Avaliação do primeiro grau

Condenado por tráfico de drogas pode ter progressão de pena

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15 de maio de 2006, 20h06

Leandro de Souza Martini, condenado por tráfico e porte de entorpecentes, pode ter progressão de regime se o juízo de primeiro grau avaliar que ele atende aos requisitos para usufruir do benefício. A decisão é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal que afastou a proibição da progressão.

O ministro fundamentou-se na decisão do Habeas Corpus 82.959, que reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90 [Lei dos Crimes Hediondos]. Mendes citou decisões de ambas as Turmas do STF (Questão de Ordem no HC 86.224 — 1ª Turma e HC 85.677 — 2ª Turma) que admitem a possibilidade da decisão monocrática em todos os Habeas Corpus que tratem exclusivamente de progressão de penas em crimes hediondos.

A defesa do condenado a sete anos de prisão, que teve a pena majorada para nove anos e quatro meses pela quantidade excessiva de droga apreendida, entrou com pedido de Habeas Corpus contra decisão do Superior Tribunal de Justiça e pediu a possibilidade de progressão de regime, com base no princípio da isonomia e da individualização da pena.

HC 85.204

Leia a íntegra da decisão

HABEAS CORPUS N. 85.204-1

PROCED.: RIO GRANDE DO SUL

RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. GILMAR MENDES

PACTE.(S): LEANDRO DE SOUZA MARTINI OU LEANDRO MARTINI

IMPTE.(S): LEANDRO DE SOUZA MARTINI

ADV.(A/S): ADEMIR CANALI FERREIRA

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado por ADEMIR CANALI FERREIRA, em favor de LEANDRO DE SOUZA MARTINI, contra decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsP no 617.291-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, unânime, DJ de 29/11/2004. Eis o teor da ementa (fl. 198):

“CRIMINAL. RESP. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. LEI N.º 8.072/90. VEDAÇÃO LEGAL À PROGRESSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ERRO NA INDICAÇÃO DO ARTIGO DE LEI VIOLADO. SÚMULA 284/STF. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.

I.As condenações por tráfico de entorpecentes, delito equiparado a hediondo, devem ser cumpridas em regime integralmente fechado, vedada a progressão.

II.Constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos já afirmada pelo e. STF.

III.A progressão na execução das penas privativas de liberdade não está inserida dentre os postulados constitucionais.

IV.Não se conhece do recurso especial relativamente à inaplicabilidade do Princípio da Insignificância, se as razões recursais encontram-se dissociadas do contexto dos autos. Incidência da Súmula 284/STF.

V.Recurso especial parcialmente conhecido e provido.”(fl. 198) O paciente foi condenado como incurso no artigo 12, § 2o, 16 e 18, III da Lei no 6.368/1976, a uma pena de 09 (nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes. O impetrante requer a possibilidade de progressão de regime tendo em vista o princípio da isonomia e da individualização da pena. Em decisão de 09/12/2004, deferi de ofício liminar (DJ de 15/12/2004) para afastar a vedação legal a progressão de regime (fls. 212-214). A Procuradoria-Geral da República opinou pelo indeferimento do writ (fls. 232-236).

Passo a decidir. A possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento HC no 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, (acórdão pendente de publicação). Nessa assentada, ocorrida na sessão de 23.02.2006, esta Corte, por seis votos a cinco, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2o da Lei 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.

Conforme noticiado no Informativo no 417/STF: “Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal – v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado.

Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional.

Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada.


O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, uma vez que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.”

(HC no 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, por maioria, acórdão pendente de publicação)

Segundo salientei na decisão que deferiu a medida liminar, o modelo adotado na Lei no 8.072/1990 faz tabula rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos. Em outras palavras, o dispositivo declarado inconstitucional pelo Plenário no julgamento definitivo do HC no 82.959-SP não permite que se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a capacidade de reintegração social do condenado e os esforços envidados com vistas à ressocialização.

Em síntese, o § 1o do art. 2o da Lei no 8.072/1990 retira qualquer possibilidade de garantia do caráter substancial da individualização da pena. Parece inequívoco, ademais, que essa vedação à progressão não passa pelo juízo de proporcionalidade.

Entretanto, apenas para que se tenha a dimensão das reais repercussões que o julgamento do HC no 82.959-SP conferiu ao tema da progressão, é válido transcrever as seguintes considerações do Min. Celso de Mello, proferidas em sede de medida liminar, no HC no 88.231-SP, DJ de 20/03/2006, verbis:

“Como se sabe, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, declarou, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei no 8.072, de 25/07/1990, afastando, em conseqüência, para efeito de progressão de regime, o obstáculo representado pela norma legal em referência.

Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento plenário, explicitou que a declaração incidental em questão não se reveste de efeitos jurídicos, inclusive de natureza civil, quando se tratar de penas já extintas, advertindo, ainda, que a proclamação de inconstitucionalidade em causa – embora afastando a restrição fundada no S 1° do art. 2° da Lei n° 8.072/90 – não afeta nem impede o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, ‘b’), a significar, portanto, que caberá, ao próprio Juízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, ‘b’, da LEP, nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste, a esta Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ – o que representaria inadmissível substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência.

Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de ‘habeas corpus’, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva subjacentes à determinação do regime prisional inicial ou condicionadores da progressão para regime penal mais favorável (RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550, v.g).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei n° 10.792/2003 – que alterou o art. 112 da LEP, para dele excluir a referência ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, mediante decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ – HC 40.278/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER – HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 – RT 837/568):

‘(…). II – A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária. III – Não há qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaria a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado. (…).’


(HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei)

‘A lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de perículosidade (art. 83, par. ún., do CP).’ (RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI – grifei)

A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico – cuja realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente – reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia, ‘ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao condenado’ (RT 613/278).

As considerações ora referidas, tornadas indispensáveis em conseqüência do julgamento plenário do HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, evidenciam a impossibilidade de se garantir, notadamente em sede cautelar, o ingresso imediato do ora sentenciado em regime penal mais favorável. Cabe registrar, neste ponto, que o entendimento que venho de expor encontra apoio em recentíssimo julgamento da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, deixou assentado que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe, ao magistrado de primeira instância, proceder ao exame dos demais requisitos, inclusive aqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão do regime de cumprimento de pena.” (HC no 88.231-SP, Rel. Min. Celso de Mello, decisão liminar, DJ de 20/03/2006)

Em conclusão, a decisão do Plenário buscou tão somente conferir máxima efetividade ao princípio da individualização das penas (CF, art. 5o, LXVI) e ao dever constitucional-jurisdicional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX).

Em sessão do dia 07.03.2006, a 1ª Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC no 86.224-DF, Rel. Min. Carlos Britto, admitiu a possibilidade de julgamento monocrático de todos os habeas corpus que versem exclusivamente sobre o tema da progressão de regime em crimes hediondos.

Em idêntico sentido a 2a Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC no 85.677-SP, de minha relatoria, em sessão do dia 21.03.2006, reconheceu também a possibilidade de julgamento monocrático de todos os habeas corpus que se encontrem na mesma situação específica. Na espécie, o impetrante postula (fl. 23), verbis: “Requer a concessão de liminar para impedir que o acórdão vergastado, da Egrégia 5ª Turma, relator Ministro Gilson Dipp, produza imediatos efeitos, com o retorno do impetrante e paciente ao regime fechado, pelo menos até que se conclua o julgamento do habeas corpus no 82.959.” (fl. 23)

Nestes termos, defiro a ordem de habeas corpus, para que, mantido o regime integralmente fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, seja afastada a vedação legal de progressão de regime. Nessa extensão do deferimento do writ, caberá ao juízo de primeiro grau avaliar se, no caso concreto, o paciente atende ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

Comunique-se com urgência.

Publique-se. Arquive-se.

Brasília, 11 de maio de 2006.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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