Freio no peão

Leia pedido do MP que fez Justiça proibir prova de festa do peão

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9 de maio de 2006, 14h22

As provas Laço ao Bezerro e Laço em Dupla da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (SP) foram proibidas por liminar pela 3ª Vara Cível local. A Justiça acolheu pedido do Ministério Público de São Paulo contra o Clube Os Independentes e a Associação Nacional do Laço ao Bezerro, que organizam o evento.

Segundo o Ministério Público, o clube e a associação se comprometeram a fazer um estudo científico demonstrando como as modalidades podem ser praticadas sem implicar em maus-tratos ou danos aos animais. No entanto, “o único estudo que o Clube apresentou foi procedido por zootecnista, que previu perícia médica para avaliar os impactos clínicos de referidas provas nos animais”, afirmou o promotor de Justiça José Ademir Campos Borges.

Outro promotor, Fernando Célio de Brito Nogueira, destacou que a proteção dos animais é um dos deveres da Justiça. “O tema é imposto pela Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais, e vem sendo de longa data ressaltada por ONGs e entidades protetoras dos animais”, esclareceu.

A decisão da juíza Mônica Senise Ferreira de Camargo diz que as provas estão proibidas até que sejam concluídos os estudos médicos que verificarão se os animais sofrem maus-tratos com as provas.

Leia a petição:

Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Barretos – SP

Distribuição por dependência aos autos do Processo nº 1.553/2003 – 3º Ofício Cível

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por seus Promotores de Justiça ao final assinados, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, e nas disposições da Lei Federal nº 7.347/85, vem respeitosamente perante Vossa Excelência propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR INCIDENTAL, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR, contra o Clube Os Independentes, pessoa jurídica de direito privado, representado por seu Presidente, com sede na Rua 18, esquina da Avenida 23, centro, nesta cidade e comarca, e contra a Associação Nacional do Laço ao Bezerro, pessoa jurídica de direito privado, sediada em São Caetano do Sul – SP, representada em Barretos por seu procurador Henrique Duarte Prata, Diretor da Fundação Pio XII, no bairro Paulo Prata, onde poderá ser localizado, pelos seguintes motivos de fato e de direito:

I RETROSPECTO FÁTICO

1. Em 2003, o Clube se comprometeu a não realizar as provas do laço ao bezerro e do laço em dupla, haja vista a inexistência de estudo científico demonstrando em que parâmetros tais provas poderiam ser realizadas, sem implicar maus-tratos ou danos aos animais, e por haver notícia de que poderiam ocorrer danos. O acordo foi homologado por sentença do Poder Judiciário, pelo Juízo da 3ª Vara Cível (ação principal – autos do processo 1.553/2003).

2. No ano de 2004, pela importância de referidas provas no contexto da festa do peão de Barretos, a Curadoria do Meio Ambiente, o Clube Os Independentes e a Associação do Laço ao Bezerro, tendo em vista ainda resultado de experimento levado a efeito na hípica do clube, no último dia 7 de agosto de 2004, com laudos radiológicos demonstrando que os animais utilizados não sofreram danos, em ambas as provas, de comum acordo, deliberaram rever o ajuste, o que efetivamente ocorreu, nos seguintes termos:

“…a) No ano de 2004, o clube realizará as provas do laço ao bezerro e do laço em dupla, observando, no laço ao bezerro, que os animais deverão ter peso mínimo de 80kg e idade mínima de 7 meses, e no laço em dupla, os animais terão cerca de 200Kg e idade de cerca de 2 anos; serão usadas cordas com elasticidade de 18%, conforme previsto na lei que regulamenta o rodeio;

b) O clube Os Independentes e a Associação do Laço ao Bezerro se comprometem a realizar estudo científico sobre o impacto de referidas provas nos animais nelas utilizados, iniciando referido estudo logo após a festa de 2004, até o final do mês de outubro de 2004, apresentando conclusões sobre critérios mínimos de segurança a serem obedecidos (idade mínima dos animais, peso, regras das provas), até abril de 2005, sob pena de não se realizarem as provas referidas na festa de agosto de 2005 e nas que se seguirem. Referido estudo consistirá em acompanhar os animais que são usados em tais provas até que alcancem a idade de abate, com avaliações físicas, de índole, sangüíneas, hormonais etc, conforme protocolo de estudo a ser oportunamente apresentado.

c) O Ministério Público se reserva o direito de indicar perito médico veterinário devidamente habilitado, cuja nomeação será requerida ao Juízo para a condução de referidos estudos, facultada ao clube Os Independentes a possibilidade de indicar assistente técnico;


d) O Clube Os Independentes arcará com as despesas geradas pela realização de referido estudo, o que inclui viagens do perito, honorários do perito e assistentes, pesquisas, exames laboratoriais, radiológicos e tudo o mais que se fizer necessário.

e) O descumprimento do presente, pela não-realização do estudo, implicará a proibição das provas em 2005 e anos subseqüentes.

f) O descumprimento do presente, pela não-realização do estudo e pela realização das provas, de 2005 em diante, implicará o restabelecimento da multa de 500 salários mínimos, prevista no item 3 do acordo homologado em agosto de 2003, e reverterá em prol da Universidade de São Paulo – Departamento de Medicina Veterinária, para fins de custeio de estudo científico tendo por objeto as provas do laço ao bezerro e do laço em dupla, bem como os animais nelas empregados. Isso, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal dos envolvidos, bem como da possibilidade de propositura de ação própria, pelo Ministério Público, visando proibir tais provas…”

II DO DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO CLUBE E PELA ANLB

Pelo exposto no item anterior, o Clube Os Independentes e a Associação Nacional do Laço ao Bezerro se comprometeram a realizar e custear estudo científico de natureza médica sobre o impacto das provas do laço ao bezerro e do laço em dupla.

O acordo não foi cumprido pelo clube e por referida associação.

Não podemos deixar de mencionar – até mesmo por força do princípio da lealdade processual -, que o Clube apresentou sim um estudo, mas um estudo procedido por zootecnista da Unesp de Jaboticabal, profissional sabidamente mais voltado ao manejo de animais, não necessariamente aos impactos clínicos de referidas provas nos animais nelas empregados.

Ocorre que o acordo, nos moldes em que formulado, previu perícia médica e não perícia por zootecnista.

Esse estudo procedido por zootecnista, de algum modo, serviu para que, em 2005, precariamente, se autorizasse a realização das provas do laço de bezerro e do laço em dupla.

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, zootecnista é o especialista em Zootecnia, termo que tem as seguintes acepções enquanto ciência:

 substantivo feminino

Rubrica: zootecnia.

1 ciência da produção, criação, trato, domesticação ou manejo de animais

1.1 ciência que objetiva o aumento da produtividade e da rentabilidade na criação de animais economicamente úteis [Engloba a pecuária, a piscicultura, a avicultura etc.]

1.1.1 ciência voltada para o aperfeiçoamento genético de animais economicamente úteis.

Percebe-se sem grande esforço que a zootecnia não abrange avaliações e experimentos privativos de médico veterinário, profissional imprescindível ao estudo científico que não se produziu e é indispensável, uma vez que o acordo, nos moldes em que formulado e revisto, previu perícia médica e não perícia por zootecnista.

Nesse sentido, os itens b, parte final, e c ora transcritos:

b) Referido estudo consistirá em acompanhar os animais que são usados em tais provas até que alcancem a idade de abate, com avaliações físicas, de índole, sangüíneas, hormonais etc, conforme protocolo de estudo a ser oportunamente apresentado.

c) O Ministério Público se reserva o direito de indicar perito médico veterinário devidamente habilitado, cuja nomeação será requerida ao Juízo para a condução de referidos estudos, facultada ao clube Os Independentes a possibilidade de indicar assistente técnico.,

E o Ministério Público, conforme previu o acordo, indicou perito médico veterinário da USP, que apresentou inclusive protocolo pericial a ser cumprido, que demandaria vários meses de estudos e experimentos clínicos e laboratoriais e talvez até 2 anos ou mais, e que foi nomeado perito do juízo.

Ocorre que o Clube e a Associação do Laço de Bezerro, instados a procederem ao depósitos da verba de R$ 17.558,00 (os custos globais da perícia, conforme protocolo pericial atualizado), não cumpriram com sua parte no acordado, que previa que elas arcariam com os custos da perícia médica. Pleitearam dilação do prazo por 60 dias desde novembro de 2005 (fls. 243 dos autos supra) e depois silenciaram (fls. 244/245).

O estudo apresentado pelo clube serviu muito mais para viabilizar a suspensão da proibição das provas (que se realizaram de novo em 2004 e 2005) do que propriamente para trazer alguma certeza científica sobre a segurança de realização de referidas provas, sem dano maior aos animais nelas utilizados.

E sem a perícia médica a ser realizada pelo profissional indicado pelo Ministério Público, nomeado perito do Juízo, não há como permitir que tais provas continuem a se realizar, sob pena de violação ao princípio da precaução, um dos princípios básicos do Direito Ambiental, que preconiza essencialmente a não-adoção de determinados procedimentos, enquanto não houver certeza científica de que sua realização não produzirá danos, exigindo ainda que se conheça a extensão desses danos, bem como os meios que devem ser buscados a fim de que sejam tais danos evitados ou minimizados.


E também – ante o descumprimento do acordo homologado por este E. Juízo -, sob pena de descrédito no trabalho do Ministério Público e do Poder Judiciário local, Instituições que têm seus olhos fincados na realidade local, preocupando-se com a Festa do Peão como uma tradição da terra (prova disso foi a revisão do acordo proibitivo celebrado em 2003, para que se permitissem referidas provas em 2004 e 2005), mas que não podem desconsiderar a necessidade de proteção aos animais, imposta pela Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais, e que vem sendo de longa data ressaltada por ONGs e entidades protetoras dos animais (confira-se, nesse sentido, expediente que instrui a presente ação, formado com base em representação formulada por ONG voltada à proteção animais, instruído com devedê que mostra atrocidades praticadas em provas do laço, contra bezerros de tenra idade, frágeis por sua própria condição e humilhados e fragilizados ainda mais pela irracionalidade da brutalidade humana).

III DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

Descumprido o acordo, sem o depósito do valor correspondente aos trabalhos periciais, e sem que haja, agora, tempo hábil para que essa perícia se realize (um estudo médico científico concluído demandaria vários meses ou talvez até 2 anos, acompanhando-se os animais desde o início de sua utilização em tais provas, seu crescimento, os impactos de tais provas nesse crescimento, até que cheguem tais animais à idade de abate; estamos em abril e a festa ocorrerá em 4 meses, em agosto),, de rigor a proibição da realização de referidas provas no ano de 2006, persistindo a proibição até que se produza e se conclua referido estudo médico, às expensas dos interessados na realização de referidas provas, exatamente conforme acordado.

Pelo exposto, presentes o perigo da demora e a aparência de bom direito, haja vista o descumprimento do acordado pelo Clube Os Independentes e pela Associação do Laço de Bezerro, requer o autor a concessão de liminar, determinando-se: a) a proibição imediata de realização das provas do laço ao bezerro e do laço em dupla, persistindo referida proibição até que se realizem e se concluam por inteiro os estudos médicos a serem realizados e conduzidos pelo perito médico veterinário da USP, nomeado perito do juízo, facultada ao clube a indicação de médicos assistentes técnicos para acompanhamento dos trabalhos; b) ao Clube Os Independentes e à Associação Nacional do Laço ao Bezerro que depositem, de imediato, em juízo, importância equivalente a 2 salários mínimos, destinados a cobrir as despesas de viagem do perito judicial nomeado nos autos, que se locomoveu de São Paulo a Barretos, e aqui permaneceu por 2 dias, para estudar os autos e assinar o compromisso de perito em cartório, até agora inutilmente.

Tudo sob pena de multa de 500 salários mínimos, que reverterá em prol da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo, para estudos na natureza do versado na hipótese, caso se realizem as provas se e enquanto não houver a conclusão de referido trabalho pericial.

IV DO PEDIDO DE CITAÇÃO

Requer o autor a citação do Clube Os Independentes, na pessoa de seu Presidente, e da Associação Nacional do Laço de Bezerro, na pessoa de seu representante legal, para os termos da presente ação, sob pena de confissão e revelia.

IV DO PEDIDO FINAL

Requer o autor a procedência da ação, tornando-se definitiva a medida liminar deferida, a fim de que enquanto não tiver sido concluído o estudo científico médico-veterinário previsto no acordo, persista a probição de realização das provas do laço ao bezerro e do laço em dupla na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos.

Requer, ainda, o autor, acolhendo os termos da representação endereçada à Curadoria do Meio Ambiente de Barretos, e com o propósito de ampliar a proteção que deve ser dada aos animais em geral usados no rodeio, principalmente na Capital do Rodeio da América Latina, seja o Clube Os Independentes condenado: a) a manter, em todas as provas em que houver uso de animais, durante a festa do peão, em agosto, e também nas demais épocas do ano, no mínimo 2 médicos veterinários de prontidão, acompanhando referidas provas, para assistir os animais se necessário; b) a providenciar instalações, equipamentos mínimos e ambiente adequado para que tais médicos veterinários possam cumprir com sua função, assistindo animais que eventualmente venham a se ferir nas provas, transportes etc.

Tudo sob pena de multa de 500 salários mínimos, que reverterá em prol da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo, para estudos na natureza do versado na hipótese, caso o clube e a ANLB deixem de adotar uma ou alguma de tais medidas, uma vez instados a concretizá-las.

Requer o autor a produção de todas as provas em direito admitidas, sem exceção, no que se inclui a ouvida de testemunhas, perícias, vistorias etc.

Requer desde já a ouvida do Professor Orisvaldo Tenório de Vasconcelos, da UNESP de Jaboticabal, que durante longos anos acompanhou de perto todas as provas da festa do peão de boiadeiro de Barretos, foi responsável pelo estudo relativo ao uso do sedém nas montarias, e recentemente irrompeu como um dos grandes opositores das provas do laço e do laço em dupla, principalmente pela ausência de estudo científico médico-veterinário a respeito de tais provas e dos danos que podem produzir nos animais.

Tratando-se de ação civil pública cautelar incidental proposta tendo por base a ação principal (o acordo homologado judicialmente perante esta Vara e descumprido), requer o autor seja a presente distribuída por dependência e apensada aos autos do processo acima referido (processo 1.553/2003 – 3ª Vara Cível da Comarca de Barretos).

Requer D.R.A com os documentos inclusos (expediente formado com base em representação endereçada ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e depois à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente), atribuindo à causa o valor de R$ 300,00, correspondentes a um salário mínimo.

Barretos, 4 de abril de 2006.

José Ademir Campos Borges

4º Promotor de Justiça de Barretos

Fernando Célio de Brito Nogueira

5º Promotor de Justiça de Barretos

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