No devido lugar

Supremo determina que porta-voz das Farc volte a presídio

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9 de maio de 2006, 20h06

O Supremo Tribunal Federal determinou no último dia 5 de maio que o colombiano Francisco Antonio Cadena Colazzos seja retirado da carceragem da Polícia Federal em Brasília e reconduzido ao Presídio da Papuda, no Distrito Federal. A decisão foi tomada pelo ministro Gilmar Mendes e põe nos devidos lugares, além do preso, que aguarda julgamento de pedido de extradição para a Colômbia, a autoridade do Supremo, ameaçada no episódio por uma extemporânea intervenção do procurador regional da República Luiz Francisco de Souza.

Cadena Colazzos é um ex-padre colombiano que atuava no Brasil como um porta-voz das Farc, o grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Acusado de homicídio em seu país, foi preso e aguarda na prisão o julgamento do pedido de extradição.

Assim que foi detido e recolhido à carceragem da PF em Brasília, o ex-padre guerrilheiro — conhecido também como Padre Medina — entrou com pedido de prisão domiciliar. Ao mesmo tempo e coincidentemente, a Polícia Federal informou ao Supremo que não tinha condições para alojar o preso em seu xadrez. Diante da situação, o STF, através dos ministros Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes, solicitou que ele fosse alojado no Centro de Internamento e Reeducação do Distrito Federal.

As coisas estavam assim arranjadas, quando o procurador Luiz Francisco de Souza, que nada tinha a ver com o caso, entrou em ação e pediu à Justiça do Distrito Federal que o colombiano fosse devolvido à Polícia Federal. Sem dar ciência ao STF, o pedido foi encampado pelas autoridades interessadas do Distrito Federal — Ministério Público, Polícia Civil e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Nelson Ferreira Junior.

“O Procurador Regional da República vislumbrando situação prisional supostamente irregular de extraditando resolveu atuar na defesa do extraditando. O aludido pleito encontrou a absurda acolhida do Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e, o mais grave, de Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal”, relata o ministro Gilmar Mendes em seu despacho.

Além de reconhecer o “cenário de patente desrespeito à autoridade e competência deste Tribunal”, o ministro recomenda a “apuração dessa lamentável corrente de afronta a garantias institucionais, perpetrada por agentes manifestamente incompetentes para a prática dos atos adequados para resguardar a autoridade desta Corte e o devido processo extradicional (…)”.

Leia a decisão

Relator: Min. Gilmar Mendes

Requerente (s): GOVERNO DA COLÔMBIA

EXTRADITANDO (A/S): FRANCISCO ANTONIO CADENA COLLAZOS OU OLIVERIO MEDINA OU CAMILO LOPES OU CURA CAMILO

DECISÃO: Em Petição de n° 52.571/2006 (fls. 253-257), o Juízo da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal, por atuação do Juiz de Direito Nelson Ferreira Junior. Presta as seguintes informações e respeito do procedimento n° 2005.01.4.101217-4, verbis:

“Trata-se de pedido formulado pelo Dr. Luiz Francisco F. de Souza, procurador regional da república, no sentido de se analisar a possibilidade de recondução do interno FRANCISCO A. CADENA COLLAZOS à carceragem da Policia Federal.

Em razão da respeitável decisão de fls. 138, por não ser o subscritor do expediente de fls. 127/131 o Promotor Natural, foi este procedimento encaminhado à i. Promotora de Justiça em exercício perante esta Vara de execuções Criminais – VEC/DF, que se manifestou às fls.139-v.

Referido Preso se encontra, atualmente, custodiado no pavilhão V (SEGURO), cela n° 1 do centro de Internamento e Reeducação – CIR/DF, em decorrência da Decisão de fls. 20/22, a qual autorizou o recebimento do Interno naquele estabelecimento penal.

Neste ponto, é imperioso ressaltar que tal alocação se originou de pedido entabuado peles Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo tribunal Federal, Doutores Gilmar Mendes e Carlos Ayres Britto, encaminhado pelo Senhor Delegado da Delegacia Regional Executiva da Policia Federal, solicitando a disponibilização de outras duas vagas para detentos que aguardam EXTRADIÇÂO (o que é o caso do Preso em tela).


Inclusive, no expediente de fls.12, o i. Superintendente Regional do Departamento de Policia Federal no Distrito Federal, Dr. Daniel Gomes Sampaio, ao fazer o pedido de disponibilização de vaga para o recebimento do Interno no Sistema Penitenciário do DF, por conta dos pedidos dos d. Ministro do STF, foi enfático em informar que aquela Regional possuía número elevado de presos, alem de custodiar, também, o nacional LUIZ FERNADO DA COSTA, tornando inviável o recebimento de qualquer preso, em virtude do alto grau de periculosidade que este recluso oferece (Situação que, novamente, estaria configurada, diante do recente retorno deste custodiado a este DF).

Nesse passo, após a informação do i. Diretor do CIR/DF, de que existiriam duas vagas, para a recepção de presos extraditandos, é que este Juízo autorizou a alocação do interno, levando-se em consideração, sobretudo, a Decisão do Exmo. Senhor Ministro Relator do Processo de extradição n° 1008/STF, o Dr. Gilmar Mendes, deferindo ‘o pedido de transferência do nacional colombiano FRANCISCO ANTONIO CADENA COLLAZOS das dependências da Superintendência Regional de Policia Federal, no Distrito Federal, para a ala Federal da papuda/DF.’ (fls. 37)

Logo, tenho que os pleitos aviados pelo i. Procurador Regional da Republica deveriam, em verdade, serem encaminhados ao Exmo. Ministro do STF, responsável pela relatoria do processo de extradição, eventual demora na apreciação do pedido de refugio perante o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE.

Outrossim, a despeito de não terem sido juntadas a informações requisitada às fls. 139, tenho que tal já se encontra devidamente satisfeito pelos esclarecimentos de fls. 135/136, nos quais o i. Diretor do CIR/DF, apesar de reconhecer as dificuldades operacionais/estruturais para se viabilizar banho de sol diário e sistemático aos presos recolhidos na cela de extraditandos, refutou, por outro lado, as demais assertivas construídas às fls.127/132.

É de se notar, inclusive, que os ditos esclarecimentos da Direção do CIR encontram apoio na circunstancia de o Preso em comente haver sido visitado, por diversas vezes, por advogados, Membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, Repórteres de Rádio e Televisão e, até mesmo, pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sem que qualquer uma dessas autoridades/entidades, tivessem, até o momento, formulado denuncias semelhantes àquelas de fls.127/132.

Lado outro, verifica-se do expediente de fls.141, de lavra do i. Delegado de Policia Federal Chefe da Carceragem da superintendência da PF/DF (DREX/SR/DPF/DF), a solicitação do recolhimento dos extraditando FRANCISCO ANTÔNIO CADENA COLAZZOS e WERNER RYDL naquele estabelecimento, mediante acordo com a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal – SESIPE/DF, a qual se comprometeu disponibilizar outras vagas no Complexo Penitenciário do DF.

Ressalte-se, que em razão da urgência que o caso requer, entrei em contato telefônico com o Dr. Magno Absalão Silva, i. Diretor da SESIPE/DF, o qual concordou com o recebimento de presos da Carceragem da Polícia Federal neste DF (05 – cinco internos), para que aquela instituição, por sua vez pudesse alocar os dois extraditandos mencionados, mediante permuta.

Assim, AUTORIZO que a SESIPE/DF proceda à recondução dos extraditandos FRANCISCO ANTÔNIO CADENA COLAZZOS e WERNER RYDL à Carceragem da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, mediante permuta, conforme já agendado, com as cautelas e comunicações de estilo.

Oficie-se à SESIPE/DF, a fim de que todos os 7.289 presos do Sistema Penitenciário do Distrito Federal recebam tratamento igualitário, nos termos da Lei 7.210/84, sobretudo, quando às saídas para banho de sol; bem como para que não receba presos com entrada expressamente proibida no complexo penitenciário do DF.

Também, encaminhe-se cópia desta Decisum ao i. Delegado de Polícia Chefe da DREX/SR/DPF/DF (fls. 141).

Diante da transferência ora autorizada, remetam-se, com urgência, cópia desta Decisão, bem como o do ofício de fls. 142 ao Exmo. Senhor Ministro GILMAR MENDES, DD. Relator do Processo de Extradição nº 1008-5 (República da Colômbia).

Por fim, após o cumprimento integral das diligências, dê-se vistas destes autos à i. Promotora de Justiça.


Cumpram-se." (fls. 255-257)

Na Petição de nº 55.371/2006 (Ofício nº 1.852/5005 – fl. 206), datada de 02.05.2006, o chefe do NUARQ/CIR, o Agente Penitenciário, Auremar Juvêncio Moura (Matrícula nº 26.445-8), informou o cumprimento da ordem judicial mencionada, nos seguintes termos:

"De ordem do Sr. Diretor Geral do CIR, Dr, MÁRCIO MARQUEZ DE FREITAS, informo a Vossa Excelência que em 07/04/06, conforme solicitação contida no Ofício 11/06/VEC, foi entregue, a fim de ser extraditado, o preso FRANCISO ANTÔNIO CADENA COLLAZOS, filho de Olivério Cadena Bonilla e Ana Maria Colazzos Betancur, conforme determinação desse Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos do processo de Extradição nº 526-1.

Informo, outrossim, que o nominado encontrava-se recolhido neste Estabelecimento Penal provisoriamente, desde 04/11/05." (fl. 260)

Em síntese, o Procurador Regional da República citado no excerto transcrito acima, vislumbrando situação prisional supostamente irregular de extraditando (situação esta, que nem seus próprios advogados, membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, repórteres de rádio e de televisão ou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha jamais vislumbraram até então), resolveu atuar na defesa do extraditando, preso cautelarmente, a pedido, pela imputação do crime de homicídio. O aludido pleito encontrou a absurda acolhida de Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e, o mais grave, de Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal.

Não fosse isso suficiente, o Departamento de Polícia Federal, responsável pela custódia do extraditando, em nome desta Corte, conhece destes fatos – inclusive participando da sua articulação – e nada comunica ao Tribunal.

Conforme se pode constatar, os atos realizados pelas autoridades informantes (Petições nº 52.571/2006 e 55.371/2006) correspondem à indevida e inadmissível afronta à competência constitucional deste Supremo Tribunal Federal – STF, nos termos do art. 102, I, “g”, da CF.

Inicialmente, cabe esclarecer que, em despacho de 24.10.2005 (DJ de 07.11.2005), determinei, verbis:

“Tendo em vista as informações prestadas pelo Ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, por meio da Petição nº 124003/2005 (Aviso nº 2162-MJ), defiro o pedido de transferência do nacional colombiano FRANCISCO ANTONIO CADENA COLAZZOS das dependências da Superintendência Regional de Polícia Federal, no Distrito Federal, para a ala federal do Presídio da Papuda/DF.”

Diante do exposto, nota-se que a autorização determinada pelo Juízo da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal violou ordem judicial expressa de transferência para a ala federal do Presídio da Papuda/DF, a qual, frise-se contou com a ciência e anuência do Ministro de Estado da Justiça.

É curioso observar ainda a manifestação expressa, do próprio Juiz de Direito mencionado, no sentido de que a competência para a apreciação do tema, assim como para o deferimento ou indeferimento de eventuais medidas cautelares incidentais, deveria ser atribuída ao STF:

“… os pleitos aviados pelo i. Procurador Regional da República deveriam, em verdade, serem encaminhados ao Exmo. Ministro do STF, responsável pela relatoria do processo de extradição, não havendo, ainda, como se imputar a este Juízo eventual demora na apreciação do pedido de refúgio perante o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE.

(E prossegue:)

Ressalte-se, que em razão da urgência que o caso requer, entrei em contato telefônico com o Dr. Magno Absalão Silva, i. Diretor da SESIPE/DF, o qual concordou com o recebimento de presos da Carceragem da Polícia Federal neste DF (05 – cinco internos), para que aquela instituição, por sua vez, pudesse alocar os dois extraditandos mencionados, mediante permuta.

Assim, AUTORIZO que a SESIPE/DF proceda à recondução dos extraditandos FRANCISCO ANTÔNIO CADENA COLAZZOS E WERNER RYDL à Carceragem da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, mediante permuta, conforme já agendado, com as cautelas e comunicações de estilo.


Oficie-se à SESIPE/DF, a fim de que todos os 7.289 presos do Sistema Penitenciário do Distrito Federal recebam tratamento igualitário, nos termos da Lei 7.210/84, sobretudo, quanto às saídas para banho de sol; bem como para que não receba presos com entrada expressamente proibida no complexo penitenciário do DF.

Também, encaminhe-se cópia deste Decisum ao i. Delegado de Polícia Chefe da DREX/SR/DPF/DF (fls. 141).

Diante da transferência ora autorizada, remetam-se, com urgência, cópia desta Decisão, bem como do ofício de fls. 142 ao Exmo. Senhor Ministro GILMAR MENDES, DD. Relator do Processo de Extradição nº 1008-5 (República da Colômbia). Por fim, após o cumprimento integral das diligências, dê-se vistas destes autos á i. Promotora de Justiça.

Cumpram-se.” (fls. 256/257)

Com efeito, a Juízo da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal, exercido pelo Juiz de Direito Nelson Ferreira Júnior, ao atuar, de ofício, e ainda no âmbito de procedimento administrativo (Procedimento nº 2005.01.4.101217-4), violou, sobremaneira, as disposições constitucionais pertinentes (CF, art. 102, I, “g”), assim como as normas de organização e procedimento que regem o processo de extradição, tanto na Lei nº 6.815/1980 (arts. 83 e ss.), quanto no Regimento Interno desta Corte Constitucional (RI/STF, arts. 207 a 214).

O tema não comportaria sequer controvérsia jurisprudencial. Destarte, enfatizo o tradicional posicionamento desta Corte na matéria, como, por exemplo, no julgamento da Questão de Ordem na Extradição nº 579/ALEMANHA, Rel. Min. Celso de Mello. Eis o teor da ementa desse julgado:

“EXTRADIÇÃO – CONTROLE JURISDICIONAL – HOMICIDIO COMETIDO NO BRASIL – INSTAURAÇÃO, POR INICIATIVA DAS AUTORIDADES BRASILEIRAS, DA ‘PERSUCUTIO CRIMINAIS’ CONTRA O EXTRADITANDO – HIPÓTESE DE EXTRADIÇÃO VEDADA (LEI N. 6.815-80, ART. 77, V) – INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO EXTRADICIONAL QUANTO AO CRIME DE HOMICIDIO – PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO NO QUE SE REFERE AO DELITO DE ESTELIONATO, EM SUA MODALIDADE TENTADA – PRISÃO DO EXTRADITANDO DECRETADA PELO TRIBUNAL – (…) Nenhum pedido de extradição terá andamento sem que o extraditando seja preso e colocado a disposição do STF. Essa prisão de natureza cautelar destina-se, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição. A decretação da prisão pela Suprema Corte não invalida a custódia cautelar a que já se ache sujeito, por outro motivo, o extraditando, em decorrência de decisão proferida por magistrado inferior. Nessa situação, e ainda que por títulos diversos, o extraditando ficará à disposição do STF e do outro órgão judiciário processante, observada, sempre, a precedência das ordens e deliberações emanadas da Suprema Corte. [EXT (QO) nº 579/ALEMANHA, Pleno, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10.09.1993]

Diante desse cenário de patente desrespeito à autoridade e competência deste Tribunal, deve-se destacar a necessidade de uma atuação compatível com os ditames e princípios de nosso Estado Democrático de Direito.

Ademais, impõe-se a apuração dessa lamentável corrente de afronta a garantia institucionais, perpetrada por agentes manifestamente incompetentes para a prática dos atos adequados para resguardar a autoridade desta Corte e o devido processo extradicional, nos termos das disposições regimentais, legais e constitucionais aplicáveis à espécie.

Nestes termos, determino que o nacional colombiano FRANCISCO ANTONIO CADENA COLAZZOS seja reconduzido, de imediato, às dependências da Ala Federal do Presídio da Papuda/DF. Por conseguinte, declaro sem efeito a indevida autorização judicial proferida pelo Juiz de Direito, Nelson Ferreira Júnior, nos autos do procedimento nº 2005.01.4.101217-4.

Comunique-se, com urgência (telex e ofício), ao Departamento de Polícia Federal e ao Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal.

Encaminhem-se cópias do inteiro teor desta decisão e das Petições nºs 52.571/2006 e 55.371/2006: ao Relator da Extradição nº 975/AUSTRIA, o Ministro Marco Aurélio; ao Ministro de Estado da Justiça; ao Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal de Brasília/DF; ao Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Distrito Federal; ao Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territorial; ao Procurador-Geral da República; ao Corregedor-Geral do Ministério Público Federal; e ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, para que adotem as medidas que o caso requer.

Cumpra-se.

Publique-se.

Brasília, 05 de maio de 2006.

Ministro Gilmar Mendes

Relator

[Texto alterado em 20 de maior de 2008, com correção de informação]

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