Falta de esperança

Criminosos do PCC são filhos da Lei dos Crimes Hediondos

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15 de maio de 2006, 15h06

A solução não virá com o endurecimento da legislação penal, nem com o recrudescimento nas condições de cumprimento da pena. Estamos — nós, a sociedade — insistindo há anos em buscar solução onde só temos encontrado causas de agravamento do problema.

O PCC e os demais grupos criminosos surgidos nos presídios são todos filhos da Lei dos Crimes Hediondos que, ao acabar com a possibilidade de progressão no regime de cumprimento da pena apenas em razão do crime cometido, igualou os criminosos de crime único aos efetivamente perigosos e propensos à prática do crime. Sem esperança, aqueles viraram soldados destes últimos e o resultado é a carnificina que nos vitima.

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, teria manifestado o propósito de passar a gravar as conversas mantidas entre presos e advogados porque estes estariam exercendo a função de “pombo-correio”. Meu Deus! Hoje, se eu for a um centro de detenção provisória visitar um preso, vou entrevistá-lo num local em que haverá a nos separar uma tela de aço em forma de colméia, pela qual não passa uma caneta esferográfica que tenha prendedor.

Pois bem: apesar disso, sou impedido de manter em meu poder, quando entro no estabelecimento, o meu aparelho de telefone celular. E como é, então, que todos os estabelecimentos do sistema prisional de São Paulo estão infestados de aparelhos de telefones celulares em pleno funcionamento? E como se explica o fato de que, em 2006, não haja tecnologia capaz de efetivamente bloquear sinal de celular dentro de estabelecimentos prisionais, se nós, usuários extra muros, tantas vezes nos irritamos com a falta de sinal em nossos aparelhos?

Em 2002, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo criou o tal RDD — Regime Disciplinar Diferenciado, para o qual não havia previsão legal e que criava condições especiais para o cumprimento da pena em casos específicos de cometimento de faltas gravíssimas. O professor René Ariel Dotti, sabiamente, apelidou o tal regime de “Regime Da Desesperança”. Apesar de ser uma ode aos tempos das masmorras, o tal RDD acabou sendo incluído na legislação — e, o que é pior, sob os auspícios e o patrocínio entusiasmado do ministro da Justiça que, então, ainda não havia declarado que mudara de lado, após mais de 40 anos combatendo, como advogado criminal, a competência da Polícia Federal.

Ah, sim, o RDD “legal” (entre aspas sim, porque ele é evidentemente inconstitucional, mas, infelizmente, assim ainda não foi declarado) é muitas vezes pior do que o que fora antes concebido pela Secretaria de Administração Penitenciária em São Paulo. E é claro que passou a ser utilizado indiscriminadamente, independentemente de apuração de falta, muito menos de falta gravíssima. Como se vê, sua eficácia salta aos olhos — melhor talvez fosse dizer faz arregalar os olhos. E não é que já há quem sustente que o RDD deve ser ainda mais endurecido, e sua aplicação estendida no tempo? Onde é que essa sociedade brasileira e seus próceres encontram tantos buracos no chão para fingir de avestruz e enfiar as cabeças neles para não ver o óbvio?

A esta altura, talvez deva se perguntar: “então devemos ser lenientes com os que nos atacam, devemos acariciar-lhes as cabeças?” Respondo logo, para não deixar margem à dúvida: não! Até porque, como dizia meu querido e saudoso mestre Sérgio Pitombo, nós não devemos esquecer que pena é castigo. O que penso é que devemos, em primeiro lugar, pensar em cumprir a lei. E a lei, no que se refere à execução penal, nunca foi cumprida, pelo menos desde que entrou em vigor, em 1985, a Lei de Execução Penal (7.210/84).

As condições ali impostas para o cumprimento da pena nunca foram observadas, e se o Estado não cumpre sua própria lei, com que autoridade há de submeter alguém a pena por descumprimento de lei? Sei, a população quer respostas para o problema atual. Enfim, como fazer para conter o poder dos criminosos e proporcionar, imediatamente, mais segurança à sociedade. Bom, meu caro, não sou professor Pardal, e não me disponho a representar o papel. Sei que há muitos Pardais à solta, e cada “idéia brilhante” que deles advém e é acolhida invariavelmente leva ao agravamento do problema, cuja solução a “invenção” se propunha a obter.

Nossas polícias têm defeitos? Claro que sim, e muitos! No entanto, é sintomático que seus integrantes sejam os alvos das ações dos criminosos, o que não ocorre, sabe-se, em todos os demais estados da federação. Por que não valorizar os policiais (sim, estou falando também de pagar salários que tragam a idéia de dignidade, mas de muitas outras coisas, como carreira profissionalizada, adequado treinamento, estímulo ao estudo, condições materiais adequadas ao desempenho das funções, etc.)? Por que não fazer o mesmo com os agentes penitenciários? Por que não tomar a decisão política de fazer cumprir a Lei de Execução Penal? Por que não criar grupos especializados em investigação a respeito das ações dos grupos criminosos, e a partir dessas investigações (feitas dentro dos cânones constitucionais e legais), efetuar prisões em flagrante, quando for o caso, ou requerer a decretação de prisão preventiva, quando não houver flagrância, submetendo, enfim, os responsáveis pelas ações criminosas aos termos do Processo Penal, para que sejam condenados com base na prova que tenha sido legítima e licitamente produzida? Por que optar sempre pela solução aparentemente mais fácil da violência desregrada que, na verdade, não soluciona e agrava o problema?

Antes de terminar, um último comentário. Fui informado de que o Presidente do Brasil teria dito que “a solução para esse problema é investir mais na educação”. Eu não pensei que um dia fosse voltar a ter opinião igual à dele. O problema é que, se investir realmente em educação, não creio que “este país” novamente eleja alguém que se orgulha de não ter estudado. Por isso, parece-me que o senhor presidente, ao menos desta vez, não foi sincero.

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