo qual a lei deve ser corretamente aplicada aos casos concretos. Muitos são as justificativas para que se pense desta forma, a principal, a da grande sabedoria dos ministros que compõe aquela corte.

Para Cândido Rangel Dinamarco: “Por serem órgãos de convergência, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça recebem e julgam recursos contra acórdãos proferidos em todo o território nacional. (…) Sendo órgãos de superposição, julgam recursos vindos das justiças (…) Essa grande abertura qualifica-os como os grandes responsáveis pela efetividade do direito nacional e uniformidade de sua aplicação. (…) Direta e intensamente ligadas a essa missão uniformizadora são as competências recursais dos dois tribunais de superposição”. 2

Intrigado com o discurso do ministro, e porque nunca concordei que o entendimento de que a redução do número de recursos ou a criação de filtros para a admissão dos mesmos fosse uma das soluções ao problema da pouca efetividade da Justiça brasileira, fiz ao STJ, por meio do seu Núcleo de Estatísticas, duas indagações, conforme segue: (i) qual o número de recursos julgados pela corte superior no ano de 2005 e (ii) quantos destes recursos foram providos (julgamento de procedência do mérito dos recursos)?

A resposta oferecida pela Seção de Estatísticas foi a seguinte:

“Conforme já informado anteriormente, o número de Recursos Especiais julgados em 2005 foi de 104.918. No entanto, a estatística do teor da decisão só começou a ser feita a partir de agosto do citado ano. Dessa forma, informo o resultado da mesma no período de agosto de 2005 a março de 2006:

Total de Recursos Especiais julgados: 68.691, sendo:

Providos: 38.548 (56,12%);

– Negado Provimento (41,39%);

– Outras decisões: 1.708 (2,49%).”

Considerando a competência recursal do STJ, definida no artigo 105 da Constituição Federal, entendo que a resposta acima transcrita é assustadora: 56% das decisões proferidas pelos tribunais estaduais foram reformadas pelo STJ. Ou seja, mais do que a metade das decisões proferidas pelos tribunais estaduais estão equivocadas: ou violam (contrariam) artigo de lei federal3, julgam válidos atos dos governos estaduais em face de leis estaduais4 ou deram a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal5.

Particularmente, sempre tive uma visão pessimista em relação às decisões proferidas pelo Poder Judiciário. Sempre acreditei e entendi que a maioria delas estariam equivocadas. O STJ acabou por confirmar meu pessimismo, já que vem informando, por meio de suas decisões, que mais da metade das decisões proferidas (56,12%) pelos tribunais estaduais estão equivocadas, ou seja, foram reformadas pelo STJ. Algo está errado. É a única conclusão passível de ser atingida.

Diante deste assustador número, é de se indagar: será que realmente temos que criar “filtros para a admissão de recursos”? Seria essa a decisão mais correta? Será que este, realmente, é o nosso problema? Permito-me, dentro de meu humilde conhecimento jurídico, responder às indagações. A toda evidência, ao invés de criarmos “filtros para a admissão de recursos”, temos de atuar no sentido oposto, lutando para que se possibilite, em ainda mais hipóteses do que aquelas previstas no inciso III, do artigo 105, da Constituição Federal, a interposição de recursos especiais a esta corte superior, até que o presente panorama se altere.

Ora, se este mesmo tribunal afirma, por meio de decisões, que mais da metade dos acórdãos proferidos pelos tribunais estaduais estão incorretos, como podem querer que se criem “filtros para a admissão de recursos”? Repita-se: como é que criaremos “filtros para a admissão de recursos” se a maioria das decisões proferidas pelos tribunais estaduais está equivocada?

Não! Queremos que o STJ julgue cada vez mais recursos, e não menos, como se quer atualmente, já que os números demonstram que esta corte superior é a que, na maioria dos casos, aplica corretamente a lei. Queremos, ainda, que se criem ainda mais recursos (ou ao menos que se mantenha o número de recursos hoje existentes), já que os números estão demonstrando que mais da metade das decisões hoje proferidas são reformadas. Sim, porque quanto mais recursos e menos filtros tivermos, mais chances teremos de reformar as decisões que vêm sendo proferidas, obtendo, por conseqüência, maiores chances de que a justiça seja feita aos casos levados ao conhecimento do Judiciário (melhor aplicação da lei, portanto).

A não ser que queira que em cada um de dois processos julgados o Direito seja mal aplicado e injustiças sejam feitas. Salvo esta hipótese (o que não posso acreditar que se queira), o posicionamento que hoje, infelizmente, predomina no meio jurídico brasileiro, deve ser alterado em posição diametralmente oposta.

As respostas que ofereci a série de indagações antes realizada, parece-me, começam a ser justificadas. Tudo bem, concordamos que o número de recursos interpostos são grandes. Não há como não concordar. Mas também devemos concordar que, caso os tribunais estaduais não “errassem” em uma de cada duas decisões proferidas (conforme números do próprio STJ), o número de recursos interpostos seria reduzido em, no mínimo, 50%.

Proponho que comecem a buscar outras alternativas para o problema da pouca efetividade de nossa Justiça como, por exemplo, que os tribunais estaduais comecem a julgar corretamente os casos que lhe são levados a conhecimento (e não tenham, portanto, mais de 50% de suas decisões reformadas pelo STJ). Se assim for procedido, temos que o número de recursos que são interpostos à corte suprema será reduzido em, no mínimo, 50%. Após a tomada desta iniciativa (julgamento correto dos processos) é que deveremos, então, com os restantes 50% dos recursos, pensar em criar “filtros para a admissão de recursos”.

Notas de rodapé

1 – Conforme notícia intitulada “Ministro Barros Monteiro: ‘É preciso criar filtros para a admissão de recursos’”, publicada no site do STJ na data de 5 de abril de 2006;

2 – DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume 1. Editora: Malheiro. P. 383;

3 – Inciso III, alínea “a” do artigo 105 da CF;

4 – Inciso III, alínea “b” do artigo 105 da CF;

5 – Inciso III, alínea “c” do artigo 105 da CF.

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