Justiça aberta

Exigir depósito prévio para apelação frustra direito de cidadão

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15 de maio de 2006, 7h00

“Deve-se é saudar um tribunal que tem capacidade e, acima de tudo, qualidade para aperfeiçoar sua jurisprudência.1

No final de 1997, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 210.246, por seis votos a cinco, declarou a constitucionalidade da exigência do depósito prévio para interposição de recurso administrativo relativo a discussões no âmbito trabalhista.

Após esse julgamento, embora a matéria sempre estivesse cercada de grandes discussões, a tendência dos tribunais foi a de adotar o posicionamento da egrégia corte suprema.

Em 2003, a 1ª Turma do STF, acolhendo a questão de ordem levantada pelo ministro Marco Aurélio, resolveu submeter o Recurso Extraordinário 388.359 ao crivo do Plenário da corte em razão da nova composição desta.

Não foi sem razão a necessidade de reapreciação da matéria, tendo em vista que oito dos 11 ministros que participaram do julgamento em 1997 já estão aposentados. São eles: Moreira Alves, Sydney Sanches, Octávio Gallotti, Nery da Silveira, Ilmar Galvão, Carlos Velloso, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Remanescem da antiga composição apenas os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

Iniciado o julgamento perante o Plenário, o ministro Marco Aurélio votou a ratificar seu ponto de vista no sentido da inconstitucionalidade da exigência em razão da manifesta afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e do direito de petição, tendo o julgamento sido interrompido pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.

No último dia 20 de abril do corrente ano, o referido ministro apresentou seu voto-vista, acompanhando o ministro Marco Aurélio, defendendo a necessidade de revisão do entendimento do STF, pois a exigência do depósito prévio “esvazia o direito fundamental dos administrados e, mantê-la, levaria à própria negação desse direito”2.

Os ministros Carlos Britto, Eros Grau e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator no sentido da inconstitucionalidade da exigência, tendo o julgamento sido interrompido pelo pedido de vista do ministro Cézar Peluso.

A única divergência verificada até o momento se deu com o voto do ministro Sepúlveda Pertence que, parafraseando o voto proferido em 1997, entendeu pela constitucionalidade da exigência.

Aguardam ainda para proferir voto os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, a presidente ministra Ellen Gracie, além do futuro ministro que ocupará a vaga aberta pela aposentadoria de Nelson Jobim.

Como já defendemos em outras oportunidades, o nosso sistema constitucional tradicionalmente defere aos cidadãos a possibilidade de se valerem de um contencioso administrativo prévio, como alternativa ao puro e simples ingresso em juízo. Essa “jurisdição administrativa” tem, porém, contornos bem precisos no nosso Direito, posicionando-se de maneira meramente ancilar em relação à jurisdição propriamente dita que, por definição, é dotada de universalidade (CF, art. 5.º, XXXV): não produz coisa julgada mas está, como não poderia deixar de ser em qualquer espécie de jurisdição, submissa à observância dos princípios constitucionais que se inserem no devido processo legal, devendo pautar-se pelos princípios do contraditória e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV).

A toda evidência, o Estado Democrático de Direito, tal como instituído na Constituição, não haverá de tolerar, no bojo do contencioso administrativo tributário, que se expulse dos autos esse ou aquele contribuinte pela absurda razão de que seja ele despossuído de capacidade econômica, impossibilitando-lhe o acesso à via recursal que o levaria ao órgão administrativo superior.

Impor aos menos desafortunados o ônus de depositar, como preço do exercício do direito de petição, valor equivalente percentuais do valor discutido — 30% no contencioso previdenciário, por exemplo — que pode ser sobremodo significativo, é, evidentemente, frustrar a garantia esculpida no artigo 5.º, inciso XXXIV, “a”, da Constituição, limitando-se sensivelmente o direito de petição ali expressamente assegurado.

Como não poderia deixar de ser, os percussores da mudança perante o STF, em especial os ministros da nova composição e o ministro Marco Aurélio, merecem o aplauso de toda a comunidade jurídica pela coragem de rever a jurisprudência da corte até então consolidada, para garantir o direito de defesa no âmbito administrativo em toda a sua plenitude. Quanto ao ministro Marco Aurélio, é importante parafrasear as palavras a ele proferidas pelo ministro Luiz Fux, na sua obra Curso de Direito Processual Civil, quando asseverou que, “no exercício da sua nobilíssima função, confere a magistratura nacional, em momento deveras preocupante, exemplo de altivez e independência que alimenta nosso sonho de justiça”3.

Portanto, fica a esperança de que a suprema corte reveja o seu posicionamento acerca da questão, declarando-se, de uma vez por todas, a inconstitucionalidade do malsinado depósito recursal, para que, doravante, os litigantes em processos administrativos fiscais que discutem autuações fiscais possam desenvolver seu direito de defesa sem nenhum entrave ou limitação, assegurando a verdadeira justiça no contencioso administrativo fiscal.

Notas de rodapé

1 – RESP 541.239/DF. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. 1.ª Seção. Julgado em 09/11/05;

2 – Trecho do voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa vinculado no site do STF na sessão notícias do dia 20/04/06;

3 – FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro. Forense. 2004. Pág.02.

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