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Ceará deve disponibilizar leitos suficientes em UTI para bebês

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5 de maio de 2006, 7h00

A União, o estado do Ceará e o município de Fortaleza estão obrigados a disponibilizar leitos de Unidade de Terapia Intensiva neonatal para todos os recém-nascidos que precisem desse tipo de tratamento. A decisão é do juiz federal José Vidal Silva Neto, da 4ª Vara Federal do Ceará. As partes têm seis meses para cumprir a determinação, sob pena de multa. Cabe recurso.

O objetivo é evitar a superlotação e mortes nos hospitais. De acordo com o juiz, isso caracterizaria o chamado perigo de demora, uma das exigências para a concessão de liminar.

A ação foi proposta pela procuradora Nilce Cunha Rodrigues, depois que ela recebeu um ofício de várias maternidades do estado informando que suas UTIs estavam superlotadas, o que colocaria em risco os pacientes internados.

Na ação, pediu, antecipadamente, a disponibilização de leitos de UTI neonatal a todos que necessitassem do serviço, por meio da criação de novos leitos ou da revisão do gerenciamento dos que já existem. O juiz aceitou o pedido e esclareceu que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO: 2004.81.00.022066-9

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: NILCE CUNHA RODRIGUES

REU: UNIAO FEDERAL E OUTROS

PROCURADOR: CLARISSA SAMPAIO SILVA (UNIAO)

4ª. VARA FEDERAL – JOSE VIDAL SILVA NETO

Objetos: 01.04.04.05 – Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos – Saúde – Serviços – Administrativo: REQUER REPOSIÇÃO DE LEITOS DE UTI NEONATAL

Movimento NOVO

Intimação feita em 26/04/2006 17:32 de Decisão – Registro no Sistema Prolatado por JOSE VIDAL SILVA NETO

Texto

DECISÃO. N.º 079/2006

Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, com pedido de antecipação de tutela para o fim de compelir a União Federal, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, a adotar as providências necessárias para disponibilizar leitos de UTI Neonatal a todos os recém-nascidos neste Estado que deles precisem, seja através de uma revisão do gerenciamento de leitos, seja através da criação de novos leitos.

Alega que em 20 de outubro de 2004 recebeu Ofício da Maternidade Escola Assis Chateuabriand dando conta de que a Unidade Neonatal daquela instituição se encontra superlotada, acima de sua capacidade, colocando em risco todos os pacientes ali internados. Na relação de internados, seis deles já estavam além das vagas, não fazendo jus a leito próprio e adequado.

As entidades rés nada fizeram para evitar essa situação de crônico perigo à saúde pública. O descaso seria mais grave quando se considera que existiriam leitos suficientes em outras unidades, em Hospitais como o Hospital Geral Waldemar Alcântara. Por falta de gerenciamento adequado, os gestores do SUS est ão pondo em perigo as crianças que se encontram na superlotada MEAC.

Em fls. 32, foi determinada a ouvida preliminar dos réus em setenta e duas horas antes da apreciação da liminar. Manifestação do Município de Fortaleza em fls. 37-41. A União teceu considerações em fls. 42-45. Já o Estado do Ceará apresentou peça em fls. 47-53.

Em fls. 91, intimação ao Ministério Público Federal para se saber se em 2005 perdurava a ameaça anunciada nos fatos narrados na exordial. Em fls. 92-99, a Ilustre Procuradora da República Dra. Nilce Cunha Rodrigues acrescentou, com base em Relatório de Lotação fornecido pela MEAC, Ofício nº GD/MEAC/UFC nº 265/2005, que “as unidades neonatais operam em condições satisfatórias em relação a equipamentos, pessoal especializado e insumos”, mas “destaca que há a permanente existência de superlotação dos leitos de terapia intensiva neonatal”. Conforme informação da Secretaria de Saúde do Ceará, “o número de leitos revela-se insuficiente a atender a demanda, além de que sequer foi apresentado projeto de atendimento para as situações emergenciais de superlotação, constituídas de cíclicas ocorrências, havendo, inclusive, incremento natural da demanda, com o crescimento vegetativo da população e deslocamento de áreas remotas do interior do Estado do Ceará”.

Ademais, consta que o Convênio cuja cópia se inseriu em fls. 61/63, no qual se firmou o compromisso de ampliação de vagas de UTI entre Estado do Ceará e Município de Fortaleza, vem sendo descumprido, sem se atingir as metas propostas.

Isto seria inclusive denotado pelo Estado do Ceará em fls. 49, pois o Hospital “Gonzaguinha da Barra” transformaria sete leitos de médio risco em UTI neonatal e o Hospital Gonzaguinha de Messejana ofertaria 10 leitos de UTI neonatal.

Conforme ata de audiência juntada aos autos, fls. 61/63, o Município construiu apenas oito leitos neonatais e contratou seis unidades no Hospital Maternidade Angeline, restando um déficit reconhecido de três leitos de UTI. Persistiria o registro de graves ocorrências na Maternidade Escola Assis Chateuabriand- MEAC, pois constantemente repetem-se casos de superlotação e são raros os dias em que a Maternidade Escola não se encontra com sua capacidade esgotada.


O pedido de tutela antecipada foi reformulado para que se obrigue a União a elaborar e executar plano circunstanciado de aumento de leitos de UTI, no número mínimo de dez unidades, no prazo máximo de cento e vinte dias, devendo ser apresentado, a cada trinta dias relatório circunstanciado das providências tomadas; determinar-se ao Município a efetivação integral de suas obrigações no Convênio com o Estado do Ceará, a se observar no prazo máximo de cento e vinte dias, com relatório detalhado de cumprimento a cada trinta dias; por último que se ordene ao Estado do Ceará elaboração e execução de projeto para construção de 16 UTI’s neonatais na macroregião de Sobral e 23 unidades complementares na macroregião do Cariri, havendo registro de que somente sete foram implantadas.

Por conta desses adendos à inicial, foi concedido novo prazo de setenta e duas horas aos réus para se estenderem sobre o pedido de tutela antecipada.

Manifestação da União em fls. 118-121, do Município em fls. 122-125; do Estado do Ceará em fls. 128-132.

FUNDAMENTOS.

Ausente o direito à saúde, é impossível exercer o maior de todos os bens tutelados pela Constituição, que é o direito a uma vida minimamente digna e íntegra. Está-se diante do pressuposto mesmo da existência física e material do homem, cuja presença é necessária para haver o ser humano mesmo, único titular, potencial ou efetivo, de todo e qualquer direito.

A norma do art. 196, da Constituição Federal (A saúde é direito de todos e dever do Estado), integra seu núcleo essencial, que assenta, antes de toda e qualquer norma positiva, na condição e dignidade inata do homem, origem e fim, alfa e omega de todos os ordenamentos jurídicos.

Não há mais falar que, por ser este direito condicionado a políticas sociais e econômicas dos entes federados, em termos extremamente genéricos, trata-se de uma norma meramente programática, sem possibilidade de verdadeira efetivação e que sempre escaparia ao controle jurisdicional.

Realmente descabe ao Judiciário substituir o administrador para traçar as políticas públicas e dispor dos meios financeiros que atenderão aos vários interesses públicos que incumbe ao Executivo satisfazer. No entanto, nenhuma ameaça ou completa violação ao direito da população a um mínimo de saúde assegurado pelo Estado, nas três esferas federativas de competência, há de ser suprimida do alcance da tutela jurisdicional das garantias fundamentais.

O preceito é de máxima efetividade possível, pois consagrador de um direito e garantia fundamental. Não pode a autoridade administrativa esquivar-se de sua cogente observância sob o pretexto de simples dificuldades financeiras ou interesses administrativos secundários. A reserva do possível apenas demarca a extensão em que o direito de saúde tem de ser prestado.

No entanto, limitações orçamentárias não podem ser de modo algum opostas para o efeito de assumir como fato corriqueiro a submissão de pobres recém-nascidos necessitados de UTI a uma humilhante e prolongada situação de negação completa do direito à própria sobrevivência, condenando-os a ser atendidos em maternidade cuja capacidade, condições técnicas e leitos aptos para tanto já estão mais do que esgotados.

Internar uma criança que precisa urgentemente de UTI numa maternidade que não tem mais leitos (MEAC) para atendê-la condignamente importa em sujeitar a sua vida e a de todos que ali se encontram ao grave perigo de um surto incontrolável de infecções.

A Ilustre Diretora Geral da MEAC-UFC, em fls. 107, alerta que “a superlotação gera sobrecarga da equipe, com queda de produtividade, gerando aumento do risco para os pacientes internados, dentre esses riscos, a temida infecção hospitalar, o que leva a nossa Comissão de Infecção Hospitalar a uma vigilância constante para evitar essa ocorrência, tendo em conta que espaço físico e pessoal são dimensionados para a capacidade de vinte e um leitos”.

Destaque-se que essa ameaça já se concretizou uma vez, como narrado em fls. 05, com a mortandade de quarenta e nove recém-nascidos, no recinto desta mesma maternidade. O descaso para com a resolução desse problema, que para mim não encontra evidentemente rival em termos de importância e de transcendência, é completo e incompreensível. Nada se fez para resolvê-lo de uma vez por todas.

Tanto é verdade o asseverado, que o Relatório de Lotação da Unidade Neonatal de 2005, assinada pelo Diretor da Unidade de Neonatologia da MEAC, comprova de forma contundente que, de todos os dias do período janeiro a maio de 2005, em apenas 10 míseros dias a maternidade pôde cuidar do número de pacientes adequado à sua capacidade de atendimento. Nos restantes, recebeu mais recém-nascidos do que lhe era possível e recomendável, às vezes quase o dobro do que era admissível. Atendeu-os apenas para não recusar-lhes ajuda médica e incidir em omissão criminosa.


Mas a tolerância por reiterados anos das autoridades públicas de saúde locais com o atendimento deficiente e improvisado em hospitais sem condições técnicas, que cria outros riscos à saúde da criança que não os que ela já enfrenta, como o de sucumbir a uma infecção, não pode ser tido na verdade como uma conduta respeitosa da Administração ao direito à saúde assegurado na Constituição.

O lapso continuado, quase sem interrupções, de séria superlotação da Maternidade Escola Assis Chateuabriand é prova veemente de que os réus não se desincumbiram do dever constitucional de traçar ou executar, nem ao menos de forma gradual, qualquer planejamento, dispêndio ou execução de política de saúde, seja para amenizar, seja para solucionar, a crônica diferença entre a demanda e a oferta de leitos de UTI neonatal.

Assim, permaneceram indiferentes e não mostraram o menor interesse de impedir que os nossos recém-nascidos morram, ou à míngua de atendimento, ou por conta de previsíveis infecções contraídas em maternidades que estavam na verdade de todo impossibilitadas para lhes prestar os devidos cuidados.

Neste caso, a condescendência duradoura com a inaceitável superlotação da MEAC constitui fato mais do que suficiente para patentear a voluntária violação do direito constitucional à saúde dos recém-nascidos, que têm recusado pelo Estado o número de leitos de UTIs neonatais munidos de condições de atendimento mínimas para enfrentar seu periclitante estado.

Nenhum dos réus apresentou justificativas plausíveis, nem limitações de orçamento, que os impedisse de agir para evitar a possibilidade dessas mortes de recém-nascidos mal amparados. Quanto à responsabilidade das três ordens federativas no cumprimento desse impostergável mister, cito o leading case na matéria no Supremo Tribunal Federal, RE nº 271.286/RS, Relator o Ministro Celso de Mello, DJU de 24/11/2000, p. 101:

“Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organiza ção federativa”.

E continua o lúcido Ministro Relator:

“O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política- que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro ( JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária)- não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as presta ções de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas- preventivas e de recuperaçã o-, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República”.

Suportar que inúmeros recém-nascidos, com o passar dos anos, ingressem em UTIs que não têm leitos ou condições para recebê-los; submetê-los ao risco de morrerem devido a infecções ou precário atendimento; persistir na indiferença, mesmo ante a ocorrência de seguidas mortes; desinteressar-se por completo e recusar o aumento da capacidade a rede de UTIs neonatais integradas ao SUS; todas essas práticas enquadram-se, como mão à luva, no que o Ministro Celso de Mello denominou de deterioração do direito constitucional à saúde em promessa constitucional inconseqüente.

As condutas elencadas e trazidas a conhecimento nesses autos são moeda corrente em todas as instâncias do Poder Público, nos mais diversos rincões desse triste Brasil. Fraudam as justas expectativas depositadas no Poder Público pela coletividade. Substituem, “de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”. Neste passo, limito-me a reproduzir as candentes considerações do Ministro Celso de Mello, para destacar o quanto são apropriadas à espécie.

O Poder Público tem “a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de sa úde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas- preventivas e de recuperação-, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República”.


Insisto em repetir as palavras do renomado Ministro do Supremo Tribunal Federal para acentuar que não são id ôneas nem efetivas para viabilizar e dar concreção ao direito à saúde as políticas públicas que, a despeito de aumentar de um jeito ou outro a oferta de leitos de UTI neonatal, não se preocupem em criar leitos em número nem sequer próximo da demanda constatada em anos sucessivos de atendimento. Não é séria a política que tolera uma superlotação rotineira, de iminente e sério risco à vida dos recém-nascidos, em uma maternidade-escola vinculada a universidade federal, que, na verdade, não tem como escopo fundamental a prestação de serviços á comunidade, e sim, a aprendizagem dos alunos de Medicina.

No mesmo voto, o Ministro Celso de Mello deixa indene de dúvida que nem a reserva do possível é invocável em tais hipóteses: “Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa ( Pet 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República ( art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo- uma vez configurado esse dilema- que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes”.

Incumbe ao Estado-juiz zelar pela efetivação dos direitos fundamentais assegurados na Constituição, não importando que tais direitos se manifestem mediante políticas públicas e sociais reguladas e conduzidas, respectivamente, pelos Poderes Legislativo e Executivo. A tutela jurisdicional não pode desconhecer que existem meios financeiros limitados para o atendimento a mú ltiplos anseios da sociedade e interesses públicos tratados em pé de igualdade na Constituição. No entanto, a proteção à saúde e, mormente, a proteção à saúde e à preservação da vida de crianças recém-nascidas, encontra inesgotável e predominante respaldo na Constitui ção, seja nos princípios fundamentais ( art. 1º, I, dignidade da pessoa humana), seja nos direitos e garantias fundamentais ( art. 5º, caput), espalhando-se em seções reservadas à saúde ( art. 196) e em expressas referências à especial dignidade das crianças e de seu direito à vida e saúde ( art. 227, da Carta Magna).

Pode-se afiançar que os valores constitucionais convergentes na proteção da vida e saúde de recém-nascidos carentes não encontram outro bem também tutelado constitucionalmente que tenha mesma ou igual importância. Nenhum outro fim constitucional legítimo ou limitação de orçamento diminui, suaviza ou relativiza a responsabilidade do Estado, em quaisquer de suas manifestações federativas, de prestar auxílio eficaz para que recém-nascidos carentes, ao precisar de UTI neonatal, dela disponham em condições mínimas de socorro, que não importem em lhes impor outro risco de vida que antes não corriam, decorrente da superlotação e da probabilidade de contraírem infecções ou serem vítimas de erros fatais por parte de médicos estafados pelo excesso de trabalho.

Não existe, portanto, discricionariedade no ponto em relação à conduta dos réus. Ou cumprem o dever constitucional de assistir os recém-nascidos com leitos de UTI suficientes ou não o cumprem e estão a desrespeitar ordem constitucional de interesse transcendente e incontrastável. Neste caso, que é o dos autos, incumbe ao juiz, ante o desprezo pelos direitos constitucionalmente assegurados, compelir o administrador a observá-los efetivamente, tomando as providências para a expansão necessária na sua rede de saúde.

Jogar as crianças em UTIs superlotadas, como a da MEAC, que não têm mínimas condições de recebê-las a contento equivale, para todos os efeitos, a recusar-lhes toda e qualquer assistência devida. A recusa, além de injustificável, por não existir pretexto plausível para não se fazer os gastos mínimos necessários à consecução do equilíbrio entre a oferta e demanda de leitos de UTI neonatal, implica em criar abusivamente o risco de as crianças morrerem de vítimas de infecções ou erros médicos, cuja incidência aumenta consideravelmente em hospitais superlotados. Aflora aqui, não só uma omissão imperdoável do dever constitucional, mas conduta administrativa capaz de causar resultados antitéticos e danosos aos fins constitucionais.

Por fim, parece-me que não há insuficiência de meios financeiros. Os meios, embora em tese existentes, são parcamente empregados na finalidade em questão. O descaso do administrador é tal que se contenta em não alcançar o mínimo resultado dele exigível, que seria ao menos o de assegurar vagas de UTI neonatal para os recém-nascidos que delas precisem. Condescende o agente público em internar crianças em UTIs que não têm leitos ou qualquer possibilidade de acolhê-las, incorrendo positivamente na possibilidade de ocasionar a sua morte por males exclusivamente derivados do precário e ilusório internamento.

Todas estas características dos fatos atraem a atuação obrigatória do juiz para fazer valer os direitos e garantias fundamentais que a constituição previu em favor da assistência da saúde e da vida das crianças, indisponíveis e infensos a alegativas de ordem meramente econômica ou tecnocrática.

O perigo na demora reside na necessidade de evitar que a superlotação tornada rotineira cause mais mortes do que as já ocorridas. À luz do exposto, CONCEDO a tutela antecipada requerida, para o efeito de determinar que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, conjunta ou separadamente, dentro de suas competências, adotem as providências que entenderem pertinentes, seja através da revisão de gerenciamento, seja através da criação de novos leitos, para que em seis meses, a partir da intimação desta decisão, se disponibilizem leitos de UTI neonatal a todos os recém-nascidos que deles necessitem, de modo a impedir de uma vez por todas superlotações graves e rotineiras, como as constatadas na Maternidade-Escola Assis Chateuabriand- MEAC. Indefiro os pedidos feitos pelo Ministério Público Federal em fls. 99, porque reputo que sua concessão representaria, aí sim, indevida ingerê ncia na atividade discricionária e política do administrador. Ao juiz incumbe vincular o Estado aos fins constitucionais, no caso o oferecimento de vagas de UTI neonatal tidas como minimamente necessárias, não dizer como o Estado planejará politicamente e executará administrativamente as medidas bastantes ao atingimento da meta colimada.

Esgotado o prazo de seis meses para adaptação e cumprimento da decisão, fixo a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em desfavor de cada um dos réus por cada dia de internamento de criança em UTI neonatal sem leito vago para tanto, ou por cada dia em que recém-nascido reste sem atendimento por falta de vaga em UTI neonatal no Estado.

Acaso descumprida essa decisão por culpa do Ministro da Saúde, do Secretário Estadual da Saúde ou do Secretário Municipal da Saúde, comino-lhes cumulativamente a multa de R$ 10.000 (dez mil reais) por cada desobediência constatada, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, de caráter administrativo ou penal.

Intimem-se as partes com a máxima urgência para que tomem inteira ciência desta decisão, bem como a cumpram integralmente. Expedientes de estilo.

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