Reputação em jogo

Movimento dos Direitos Humanos acusa dirigentes da Febem

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8 de maio de 2006, 7h00

Nesta segunda-feira (8/5), o MNDH — Movimento Nacional de Direitos Humanos divulga documento em que acusa agentes do estado de São Paulo de se articular para macular a imagem de defensores de direitos humanos como responsáveis por desmandos que envolvem a administração da Fundação do Bem-Estar do Menor de São Paulo, a Febem.

Segundo o MNDH, um estudo elaborado pela Conectas Direitos Humanos, uma sindicância da Corregedoria da Febem e três inquéritos policiais buscam associar a defensora de direitos humanos de São Paulo, Conceição Paganele, presidenta da Amar — Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, com as recentes rebeliões na Febem.

“A criminalização de defensores de direitos humanos em São Paulo já vinha sendo anunciada há muito tempo através de declarações e práticas autoritárias, demagógicas e fascistas por parte de autoridades do governo paulista”, diz o MNDH. Porém, prossegue o documento “a armação montada pela presidência e corregedoria da Febem, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, agora ameaçam a integridade moral, física e, possivelmente, até a liberdade de uma das mais destacadas defensoras de direitos humanos do Brasil”.

O assunto já foi discutido com o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. O caso foi encaminhado ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Oscar Vilhena Vieira, diretor da Conectas Direitos Humanos, contatou o advogado e ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, para cuidar da defesa técnica.

Conceição Paganele, presidente fundadora da Amar, vem recebendo destaque no país, em reconhecimento a seu trabalho na defesa dos direitos humanos. A Amar foi constituída em 1998 por um grupo de mães dispostas a combater as sistemáticas violações de direitos humanos a que seus filhos eram submetidos, durante o cumprimento de medida sócio-educativa na Febem.

Em 2001, Conceição recebeu das mãos do presidente Fernando Henrique Cardoso o Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Em 2003 a sua organização foi merecedora da mesma honraria, agora transmitida pelo presidente da República em exercício José Alencar. Seguiram-se ainda os prêmios Betinho, Severo Gomes e Santo Dias, todos pelo seu trabalho de monitoramento e promoção de direitos junto às unidades da Febem, em São Paulo.

O dossiê com as acusações contra os detratores de Conceição Paganele explica assim a autoridades internacionais o que é a Febem. “É um órgão da administração pública do estado de São Paulo, vinculado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, responsável pela execução da medida de internação a adolescentes infratores. Fundada em 1976, seus 30 anos de existência são marcados por graves violações aos direitos humanos dos adolescentes. Tortura, maus tratos e péssimas condições de detenção são ocorrências sistemáticas nas unidades de internação da Febem, que registrou também a morte de 30 adolescentes nos últimos três anos. Relatores especiais da ONU para Tortura (Nigel Rodney, 2000), Independência do Judiciário e Execuções Sumárias (Asma Jahangir, 2003) já visitaram a instituição e condenaram publicamente suas práticas atentatórias aos direitos humanos. A frase que resume a situação da Febem foi emitida pela relatora para Execuções Sumárias: “É um horror”. Organizações de direitos humanos nacionais e internacionais, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, também denunciam constantemente a tortura praticada contra jovens internos”.

Tal descalabro na situação na Febem teve reconhecimento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que nos dias 17 e 30 de novembro de 2005 adotou medidas provisionais ordenando ao Estado Brasileiro “que adote sem demora as medidas necessárias para impedir que os jovens internos sejam submetidos a tratos cruéis, inumanos ou degradantes” e “que investigue os fatos que motivam a adoção das medidas provisórias, com o fim de identificar os responsáveis e impor-lhes as sanções correspondentes, incluindo as administrativas e disciplinares”.

Em janeiro de 2005, Conceição Paganele denunciou a prática de uma tortura coletiva na unidade de internação UI-41 do Complexo Vila Maria da Febem, que acarretou a instauração de processo criminal e prisão de mais de 20 funcionários. A partir desta atuação, ela passou a ser ameaçada, segundo o MNDH. Estas ameaças foram denunciadas ao Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos e à relatora especial das Nações Unidas para Defensores de Direitos Humanos, Hina Jilani. Em virtude desta denúncia, a relatora conversou pessoalmente com Conceição durante sua visita ao Brasil em dezembro de 2005.

Segundo o MNDH, “a partir de novembro de 2005, a presidente da Febem, seu corregedor e o próprio governador de São Paulo, à época, Geraldo Alckmin, ao invés de assumirem as suas responsabilidades legais pela catastrófica situação da Febem, elegeram as organizações não-governamentais e em especial a Amar como inimigos. Transferindo, covardemente a estes, a responsabilidade pelas rebeliões e tumultos recorrentes nas unidades de internação da Febem na capital, que, na realidade, tem sido objeto de mais de uma década de negligência por parte do poder público. Perguntado sobre a situação da Febem, o governador Geraldo Alckmin acusou Conceição, na grande imprensa, de “criar problemas” (Globo Online, 23 de novembro de 2005).

Os líderes de direitos humanos ressaltam que em todas as vistorias realizadas por Conceição Paganele nas unidades da Febem, ela esteve acompanhada representantes de organizações de defesa de direitos humanos, como a Conectas Direitos Humanos, Projeto Fundação Travessia, Comissão Teotônio Vilela, Centro pelo Direito e a Justiça Internacional, Conselho Regional de Psicologia, Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, dentre outras, além de conselheiros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Apesar disto, prosseguem os militantes, “as intimidações governamentais tem recaído apenas sobre Conceição Paganele, talvez por ser ela, em suas próprias palavras: “mulher, negra, moradora da periferia, com baixa escolaridade e baiana”. Logo, um alvo aparentemente mais vulnerável”.

Em 18 de abril de 2006, a Corregedoria da Febem, através do seu corregedor-geral Alexandre Arthur Perroni, encaminhou representação ao 81º Distrito Policial da capital, acusando Conceição Paganele dos crimes de:

§ dano (artigo 163, I e II “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia; I – com violência à pessoa ou grave ameaça; II – com emprego de substância inflamável ou explosiva se o fato não constitui crime mais grave. Pena: Detenção de 1 a 6 meses ou multa);

§ incitação ao crime (art. 286 “Incitar publicamente a prática de crime. Pena: Detenção de 3 a 6 meses ou multa”);

§ formação de quadrilha ou bando (art. 288. “Associarem-se mais de três pessoas em quadrilha ou bando para o fim de cometer crime. Pena: Reclusão de 1 a 3 anos”);

§ facilitação de fuga (art. 351 “Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva. Pena: de 6 meses a 2 anos de detenção”).

O dossiê a ser divulgado nesta segunda-feira (8/5) ressalta que a representação está acompanhada de inúmeros depoimentos de funcionários da Febem, prioritariamente de funcionários das unidades UI-04 e UI-12, esta última objeto de condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Não existem provas, além destes depoimentos e um cartão de visitas, que sustentem a acusação”.

Diante da representação do corregedor-geral da Febem, foi instaurado o Inquérito Policial 141/06 no 81º DP. No dia 12 de maio, Conceição Paganele está intimada a prestar esclarecimentos no referido DP , correndo o risco de ser indiciada pelos crimes acima tipificados”, conforme o dossiê.

Há ainda imputações contra Conceição Paganele em dois outros inquéritos policiais instaurados para apuração das rebeliões datadas de 23 de novembro de 2005 e 4 de abril de 2006.

Em 31 de março de 2006, funcionários da unidade de internação UI-19 lavraram boletim de ocorrência no 81º DP contra Paganele, acusando-a da prática do crime de injúria (art. 140. “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Pena: Detenção de um a seis meses ou multa”).

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