O gás é deles

Se falhar a negociação, saída para Petrobras é a arbitragem

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2 de maio de 2006, 19h30

Se o caminho da negociação não levar a uma solução para a crise entre Brasil e Bolívia provocada pela nacionalização da produção de gás boliviana, a saída para a Petrobras pode ser a arbitragem. Diante do impasse, a empresa brasileira poderia recorrer a um tribunal arbitral internacional para buscar o ressarcimento do investimento de mais de US$ 1 bilhão feito no país vizinho.

É remota a possibilidade de revogar pela via judicial o decreto do presidente Evo Morales que nacionalizou o gás e o petróleo do país. Eduardo Felipe Matias, doutor em Direito Internacional e sócio do L.O. Baptista Advogados, diz que, em princípio, não dá para se falar em ilegalidade do decreto. “O Estado soberano tem o poder de emitir leis”, explica o advogado. Por isso, se o decreto não for de encontro à Constituição boliviana, a Justiça não o suspenderá.

Fechada a porta judicial, restaria o encaminhamento da questão para a via da arbitragem, importante ferramenta de solução de conflitos internacionais e de proteção do investidor estrangeiro. Para ser aplicado, o dispositivo teria de estar previsto em cláusula do contrato que a Petrobrás assinou com a Bolívia ou ser expressamente aceito pelas duas partes em litígio.

A cláusula de arbitragem consta dos melhores modelos de contratos, mas a assessoria de imprensa da Petrobras não soube confirmar se ela existe no contrato da empresa na Bolívia. O próprio presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, no entanto, cogitou a possibilidade de recorrer aos tribunais internacionais de arbitragem.

Na corte de arbitragem poderiam ser discutidos tanto os termos de aplicação do contrato existente diante da nova situação criada pelo decreto de nacionalização, como os direitos dos acionistas da empresa. “Os investidores podem buscar o ressarcimento do dinheiro investido na produção brasileira de gás na Bolívia. Podem até buscar uma indenização pelos lucros cessantes”, explica Matias.

Em caso de arbitragem, a resolução do conflito ainda tem de ser recepcionada pelo Judiciário dos dois países, conforme explica a advogada Tatiana de Oliveira Gonçalves, assessora jurídica da Câmara de Arbitragem Empresarial — Brasil. “De forma geral, as decisões dos juízos arbitrais e da Justiça se harmonizam.”

O problema, alerta, pode surgir se o Judiciário boliviano não recepcionar a sentença arbitral. Mas, segundo a advogada, são raríssimos os casos em que a decisão arbitral é afastada. “Isso só acontece quando há desrespeito ao devido processo legal ou ameaça à ordem pública.” No caso de uma recusa sem que estejam presentes esses dois quesitos, o sinal de insegurança jurídica contaminará ainda mais o mercado internacional e afugentará investidores.

Caminho da Justiça

Sem a cláusula de arbitragem, as opções da Petrobras ficam extremamente limitadas. Especialistas cogitam a possibilidade de o país apelar para a OMC — Organização Mundial do Comércio, mas o advogado Eduardo Felipe Matias descarta essa possibilidade. “Existe um centro ligado ao Banco Mundial, o Cirdi — Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimento [estabelecido pela Convenção de Washington], que pode ser uma alternativa para o Brasil.” Isso é possível porque a Bolívia é signatária do Cirdi.

Em último caso, resta à Petrobras recorrer ao Judiciário boliviano, alternativa que deve amedrontar ainda mais os investidores da empresa. E, a partir daí, torcer para que Evo Morales se sensibilize dos prejuízos financeiros que a instabilidade jurídica pode provocar a seu país.

Direito do consumidor

Além dos milhares de investidores da Petrobras, quem pode se prejudicar com a decisão unilateral da Bolívia é o consumidor. Mais da metade do gás consumido no Brasil é produzido na Bolívia e nos últimos anos a Petrobrás estimulou o consumo do gás. Campanhas de publicidade foram feitas para convencer os motoristas das vantagens do GNV — gás natural veicular como combustível de automóvel.

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, descartou a possibilidade de racionamento do gás, mas uma coisa é certa: qualquer que seja o desfecho da crise, o preço do gás deverá subir. Ao consumidor que acreditou nas vantagens do GNV – Gás Natural Veicular propaladas pela Petrobras, e gastou para converter o sistema de combustível de seu carro, restará apenas pagar a conta.

Como explica o advogado Eduardo Felipe Matias, não existe uma corte internacional de defesa do consumidor. Buscar ressarcimento junto à Petrobras será inócuo, já que a empresa também foi surpreendida por uma situação fora do seu controle. “Em caso de ação de consumidor na Justiça brasileira, a Petrobras deve alegar motivo de força maior.”

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