Suzane na prisão

Opinião pública, esta prostituta que puxa o juiz pela manga

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30 de junho de 2006, 11h51

“Opinião pública, esta prostituta que puxa o juiz pela manga”. A frase acima é de Moro-Giaferri, grande advogado francês. Vemos que o STJ tornou-se refém desta prostituta, como nunca antes em sua história, ao reconduzir Suzane Richthofen à prisão.

Pergunta-se: entre a liberdade provisória ou relaxamento de prisão (não sei qual foi a figura técnica exata) e a prisão preventiva houve algum fato novo, que ensejasse, nos ditames da lei, a decretação desta? Não. Suzane simplesmente exerceu um direito de ampla defesa, na qual se encerra o direito de mentir e traçar estratégias com vista à natural e humana aspiração de liberdade, somente reprovado nos estados totalitários e autoritários.

No corolário da ampla defesa se encontra o sigilo das comunicações com o advogado, direito seu que foi vilmente violado pela hidra das comunicações, a Rede Globo, a qual, vendo o seu disparate naufragar, com o novo relaxamento de prisão, desmoralizada, não teve outro remédio senão continuar a carga, e eis aí que o STJ, no julgamento de mérito do HC, se inclina indignamente ante a opinião pública.

Logo no começo do episódio deu-se a mais curiosa figura já insculpida por um magistrado num processo penal, a saber, a expressão “panorama processual”, cujo conteúdo esotérico é algo a ser garantido, na opinião do magistrado, com a prisão preventiva. Sim, disse o magistrado que Suzane alterava o panorama processual. Até agora não consegui, como atualizador de uma enciclopédia jurídica, divisar qual é, dentro da sombra do enigma, o significado disto, salvo que é “eufemismo para coisa alguma”.

“Panorama processual alterado para justificar a prisão preventiva” é fórmula das mais sofismáticas, muito própria do nosso “direito judiciário” (aquele direito que não está em lugar algum nem nos andaimes da lógica, mas que irrompe como golpe mágico da cabeça dos juízes para a alicerçar até mesmo “a anti-matéria nos direitos reais”, se necessário for…e talvez muito mais, porque joga a ciência jurídica no buraco negro..).

Desafio o referido magistrado a definir o que é “panorama processual” vulnerável pelo exercício da livre expressão do réu quando externa a sua versão dos fatos, merecendo ser preservado desta vulneração com a prisão preventiva. A ConJur poderia entrevistar o magistrado para que ele nos defina o que é, com todo rigor que a ciência jurídica exige.

É claro, não faltam, nesse imbróglio, os incautos e as indumentárias de todos os tipos, com suas opiniões lastimáveis e lastimantes. Há desde aqueles com alguma formação jurídica que dão prova de não entenderem nada da ciência que estudaram, como aqueles “achistas de algibeira”, que coincidem com os primeiros na sua total falta de articulação de conceitos e pensamentos,o que os faz presa de verdadeira trapalhada. Confundem a defesa das instituições e do devido processo legal e as garantias a este inerentes com a defesa da prática delituosa, confundem a defesa do criminoso com a defesa do crime. Atacam advogados, condenariam não só o corpo, mas até alma do acusado, por muito pouco, apenas pelo que lêem nos jornais, etc., etc., etc..

Estas pessoas que assim fazem, muito rapidamente transformam-se quando por qualquer motivo o Estado desaba sobre elas..aí correrão para um advogado e se indignarão, se for o caso, se algum juiz mandar puxar-lhes o pescoço para dentro de uma cela sem o respeito por seus direitos e recordar-se-ão do valor do devido processo legal. Sim, na posição de réu ou investigado, até os Prudentes e os Santos tornam-se entusiásticos legalistas que clamam por qualquer brecha na legislação que os salve de uma cadeia brasileira, e fogem como o diabo da cruz se encontram um advogado moralista que lhes recusa a mentira em sua defesa. Hipocrisia tem hora, senhores, e esta hora começa às 20:30, quando passa o “Jornal Nacional.”

O pior de tudo é que os jurados já foram, com todo este estardalhaço midiático, viciados, mergulhando o julgamento numa pantomima de cartas marcadas, a configurar nítida nulidade. Só o tempo e o silêncio restaurariam a justiça de um julgamento como este, depois da insanidade processual e populista que se armou nele ou em torno dele. Nos faz recordar muito o espetáculo público que eram as execuções nos séculos passados.

Por falar em séculos passados, recordemos que durante a Inquisição concebia-se que o juiz desempenhava uma luta contra o diabo, pois o réu nada mais era que um possuído por Satanás. Não obstante, assim mesmo, determinava o regulamento do Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal: “Quando o Procurador eleito pelo réu quiser estar com ele para o instruir e informar sobre a defesa da sua causa, será prontamente conduzido por qualquer Oficial do Santo Ofício ao lugar onde o réu se acha e aí os deixará a ambos em liberdade o mesmo oficial, pondo-se em distância tal que não possa ouvi-los; e, acabada a prática, acompanhará o dito Procurador até a porta por onde entrou; e o mesmo se observará em todas as mais ocasiões que os Procuradores quiserem ter práticas com os réus sobre os pontos e artigos de sua defesa” (título 6º, nº 3, do Regimento de 1774).

Aqui no Brasil do século XXI ainda não chegamos, todavia, a tal evolução jurídica que a Inquisição tinha em Portugal, pois, os juízes: a) determinam a escuta telefônica ou violação de correspondência entre cliente e advogado por e-mail para decretar a prisão; b) permitem que se invadam escritórios; c) decretam a prisão preventiva com base em fato que constitui violação das prerrogativas de advogados por uma emissora televisiva. Enfim, Satanás, vulgo Diabo, na Inquisição tinha seu direito de defesa mais respeitado do que o acusado no processo penal brasileiro.

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