Reforma processual

Leis que modificam processo civil entraram em vigor nesta terça

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9 de maio de 2006, 18h26

Sob aplausos de uns e vaias de outros, entraram em vigor nesta terça-feira (9/5) duas leis da chamada reforma infraconstitucional do Judiciário: a Lei 11.276/05, que cria a Súmula Impeditiva de Recursos, e a Lei 11.277/05, que trata do julgamento de ações repetitivas. As normas foram sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fevereiro.

Pelas novas regras, o juiz de primeira instância, como prevê a Súmula Impeditiva de Recursos, pode rejeitar apelação se sua sentença estiver em conformidade com matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça.

“Esse instrumento é fundamental para racionalizar o sistema processual, impedindo que questões já pacificadas voltem a ser questionadas”, avalia o secretário da reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini. Ele afirma que a Súmula não engessará a atuação dos juízes, que podem optar por adotá-la ou não.

O secretário acredita que com o novo instrumento milhares de ações podem acabar logo na primeira instância, o que contribuirá para desafogar o Judiciário. Segundo Bottini, questões previdenciárias, de consumidor e de Direito Financeiro serão os principais alvos de aplicação da Súmula.

A outra lei, que trata de decisões em processos repetitivos, permite aos juízes — desde que tenham decisão formada de improcedência em relação à determinada causa — extinguir a ação sem a necessidade de ouvir as partes. A medida vale apenas para situações em que a matéria for unicamente de direito, ou seja, que não há questão de fato em discussão.

A lei das ações repetitivas já foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no Supremo Tribunal Federal, em março, pelo Conselho Federal da OAB. No pedido, a OAB alega ofensa aos incisos 35, 54 e 55, do artigo 5º, da Constituição Federal (inciso 35 – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; inciso 54 – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; inciso 55 – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes).

Ofensa à Constituição

O advogado Renato Nery, de Mato Grosso, reconhece que as reformas podem contribuir com a celeridade processual. Mas pondera que as modificações devem respeitar uma série de princípios constitucionais.

Renato Nery — um dos nomes da lista sêxtupla da OAB para vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça destinada à advocacia — lembra que o Código de Processo Civil de 1973 vem sendo sistematicamente alterado por leis pontuais, o que em sua opinião não ajuda a resolver o problema da morosidade da Justiça brasileira. “Nem sempre se leva em conta o sistema em que foi feito o CPC e a morosidade do Judiciário não pode ser atribuída apenas as nossas leis”, afirma o advogado.

Para Nery, o Judiciário não precisa de uma reforma, e sim de uma revolução que nem de longe será feita com alterações pontuais. “É preciso repensar toda a conjuntura do Judiciário, sua forma de pensar, agir e cumprir.”

Em relação aos dois novos instrumentos introduzidos pela reforma infraconstitucional, Nery tem uma grande preocupação. Segundo ele, a Súmula Impeditiva de Recursos ofende o princípio da ampla defesa e é de constitucionalidade questionável. Para ele, há outras formas de se coibir um recurso, com apoio da litigância de má-fé, por exemplo.

Justiça efetiva

Na opinião da presidente da OAB do Distrito Federal, Estefânia Viveiros, a Súmula Impeditiva de Recursos é extremamente pertinente e necessária. Segundo Estefânia, o novo instrumento deverá fortalecer a jurisprudência dos tribunais superiores e trará uma efetiva redução na quantidade de recursos aos tribunais.

Na prática, o instrumento deverá ser utilizado em matérias exclusivamente de direito, principalmente em questões tributárias, previdenciárias e processuais.

“Mas é claro que, se a União fizesse o seu papel, cumprisse as súmulas administrativas e reconhecesse suas obrigações, nós já teríamos uma redução de até 30% no número de recursos aos tribunais”, afirma Estefânia, lembrando que só uma mudança pontual na lei não poderá solucionar a morosidade do Judiciário.

Quanto à lei das ações repetitivas, Estefânia tem o mesmo posicionamento da OAB nacional. Para ela, o instrumento viola o direito à ampla defesa, uma vez que dispensa a defesa do réu.

Reforma processual

Prioridade do governo federal na segunda parte reforma do Judiciário, a reforma processual foi encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional em dezembro de 2004, como parte do Pacto por um Judiciário Mais Rápido e Republicano. O documento, assinado pelos presidentes dos três Poderes, reúne 11 compromissos para tornar a Justiça brasileira mais rápida, racional e democrática.


Das 26 propostas de alteração nos processo civil, penal e trabalhista, cinco já foram transformadas em lei. Além das duas leis que entraram em vigor nesta terça, a primeira lei aprovada — Lei 11.187/05 — em vigor desde janeiro, determina que os agravos só serão julgados no momento da apelação, salvo em casos de possível lesão irreparável.

Dentre as outras duas leis já sancionadas, Pierpaolo Bottini considera a que une as fases de conhecimento e execução dos processos a mais importante. Na prática, a Lei 11.232/05 deixa de exigir que o cidadão ou a empresa tenham de entrar novamente na Justiça para cobrar dívidas já reconhecidas na fase processual em que se discute o mérito do direito. Muitas vezes a fase de execução é mais longa do que a de conhecimento.

Conheça a ADI da OAB contra a Lei 11.277

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, por meio de seu Presidente (doc. 01), ajuizar

ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar,

contra a íntegra da Lei federal 11.277, de 7 de fevereiro de 2006, que “acresce o art. 285-A à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil” (doc. 02), cuja redação é a seguinte:

“Art. 1o Esta Lei acresce o art. 285-A à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.

Art. 2o A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 285-A:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”

Art. 3o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.”

A Lei atacada, introduzindo no Código de Processo Civil, com o artigo 285 – A, a possibilidade de dispensa da apresentação de defesa e a reprodução de sentença em outro feito prolatada (sentença emprestada), está a macular o artigo 5º, caput, com os incisos XXXV, LIV e LV da Constituição Federal; verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

Na administração do aparelho judiciário, juízes dispõem-se em varas diversas, havendo, em algumas, além do titular, um substituto auxiliar.

Muitas vezes, varas permanecem sem titular por longos períodos, havendo sucessivos juízes substitutos que por elas passam em períodos nem sempre longos.

Proferem os juízes, por outro lado, sentenças aos milhares, cuja publicidade restringe-se, de fato, aos litigantes dos feitos nos quais são proferidas, uma vez que, como regra, não são publicadas na íntegra, nem se encontram disponíveis nos meios ordinários de pesquisa de jurisprudência.

A norma atacada permite a utilização de sentença prolatada em outro processo, no mesmo juízo, para dar fim a processo proposto posteriormente. Institui entre nós uma sentença vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau.

Ante a diversidade de juízes e varas, o diploma normativo permite que processos debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo. Quebra, desse modo, o princípio da isonomia.

Atenta, noutra vertente, contra o princípio da segurança jurídica, no que concerne ao procedimento judicial, posto que o processo será normal ou abreviado segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não foram partes naquele feito não existe.


Restringe de forma desarrazoada, sem margem para dúvidas, o diploma legal, o princípio do direito de ação. Em parecer da lavrado jurista Paulo Medina no âmbito do OAB, cuja juntada se faz com a inicial (doc. 03), a limitação a tal garantia constitucional restou perfeitamente delineada nos seguintes termos:

“ADA PELLEGRINI GRINOVER, por seu turno, lembrando que ‘a jurisprudência brasileira tem admitido o poder de regulamentação, pelo legislador ordinário, do princípio constitucional da inafastabilidade do controle judiciário’, adverte, porém, que tal regulamentação deveria confinar-se ‘dentro de limites que lhe impedissem reduzir desarrazoadamente ou aniquilar a garantia constitucional’. No mesmo sentido é a orientação da jurisprudência constitucional alemã e italiana, que, conforme salienta a ilustre professora, ‘tem deduzido, da garantia constitucional do direito de ação e de defesa, princípios e postulados relevantes para o processo; ao legislador – acrescenta – compete regular o exercício do direito de ação e de defesa, de acordo com a estrutura e as exigências de cada procedimento: mas sem limitar a garantia da possibilidade concreta de desenvolver a atividade necessária para obter o pronunciamento do juiz sobre a razão do pedido, em todas as fases processuais.’ Ora, na medida em que se impede a instauração regular do processo, a pretexto de que a questão jurídica suscitada no pedido já recebeu do juízo solução contrária, o que se está estabelecendo, de forma iniludível, é uma desarrazoada restrição ao direito de ação, pela via oblíqua de um expediente que não permite o exame de aspectos peculiares que a causa, porventura, apresente e que, talvez, levassem o juiz a decidir noutro sentido.”

O direito de ação é, pela norma fustigada, limitado, restringido, ante a eliminação que se faz do procedimento normal pela pronta prolação da sentença emprestada. O direito de ação é direito de provocar o surgimento da relação processual triangular (autor-juiz-réu). Afastada tal possibilidade no âmbito de primeiro grau, exsurge sua evidente restrição.

A norma atenta também contra o princípio do contraditório. Mais uma vez o parecer do jurista Paulo Medina merece citação:

“A extinção prematura e precipitada do processo, nas condições admitidas pelo art. 285-A do Código de Processo Civil, sacrifica, ainda, outro princípio constitucional – o princípio do contraditório (Constituição, art. 5º, LV). Segundo esse princípio, em sua acepção hodierna, não basta que às partes se assegure bilateralidade de audiência ou ciência recíproca dos atos que um e outro dos litigantes pratique no curso do procedimento. O contraditório, como acentua JOSÉ LEBRE DE FREITAS, implica, fundamentalmente ‘uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”

Por fim, cabe apontar que a Lei 11.277 macula ainda o devido processo legal. Como bem destacou Paulo Medida ainda em seu parecer anexo, o devido processo é conspurcado, quando o feito tem seu curso abreviado com fundamento em sentença, cuja publicidade é inexistente, que acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do autor, sem as rebater.

“LUIZ GUILHERME MARINONI, advertindo para a circunstância de que o processo jurisdicional ‘deve refletir o Estado Democrático de Direito’, de que é uma espécie de ‘microcosmos’, assevera que a ‘idéia básica do processo deve ser a de garantir aos interessados um participação efetiva no procedimento que vai levar à edição do ato de poder, ou seja, à decisão.’ ‘Participação, porém – acrescenta – , pressupõe informação.’ Por isso, o devido processo legal requer a conjugação dos princípios constitucionais do contraditório, da publicidade e da motivação. ‘Tais princípios – conclui o professor paranaense -, por óbvio, adquirem um roupagem política, querendo dar ênfase à necessidade de uma efetiva participação no processo.’

Ora, não corresponde a esse modelo o processo que dá ao autor a sensação de haver empreendido um vôo cego, quando ajuíza uma ação deduzindo pretensão que o Juízo já estaria deliberado a repetir, com apoio em decisão anterior que a parte ignorava ou a que não pôde ter acesso. Terá faltado, nesse contexto, ao autor, a indispensável informação; negou-se-lhe, ademais, qualquer possibilidade de participação, no sentido de poder influir sobre a sentença e a motivação dessa não refletiu de nenhum modo as alegações expostas na petição inicial.

A norma impugnada, pois, por violar o princípio da igualdade, da segurança, do acesso à Justiça, do contraditório e do devido processo legal há de ser expurgada do ordenamento jurídico pátrio.

Liminar

Impõe-se a concessão de medida liminar para o fim de ser evitada aplicação da norma fustigada, cujo período vacatio legis está por se ultimar em 08 de maio do corrente ano. Não se pode permitir que venha a produzir efeitos norma que irá atingir milhares de processos judiciais, sejam aqueles que venham a ser propostos após seu período de vigência, sejam aqueles que, encontram-se em curso, acabarão por ser abreviados pela aplicação da novel norma processual. Na medida em que o diploma legal impugnado será, com certeza, declarado inconstitucional ao final do julgamento da presente ação, admitir que produza efeitos ensejará, após, a declaração de nulidade de milhares de atos e sentenças judiciais que tenham sido lavrados com apoio na norma fustigada, provocando graves transtornos à administração da Justiça e ainda `a credibilidade do Poder Judiciário. É manifesta pois a conveniência de se conceder liminar, dispensando-se até mesmo a audiência prévia do Congresso Nacional e do Presidente da República.

Pedido

Por todo o exposto, pede o autor seja suspensa liminarmente a íntegra da Lei federal 11.277, de 7 de fevereiro de 2006.

Pede seja declarada, ao final, a inconstitucionalidade da íntegra da Lei federal 11.277, de 7 de fevereiro de 2006.

Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo IV, em Brasília, Distrito Federal.

Requer, outrossim, sejam oficiados o Presidente da República e do Congresso Nacional para prestarem informações no prazo legal.

Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).

Dá à causa o valor de mil reais.

Brasília, 24 de março de 2006.

Roberto Antônio Busato

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Marcelo Mello Martins

OAB DF 6.541

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