Interconstitucionalidade

Europa experimenta uma Constituição para vários países

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13 de maio de 2006, 7h00

Enquanto na América do Sul um país ocupa instalações militarmente e expropria bens de um outro país ao arrepio de tratados e normas internacionais, na Europa a discussão da convivência entre os povos avançou e chegou à interconstitucionalidade. A palavra, criada pelo constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, serve para indicar o fenômeno da era pós-nacional em que legislações nacionais têm de se adequar às legislações supranacionais dos grandes blocos ou mesmo do mundo globalizado.

“Leis nacionais não são mais suficientes para enfrentar questões tais como crimes ambientais, terrorismo internacional e o crime organizado, bem como as demandas empresariais e financeiras”, diz Canotilho. Professor de Direito Constitucional da Universidade de Coimbra e um dos mais destacados constitucionalistas do mundo, Canotilho esteve em São Paulo para participar do Congresso da Academia Internacional de Direito e Economia “A Constituição de 1988 e o Custo Brasil”.

A experiência formal de interconstitucionalidade mais avançada em curso está acontecendo na Unidade Européia. Lá, uma Constituição Européia convive com as constituições nacionais de cada um dos 25 Estados-membros. Cada sócio sabe e a Européia determina explicitamente: em caso de conflito entre a norma nacional e a continental, esta última tem prevalência. “Os conflitos têm acontecido com freqüência, principalmente no âmbito empresarial, mas tem sido possível chegar a acordos satisfatórios.”

Questões fundamentais, como a observância dos direitos da pessoa ou a defesa do Estado Democrático de Direito, não estão em discussão, já que fazem parte do ideário que norteou a criação da própria União Européia e estão presentes tanto na Constituição continental quanto nas constituições dos Estados-membros.

Como lembra o professor, uma das conseqüências automáticas da interconstitucionalidade é a cessão de soberania dos Estados nacionais, mas este é um preço que se paga em nome da convivência entre diferentes que perseguem objetivos comuns. Na última revisão da Constituição de Portugal, foram feitas as alterações que permitiram a coexistência com a Constituição Européia.

Para o professor Canotilho, a América do Sul vive em um estágio em que uma Constituição continental ainda é uma miragem longínqua e improvável. Nem mesmo dentro dos vários blocos regionais, como o Mercosul ou a Alca, estão dadas as condições para se pensar em uma experiência pelo menos parecida com a da União Européia. Muito menos quando se tomam os Estados nacionais ou surtos de nacionalismo como os que florescem agora na fronteira oeste brasileira com Bolívia e Venezuela.

História da lei

Em outubro de 2004, os chefes de Estado ou de governo das 25 nações que compõem a União Européia assinaram a Constituição Européia. A carta continental foi elaborada por uma constituinte, a Convenção Européia, formada por 105 representantes de todos os Estados-membros.

A Constituição, que tratou de consolidar os textos de todos os tratados europeus, está dividida em quatro partes. A primeira define os valores, os objetivos, as competências, os processos de decisão e as instituições da União Européia. A segunda contém a Carta dos Direitos Fundamentais. A terceira descreve o funcionamento da União Européia. A quarta parte contém disposições gerais e finais.

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