Onerosidade da Justiça

Arbitragem só crescerá no país se protelação for inibida

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14 de maio de 2006, 7h00

Em editorial publicado no dia 25 de maio, o jornal O Estado de S. Paulo comemorou os dez anos da prática da arbitragem no Brasil. Justificou seu entusiasmo dizendo que, entre 1999 e 2005, “foram resolvidos por esse método — presumo que no Brasil inteiro — 13.652 casos, a maioria nos setores de petróleo e gás, energia elétrica, farmacêutico, automobilístico e de seguros”. O artigo revelou grande entusiasmo com essa forma não-estatal de solução de pendências e enumerou suas inúmeras vantagens, entre as quais a diminuição do congestionamento do Poder Judiciário.

Estou entre os admiradores teóricos da arbitragem e formas assemelhadas de solução de litígios, tendo em vista as limitações físicas e demora da jurisdição estatal. Entretanto, é preciso, com realismo — sem óculos cor-de-rosa —, demonstrar neste espaço que, enquanto não se alterar um item extremamente importante da nossa legislação processual civil — o estímulo indireto à protelação, via recursos —, a arbitragem será pouquíssimo utilizada como substituto da Justiça Estatal.

Um total de 13,6 mil litígios arbitrados em todo o país, em pouco mais de cinco anos, é uma gota d’água no verdadeiro oceano de demandas em nosso país. Só em São Paulo, segundo últimos levantamentos, existem mais de 500 mil recursos aguardando julgamento no Tribunal de Justiça paulista. E está em milhões o número de ações em andamento no país.

A simples menção, no editorial do jornal, das empresas — petróleo, gás, energia elétrica, farmacêutica, automobilística e seguros — interessadas na arbitragem demonstra que se trata de uma elite empresarial. Uma elite que não pode e não deve esperar a longa jornada, quase sem fim, propiciada pela técnica processual de nunca concordar (a parte devedora) com decisão alguma que a contrarie. Pede, até, o que sabe que não vai conseguir porque assim terá um pretexto para recorrer. Se pedisse e ganhasse algo justo como poderia apelar?

Só aceitam a arbitragem parceiros comerciais que vinham fazendo bons negócios — e gostariam de assim continuar — até que ocorreu uma divergência qualquer. Ambas as partes acham-se com razão no incidente. Querem uma solução rápida porque estão de boa-fé, não é tanto problema de falta de dinheiro. Mas isso, como disse, é parcela microscópica no conjunto de demandas judiciais do país.

O artigo em referência menciona que nos Estados Unidos a procura da arbitragem tem sido imensa, mas isso ocorre devida a enorme diferença na forma de se aplicar a Justiça Estatal. Lá, pelo que sei, se a parte devedora é condenada a pagar quantia em dinheiro, só pode recorrer da sentença depositando a totalidade da condenação e mais as custas do recurso. Com esse sistema tão severo — depositar tudo para recorrer — poucos devedores apelam “para ganhar tempo”.

Se não dispõe de numerário, pode contratar uma empresa financeira para fazer o depósito, mas a financeira só faz o depósito após garantir-se com os bens do recorrente. Se ele perde o recurso, a financeira fica com os bens. Além do mais, as custas da apelação são bastante elevadas. Com tal sistemática, a média de apelações nos Estados Unidos é muito inferior a 10% das sentenças proferidas. Daí a procura da arbitragem, mais flexível.

No Brasil, é o contrário. Pode-se recorrer ad infinitum, em todas as fases processuais (conhecimento, liquidação e execução), sem se preocupar com as conseqüências. O pior que pode acontecer é continuarem as coisas como estão, mais os juros de 0,5% ou 1% ao mês, aproximadamente (juros muitíssimo abaixo do mercado). Um ótimo negócio é dever e ser acionado na Justiça.

Mesmo quando o processo chega ao fim, ao leilão dos bens penhorados — fim teórico, claro — ainda cabem embargos à arrematação, com instrução, sentença, apelação e recursos aos tribunais superiores. Uma verdadeira piada em termos de eficácia. A parte devedora deitando e rolando sobre códigos quase inúteis. E a culpa não é dos juízes porque estes são “abelhas sem ferrão”, isto é, são obrigados a obedecer à legislação processual e processar cada recurso interposto, mesmo que perceba a intenção protelatória.

A arbitragem só poderá crescer no Brasil — como seria recomendável — se for adotado um remédio realmente inibidor da protelação. A meu ver, o mais eficaz seria a sucumbência recursal. Isto é, em todo recurso totalmente improvido, o tribunal julgador condenaria o recorrente perdedor a novos, autônomos, honorários advocatícios, facultado, ao tribunal, ex-ofício, não aplicar esse novo ônus quando a questão de fato ou de direito for complexa, merecedora de um novo julgamento. Somente assim, mexendo “no bolso”, é que se conseguirá “endurecer” ou ”sanear” o procedimento recursal.

Não é possível abolir os recursos, de modo geral. Juízes e tribunais podem errar. O que se pode fazer é “assustar” economicamente a parte que pretende protelar — particular ou governo — com um “fantasma” financeiro que o obrigará a agir com mais responsabilidade quando recorre dizendo que foi “injustiçado”.

E conviria à lei acrescentar que a Justiça gratuita estará limitada à primeira instância. Se quiser apelar ou recorrer aos tribunais superiores, terá de pagar custas da apelação e honorários, caso perca o recurso. Isso porque é enorme o percentual de causas com a vantagem da gratuidade da Justiça. Mesmo os menos abonados preferem adiar, quanto podem, o pagamento de seus débitos.

Em suma, quem pretende o crescimento da arbitragem deve lutar pela sucumbência recursal.

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