Consultor Jurídico

Escola condenada a indenizar aluno por danos morais

6 de maio de 2006, 14h53

Por Claudio Julio Tognolli

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A juíza Norma Suely Fonseca Quintes, da 8ª Vara Cível da Comarca de Niterói (RJ), condenou a Escola da Luluzina a pagar ao aluno Antônio Pedro Quarterolli Rayol 15 salários mínimos a título de indenização por danos morais e mais o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em 10% dobre o valor da indenização.

O aluno é filho do delegado Antônio Rayol, um dos mais experientes da Polícia Federal, e que ganhou notoriedade há dois anos depois de ter sido afastado de seu posto, porque prendeu o marqueteiro do PT, Duda Mendonça, promovendo rinhas de galo.

O delegado conta que o filho foi constrangido em sala de aula e teve que trocar de escola porque não queria mais ir às aulas. Ele representou criminalmente a coordenadora responsável pelo constrangimento com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.

“A coordenadora responsável pelo constrangimento, que então não tinha nenhuma formação acadêmica para ser coordenadora, mas era filha da dona da escola, foi denunciada pelo MP e a denúncia foi aceita pela Justiça Criminal. Lançou mão da suspensão condicional do processo e submeteu-se a um período de prova de 2 anos.Para que o caso não ficasse impune, recorri à Justiça Cível e a escola foi finalmente condenada”, contou o delegado.

Rayol completou dizendo que vai recorrer ao Tribunal de Justiça “para majoração do valor da indenização por danos morais”.

Leia a decisão

Processo 2001.002.019866-9 – INDENIZATÓRIA

Autor: ANTONIO PEDRO QUARTEROLLI RAYOL

Ré: ESCOLA DA LULUZINHA S/C LTDA.

SENTENÇA

Vistos etc. ANTÔNIO PEDRO QUARTEROLLI RAYOL, menor impúbere, devidamente representado pelos seus genitores, ANTÔNIO CARLOS CARDOSO RAYOL e LÍDIA IZABEL FERREIRA RAYOL, propôs a presente ação em face de ESCOLA DA LULUZINHA S/C LTDA objetivando o recebimento de indenização em valor a ser arbitrado relativamente aos danos morais que lhe foram causados pela ré.

Alega que no dia 18/05/1999, seu colega levou para escola uma coleção de moedas antigas. Ele e outros dois coleguinhas, mantiveram em seu poder três moedas da coleção, o que foi observado pela coordenadora TATIANA. Quando do retorno do recreio, a referida coordenadora compareceu à sala de aula e, diante da entrega de uma das referidas moedas pelo autor, juntamente com pedido de desculpas, procedeu a uma admoestação vexatória em relação a ele, o que lhe causou grande constrangimento.

Sustenta que o ocorrido foi registrado em sede policial, sendo oferecida queixa contra a coordenadora TATIANA, onde tudo foi confirmado pelo depoimento de diversos pais de alunos e alunos, seus colegas. Por fim, a querelada assumiu toda a culpa quanto ao evento ao aceitar a suspensão do processo e a aplicação de medidas penais. Instruem o pedido os docs. de fls. 18/88.

Citada (fls. 92), a ré apresentou contestação (fls. 96/103), onde alega que a coordenadora não agiu de modo a causar qualquer dano ao autor. Ela se dirigiu a todos os alunos presentes, em tom de voz compatível com a situação, ou seja, a de crianças que retornavam do recreio. Sustenta que a conduta do autor foi passível de repreensão e que em instituições de ensino é corriqueiro o acontecido, sendo papel da instituição a utilização da situação concreta para o ensino de valores ético-morais. Afirma, ainda, que não se eximiu de prestar esclarecimentos à mãe do autor, respondendo-lhe a carta por ela enviada. Insurge-se quanto ao parecer psicológico apresentado, uma vez que o autor não foi pessoalmente entrevistado, não sendo, portanto, avaliado psicologicamente. Afirma, ainda, que a transação penal ocorrida em sede de juizado especial criminal não implica em culpa da acusada.

Acompanham a contestação os documentos de fls. 104/141. Réplica às fls. 144/146. Realizada audiência específica foi rejeitada a conciliação proposta (fls. 162). Saneador, irrecorrido, às mesmas folhas, decisão que permaneceu irrecorrida. Às fls. 201/202 o autor, depois de esclarecer a respeito de duas testemunhas, postula a inversão do ônus da prova, o que reitera às fls. 210/211. Às fls. 212 o ilustre juiz em exercício nesta Vara despachou no sentido de se aguardar a realização da audiência para só depois apreciar o pedido de inversão do ônus da prova, decisão da qual foi pedida reconsideração, às fls. 219, que não foi acolhida, conforme fls. 220.

Suspenso o processo por decisão proferida pela ilustre juíza em exercício nesta Vara, às fls. 260, vindo novo pronunciamento do autor às fls. 267/268, se pronunciando a ré às fls. 269/271.

Nova decisão proferida pela ilustre juíza em exercício nesta Vara no sentido de se expedir ofício à Receita Federal para localização da testemunha CRISTINA VIANNA DE PINTO, às fls. 272, contra a qual foi interposto agravo de instrumento por parte da ré (fls. 279/286), recurso ao qual foi negado provimento pela Colenda 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Realizada A.C.I.J., ocasião em que foi colhida prova testemunhal, tendo o autor pugnado pela procedência do pedido e a ré pela sua improcedência, que foi secundada pela ilustre representante do M.P. (fls. 336/343).


RELATEI. DECIDO, POIS.

Inicialmente é de se esclarecer que os depoimentos o foram registrados como de informantes, apesar de a contradita ter sido argüida a destempo (cf. fls. 339 e 340). Trata-se de pedido de indenização por dano moral promovida por menor que teria sido constrangido diante de seus coleguinhas de escola por causa de uma moeda de coleção antiga.

Na hipótese, é induvidoso que o menor sofreu constrangimentos em sala de aula. Não obstante o fato de todos os depoimentos serem analisados como prestados por informantes, a verdade é que o de RITA DE CASSIA, mãe de FELIPE, dono da coleção de moedas antigas, foi bastante claro e elucidativo no sentido de que a situação vivenciada pelo autor não foi das mais agradáveis.

Outrossim, em se tratando de prestadora de serviços educacionais, é de se ter como reprovável a atitude da coordenadora da ré. É evidente que todas as situações concretas, por pior que sejam, hão de ser aproveitadas para que, através do método da dramatização, comum em sala de aula, seja motivo de esclarecimentos e orientações aos alunos.

Este aproveitamento, no entanto, há de se fazer de forma indireta, observada a oportunidade sem, contudo, configurar constrangimento a qualquer dos seus personagens. Por outro lado, não se pode conceber que a situação enfrentada pelo autor não tenha sido objeto de conversas, seja entre a direção da escola e os pais do aluno, seja entre as próprias professoras. Não obstante se tratar de ´acontecimento comum´, conforme assegura a ré, seu papel como figura importante na educação do ser humano exige conversas e esclarecimentos, inclusive, com os pais dos alunos, a fim de se apurar eventual problema com o mesmo. Este, por sinal, o verdadeiro papel do educador, que exige total integração da escola com a família. Aliás, apesar de corriqueiro, conforme entendimento da ré, o acontecimento foi um verdadeiro mistério.

Nenhuma das pessoas inquiridas sabia do fato. Nem mesmo uma das pedagogas da escola dele tomou conhecimento. De causar estranheza, ainda, o fato de a própria pedagoga presente na ocasião em que os fatos ocorreram, nada ter relatado junto à direção da escola. Cumpre destacar, por oportuno, a dificuldade quanto à intimação de uma das informantes relacionadas pelo autor. Apesar das inúmeras tentativas para sua localização, somente depois de vários meses é que se conseguiu intimar a testemunha de nome CRISTINA, para comparecer à audiência de instrução, mesmo assim só depois de se oficiar ao Ministério da Fazenda para que fosse localizado o endereço residencial da mesma, quando a informante integra o corpo docente da ré. Tal atitude da ré, no mínimo, demonstra insensibilidade da direção do estabelecimento de ensino e, mesmo, do seu corpo docente.

Aliás, a diligência determinada pelo juízo para localização de tal testemunha, não obstante arrolada pelo autor integra o corpo docente da ré, foi objeto de agravo de instrumento por parte desta última, o que, mais uma vez, ratifica sua posição de opor resistência injustificada ao andamento do processo e, assim, dificultar seu julgamento. Este fato, na verdade, causa espécie na medida em que a informante trabalha em sucursal da ré localizada na região oceânica da cidade, que é bastante próxima daquela em que está situado o estabelecimento em que os fatos ocorreram. In casu, não haveria rigor excessivo se se considerasse litigância de má-fé da parte.

Não obstante este fato, deixo de condenar a ré por litigância de má-fé ante a inexistência de prejuízo por parte do autor. No caso concreto, não obstante o fato de a ré afirmar que o caso relatado pelo autor não passou de incidente sem maiores conseqüências, na verdade ele sofreu abalo que, à evidência, provocaram sua saída da escola, o mesmo acontecendo com o coleguinha dono da coleção, conforme assegurado às fls. 345. Em decorrência, presente se encontra a obrigação da ré com relação aos danos morais causados ao autor, cabendo-lhe, assim, a responsabilidade de sua satisfação, pois a ré não comprovou a existência de qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme lhe competia fazer nos exatos termos do art. 333, II, do C.P.C.

Resta, assim, apurar o valor adequado a sua satisfação. Para aferir o valor da indenização por dano moral, deve o julgador considerar, entre outros parâmetros, e na medida do possível, certa proporcionalidade com a lesão efetivamente sofrida, e sua extensão, como, por exemplo, a maior ou menor publicidade do fato, além, é claro, das circunstâncias em que estes ocorreram. A fixação do valor da reparação do dano moral, por sua vez, deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, na lição de Wilson Melo e Silva e Aguiar Dias, citados por ANTONIO LINDBERGH C. MONTENEGRO, no livro Ressarcimento de Danos, pág. 130, Ed. Didática e Científica Ltda, 8ª edição, para quem ´o arbitramento é o critério por excelência para indenizar o dano moral´.


A despeito de tudo quanto foi dito, é de usual sabença que para que haja indenização é imprescindível a ocorrência de dano. Segundo o Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, só deve ser reputada dano moral a ´dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas ou duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo´ (in Programa de Responsabilidade Civil, 1ª edição, 2ª tiragem, pág. 76. Nossos, os grifos). Na verdade, não se pode argumentar que a situação enfrentada pelo autor faça parte da normalidade do seu dia a dia.

Aliás, a respeito do que efetivamente configura o dano moral, preleciona o já mencionado Des. SERGIO CAVALIERI FILHO que: ´Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias´. ( …) ´A gravidade do dano – pondera Antunes Varela – há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).

Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado´ (Das Obrigações em Geral, 8ª ed., Coimbra, Almedina, p. 617)´. E a norma do art. 335, do C.P.C., que autoriza a aplicação das máximas de experiência na falta de normas jurídicas particulares, por sua vez, nos autoriza a concluir que o incidente protagonizado pelo autor impõe reconhecer o dever de indenizar por parte da ré em valor capaz de aliviar a angústia que suportou, não obstante a manifestação da ilustre representante do M.P. em sentido contrário.

Por ser assim, julgo P R O C E D E N T E o pedido para condenar ESCOLA DA LULUZINHA S/C LTDA a pagar a ANTÔNIO PEDRO QUARTEROLLI RAYOL a importância correspondente a 15 (quinze) salários mínimos a título de indenização por danos morais. Condeno-a, ainda, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da indenização. Proceda-se à retificação na D.R.A e no sistema do nome do autor – ANTÔNIO PEDRO QUARTEROLLI RAYOL P. R. I.

Niterói, 27 de abril de 2006

NORMA SUELY FONSECA QUINTES

Juíza de Direito titular da 8ª Vara Cível da Comarca de Niterói