Pauta seletiva

Repercussão Geral vai tirar briga de vizinho do STF

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4 de maio de 2006, 10h38

A Câmara dos Deputados pode colocar em votação já na próxima semana o projeto de lei que regulamenta o instrumento que promete dar solução às grandes demandas de massa, tirando da fila os processos repetitivos do Judiciário. É a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário, muito defendido pela nova presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie. O instrumento prevê que o Supremo só aprecie o Recurso Extraordinário sobre questões constitucionais de impacto na vida nacional.

A presidente do Supremo esteve nesta quarta-feira (3/5), na Câmara dos Deputados pedindo agilização na votação do projeto de lei que regulamenta a utilização da Repercussão Geral. Ellen Gracie também pediu agilidade da votação do projeto que regulamenta a súmula vinculante — que obrigará os juízes de primeiro grau a manter decisões sobre matéria constitucional já consolidada pelo Supremo.

Segundo Ellen Gracie, a regulamentação dos dois institutos fará com que, em curto prazo, as grandes demandas de massa possam ser solucionadas por essa via, aliviando a carga excessiva que representam os processos repetitivos no Judiciário. Os mecanismos da Repercussão Geral e da súmula vinculante foram criados pela Emenda Constitucional 45. Eles estão previstos respectivamente nos artigos 102, inciso III, parágrafo 3º e 103-A da Constituição Federal.

No encontro com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Ellen Gracie entregou moção pública de apoio também à aprovação do projetos de lei do processo judicial virtual e do Plano de Cargos e Salários dos servidores do Judiciário. “Saí com apoio de todas as lideranças e do presidente da Casa para que a tramitação seja a mais rápida possível”, disse a ministra após a audiência.

Caso aprovado na Câmara, sem nenhuma alteração do texto que já foi aprovado no Senado Federal, o projeto que regulamenta a Repercussão Geral seguirá para a sanção do presidente da República.

De acordo com o secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini de certa forma a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário transforma o STF numa Corte constitucional passando o controle difuso de constitucionalidade para os outros tribunais. Segundo o secretário, a idéia da Repercussão Geral é racionalizar o trabalho do Supremo, enxugando as demandas de massa. Conforme explica o secretário, a aplicação da repercussão será estudada com cuidado em cada caso e só terá aplicação se assim decidir mais de quatro ministros do Supremo.

Questões relevantes

Se a regulamentação da repercussão vier de forma calibrada, o instrumento produzirá o efeito que espera a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, de solucionar as demandas de massa. Como afirma José Levi Mello do Amaral Júnior, doutor em Direito do Estado pela USP.

“É muito conveniente que o Supremo Tribunal Federal tenha juízo discricionário sobre o que julga”, afirma Amaral Júnior. Segundo o advogado, a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário já vem tarde. “Está mais do que na hora de o Supremo parar de julgar briga de vizinho e roubo de chinelo havaiana”, argumenta o especialista.

Amaral Júnior lembra que outras cortes em outros países do mundo já utilizam o instrumento, como a Suprema corte norte-americana, com muito êxito. Ele faz a ressalva que no caso dessas cortes, o instrumento é utilizado sem que seja justificado e argumentado, mas no caso da Repercussão Geral o Supremo deixará muito claro suas razões para adotar a medida em determinado caso.

A Repercussão Geral é uma espécie de argüição de relevância. É perfeitamente constitucional, e de maneira alguma impedirá o acesso dos jurisdicionados à Justiça, conforme afirma Amaral Júnior. “O amplo acesso ao Judiciário é feito nas instâncias ordinárias”, explica.

Acesso à Justiça

Contrário ao pensamento de Amaral Júnior está o do presidente nacional da OAB, Roberto Busato, que qualifica o instrumento de antidemocrático. Busato assemelha a Repercussão Geral com a Argüição de Relevância afirmando que esse instituto foi usado durante muitos anos no Supremo e não deu certo por ser considerado altamente restritivo.

“A OAB se posiciona contra o retorno, ainda que dissimulado sob novas denominações, do fracassado instituto da argüição de relevância que, na prática, gerou a inexistência da própria prestação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal”, disse ele. “Trata-se da solução de matar o doente, ao invés de acabar com a doença. Em 1977, foi editado o chamado “Pacote de Abril”, e no bojo da reformulação constitucional, foi criado esse instituto que, com o tempo, se mostrou ineficiente e centralizador”.

Para Busato, na prática, a argüição de relevância simplesmente impediu o acesso dos jurisdicionados ao Supremo. Segundo Busato, foi a restrição causada pela argüição de relevância que levou o constituinte de 1988 a criar o Superior Tribunal de Justiça, para julgar os recursos onde se pretende demonstrar violência à lei federal.

Segundo Pierpaolo Bottini, a Repercussão Geral não viola o duplo grau de jurisdição e tão pouco impede o acesso à Justiça.

Conheça o Projeto de Lei

Acrescenta à Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, dispositivos que regulamentam o art. 102, § 3º, da Constituição Federal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 543-A e 543-B:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do Recurso Extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer Repercussão Geral, nos termos deste artigo.

§ 1º Para efeito da Repercussão Geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da Repercussão Geral.

§ 3º Haverá Repercussão Geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4º Se a Turma decidir pela existência da Repercussão Geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5º Negada a existência da Repercussão Geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da Repercussão Geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7º A Súmula da decisão sobre a Repercussão Geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”

“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da Repercussão Geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2º Negada a existência de Repercussão Geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. Julgado o mérito do Recurso Extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 3º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da Repercussão Geral.”

Art. 2º Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei.

Art. 3º Aplica-se esta Lei aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.

Senado Federal, em de fevereiro de 2006.

Senador Renan Calheiros

Presidente do Senado Federal

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