Engorda mas não alimenta

Sanduíche com refrigerante e batata frita não é refeição

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5 de maio de 2006, 7h00

Um sanduiche acompanhado de batatas fritas e refigerante não constitui propriamente uma refeição. Tampouco uma lanchonete fast food pode ser confundida com um restaurante. Por isso, a Justiça do Trabalho de São Paulo condenou a rede de lanchonetes McDonald’s a reembolsar um ex-funcionário que recebia um sanduiche todo dia a título de refeição. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A rede terá de indenizar o ex-funcionário com R$ 5 por dia trabalhado na loja.

O funcionário alegou que, em vez de ticket-refeição, a lanchonete oferecia diariamente um refrigerante, um sanduíche e um pacote de batata fritas como refeição.

A ação foi apresentada na 7ª Vara do Trabalho de São Paulo requerendo o pagamento do vale-alimentação, entre outras verbas. A decisão de primeira instância considerou que por pertencer ao ramo de refeições, o Mc Donald’s não tinha a obrigação de fornecer tickets. O empregado recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Na segunda instância, o juiz Ricardo Costa Trigueiros sustentou que “o fornecimento de lanche pelo empregador a seus empregados, não se confunde com a refeição preconizada na norma coletiva, mormente ante o elevado teor calórico e questionável grau nutritivo dos produtos comercializados pela reclamada, conhecida empresa do ramo da alimentação rápida (fast food), a par da notória impropriedade do seu consumo diário”.

Para o relator, “a imposição do consumo diário de simples lanche que não supre as necessidades alimentares do trabalhador (…) pode por em risco a sua saúde”.

Processo 00076.2003.007.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

4ª TURMA PROCESSO TRT/SP NO: 00076200300702000 (20030879846)

RECURSOS: ORDINÁRIOS

RECORRENTES: 1º) MARCOS LUIS DOS SANTOS E SILVA

2º) MC DONALD´S COM. DE ALIMENTOS LTDA.

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 07ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: EMPRESA DE FAST FOOD. LANCHE NÃO EQUIVALE A REFEIÇÃO. NORMA COLETIVA DESCUMPRIDA. TICKET-REFEIÇÃO DEVIDO. O fornecimento de lanche pela conhecida empresa do ramo de fast food a seus empregados não se confunde com a refeição preconizada na norma coletiva, mormente em vista do elevado teor calórico e questionável valor nutritivo dos produtos por ela comercializados, a par da notória impropriedade do seu consumo diário. Desatendidos os fins da norma coletiva da categoria, por maioria, dá-se provimento parcial ao apelo do autor para deferir-lhe os importes relativos aos ticket-refeição, observados os importes previstos nos instrumentos normativos.

VOTO DIVERGENTE

Adoto o relatório do voto do Eminente Juiz Relator originário, nos seguintes termos:

“Da r. sentença de f.215/227, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação e das decisões de embargos de declaração de f. 241/242 e 256, recorrem ambas as partes. O autor às f. 236/239 e da ré às f. 259/282. O autor impugna o não-acolhimento do pedido de “ticket-refeição”e a ré argui preliminar de nulidade e contraria a sentença quanto à multa por embargos declaratórios, horas extras, noturnas e reflexos, ajuda de custo, expedição de ofícios, recolhimentos fiscais e previdenciários e correção monetária.

Depósito recursal f. 283.

Custas processuais f.284.

Contra-razões da ré f.250/255.

Manifestação da Procuradoria do Trabalho f.288.”

VOTO

Acompanho o entendimento do ilustre Relator originário, quanto ao cabimento do apelo e nos tópicos abaixo.

Conheço dos recursos ordinários de ambas as partes, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

RECURSO DO AUTOR

Do Ticket-Refeição

Neste tópico divirjo do ilustre Relator originário.

A questão do ticket-refeição, na situação do reclamante, encontra-se disciplinada na cláusula 8ª da Convenção Coletiva de Trabalho, que dispõe o seguinte:

“As empresas fornecerão refeições nos locais de trabalho podendo descontar de seus empregados, até o limite de 1% (um por cento) do menor piso salarial, como participação. Parágrafo Único. Tratando-se de empresa cuja atividade econômica não compreenda o serviço de refeições, esta fornecerá a seus empregados tickets-refeição no valor unitário de R$5,00 (cinco reais) a razão de um para cada dia de trabalho, sem prejuízo da faculdade legal de desconto permitido pelo PAT, ou outro sistema que venha a ser instituído. Ficam ressalvadas as condições mais favoráveis, aos empregados.” (fls. 32).

Não obstante o contido na referida cláusula, in casu tenho que o fornecimento de lanche pelo empregador a seus empregados, não se confunde com a refeição preconizada na norma coletiva, mormente ante o elevado teor calórico e questionável grau nutritivo dos produtos comercializados pela reclamada, conhecida empresa do ramo da alimentação rápida (fast food), a par da notória impropriedade do seu consumo diário, valendo mencionar a respeito, o sugestivo e premiado documentário Super Size Me, de Morgan Spurlock.


Com efeito, incontáveis pesquisas vêm alertando para os riscos da insidiosa invasão de hábitos alimentares nocivos à saúde, com a elevação do consumo dos lanches rápidos (fast food), notadamente nos grandes centros urbanos em todo o mundo, e que já tem seu contraponto crítico no movimento europeu em sentido contrário, pela defesa do resgate da alimentação saudável, como um momento de prazer e de encontro entre as pessoas (slow food). A ingestão rápida e habitual de gorduras saturadas e alimentos processados, juntamente com o sedentarismo, têm sido os fatores diretos de agravamento dos níveis de colesterol no sangue, da pressão arterial, afecções cardíacas e da nova doença endêmica do mundo moderno: a obesidade, que em alguns países já se converteu na 2º causa de óbitos.

“No país em que o principal projeto do governo federal é o Fome Zero, para atender 46 milhões de pessoas que mal têm o que comer, há pelo menos 70 milhões de brasileiros (40% da população) acima do peso. Um problema que atinge todas as classes e idades. E projeta um futuro preocupante: a sobrecarga do sistema público de saúde com o atendimento das doenças decorrentes da obesidade, como diabete e hipertensão. A obesidade causa, por ano, cerca de 80 mil mortes no País”. (in www.jornalexpress.com.br/notícias/detalhes)

Desse modo, a imposição do empregador, do consumo diário de simples lanche que não supre as necessidades alimentares do trabalhador e cuja ingestão reiterada pode por em risco a sua saúde, certamente não atende os fins da norma coletiva em tela, que de resto, ressalta textualmente a prevalência da condição mais favorável ao empregado.

Nesse contexto, reformo a r. sentença de origem, no particular, para condenar a reclamada ao pagamento do valor diário de R$5,00 (cinco reais), referente ao ticket-refeição, consoante estabelece a cláusula 8ª da CCT anexa.

RECURSO DA RÉ

Da Nulidade

Não há a nulidade alegada, porquanto as matérias alegadas, mesmo que eventualmente não julgadas por inteiro, podem ser apreciadas por este Tribunal. Aplicáveis os artigos 515 “caput” e §1˚, e 516 do CPC. Rejeito.

Da Multa

As disposições do CPC, quanto aos embargos de declaração não deixaram de ser aplicadas, pela edição da Lei 9.957/2000 e a conseqüente introdução na CLT do art. 897-A, visto que o referido artigo nada diz sobre embargos protelatórios. Trata-se de lacuna na lei trabalhista. Aplicável o princípio da subsidiariedade e ante a compatibilidade do dispositivo 538 do CPC, este deve nas situações em que se observar a intenção protelatória, incidir para punir aquele que assim age. Embora a ré não tenha se esmerado em fazer embargos objetivos e claros, e nos termos da lei (f. 231/235), apontou entre os argumentos dos embargos, o fato de não ter o juízo recorrido analisado sua petição de justificativa da não-juntada de controles, o que realmente ocorreu.

Reformo para excluir da r. sentença a condenação em multa por embargos protelatórios.

Das Horas Extras/Das Horas Extras Noturnas/Reflexos

Em relação ao descumprimento da determinação de juntada de cartões de ponto sob pena de aplicação do art. 359 do CPC, outra não poderia ser a decisão, uma vez que o referido dispositivo é claro ao estabelecer que o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar, por meio de documento ou coisa. Claro está que o inciso I impõe uma condição para tal admissão, que o documento não seja exibido no prazo ou que não haja qualquer declaração no mencionado prazo. Ora, a petição de f. 206/207, não pode ser levada em conta de tal declaração, uma vez que há uma simples declaração de extravio de documento, sem qualquer comprovação nos autos.

Portanto, também, não pode ser considerada como omissão justificada, visto que ao se admitir simples declaração como justificativa para a não-apresentação de documentos, importaria em inaplicabilidade do dispositivo citado. É nesse sentido a súmula 338, I, do TST: “É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2˚, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula 338 – Res.121, DJ 21.11.2003).”

No caso dos autos não houve prova em contrário, além do que a ré deixou clara a descrição

Das jornadas trabalhadas pelo autor, afirmando que poderiam ser comprovadas por cartões de ponto (f.77). Assim, a própria ré é que se propôs na prova documental, que terminou por não cumprir. O juízo recorrido fez análise correta e aplicou o direito ao apreciar os períodos não-provados, com base na descrição de horários da peça inicial. Em conseqüência a condenação em horas extras e adicional noturno mostrou-se justa, porque observou o depoimento da testemunha trazida pelo autor (f. 71/72) que confirmou a jornada descrita na inicial, e o que pretendia a ré provar e não provou, através de documento. Quanto a testemunha da ré (Henrique, f.72), informou esta que somente “às vezes coincidia de trabalhar no mesmo horário que o reclamante.”.


Assim, também, em relação ao trabalho noturno e em consequência aos reflexos em domingos e feriados, exceto, como bem analisado, aos meses em que os controles foram juntados. Por tais motivos, mantenho.

Da Ajuda de Custo

Melhor sorte não tem a ré, que afirmou colocar à disposição dos empregados máquina de lavar roupa, em obediência à cláusula normativa que estabelecia ajuda de custo para a conservação do uniforme. A prova testemunhal foi clara: a testemunha do autor (Silvana) “que os funcionários não poderia se utilizar da máquina de lavar roupa existente na loja.” (f. 71/72) e a testemunha da ré (Henrique) asseverou que “o uniforme dos funcionários é lavado na própria residência deles.” (f. 72). A cláusula normativa, por sua vez, determina: “As empresas que não cuidarem, elas próprias da manutenção e lavagem dos uniformes e fardamentos, pagarão aos empregados uma ajuda de custo no valor de R$ 13,10 (treze reais e dez centavos) mensalmente, para tal finalidade.” (f. 25v.). A sentença recorrida acolheu o pedido de ajuda de custo, especificando os períodos das normas coletivas. Mantenho.

Da Expedição de Ofícios

A rigor não há fundamento jurídico para as razões de recurso no que concerne à expedição de ofícios, pois a Justiça pode e deve assim determinar para as providências administrativas cabíveis, em relação às quais terá a ré oportunidade de defender-se perante o órgão competente. Está dentro da competência da Justiça do Trabalho, como de qualquer ramo do judiciário assim agir, como cooperação entre os poderes da República e para o descobrimento da verdade real. Mantenho.

Dos Descontos Previdenciários e Fiscais

Neste ponto dá-se razão em parte à ré. Aplicável a súmula 368 do TST: ” II – É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante do crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei 8.541/92, art. 46 e Provimento da CGJT 01/1996. (ex- OJ 32 – Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 – Inserida em 20.06.2001). III – Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4˚, do Decreto n. 3.048/99 que regulamentou a Lei 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição. ( ex-OJ 32 – Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 – Inserida em 20.06.2001).”

Reformo nesse sentido.

Da Correção Monetária

Dá-se razão à recorrente, uma vez que, embora bem fundamentada a decisão de 1. grau, a época própria para a correção monetária dos créditos trabalhistas, vem traçada no parágrafo 1. do artigo 459 da CLT, de forma clara e inequívoca: ” Quando o pagamento houver sido estipulado por mês deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido.”. Outra regra não há para a correção, uma vez que a contagem da atualização de valores há de ser feita a partir da data que a lei estabelece devido o pagamento.

A jurisprudência é nesse sentido, como se constata pela Orientação Jurisprudencial n. 124 da Seção de Dissídio Individual do C. TST, ora transformada na súmula 381 do TST, pela Resolução129/2005 também determina: “O pagamento dos salários até o 5˚ dia útil do mês subseqüente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1˚. (ex-OJ 124 – Inserida em 20.04.1998).”. Assim, para a atualização do crédito devido, os cálculos deverão ser realizados com a aplicação do índice correspondente ao mês subseqüente ao vencido. Reformo.

Do exposto, conheço dos recursos interpostos pelas partes, rejeito a preliminar de nulidade argüida pela reclamada e no mérito DOU PROVIMENTO PARCIAL a ambos. Ao do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento do valor diário de R$5,00 (cinco reais), referente ao ticket-refeição, consoante estabelece a cláusula 8ª da CCT anexa. Ao da reclamada para excluir da condenação a multa por embargos protelatórios e determinar o recolhimento da correção monetária nos termos da Súmula 381 do C. TST e dos descontos previdenciários e fiscais, nos termos da Súmula nº 368 do C. TST, tudo na forma da fundamentação supra que integra e complementa este dispositivo. No mais, mantenho a decisão de origem.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Relator Designado

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