Assinatura básica

STJ pode colocar caso da assinatura básica na Justiça Federal

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29 de junho de 2006, 21h47

Se o valor da assinatura básica de telefone cobrado está dentro do limite permitido pela Anatel — Agência Nacional de Telecomunicações, a operadora de telefone não está descumprindo contrato com esta, apenas obedecendo a suas regras. Por isso, em eventual processo contestando a tarifa, a Anatel também tem de figurar na parte passiva.

O entendimento foi defendido pela ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, nesta quarta-feira (28/7). Ela é a relatora da 1ª Seção de um Recurso Especial em que a Brasil Telecom pede para que a Anatel entre como litisconsorte em processo que discute a cobrança da tarifa básica. Por enquanto, apenas a relatora e o ministro João Otávio de Noronha votaram, os dois no mesmo sentido. Se o entendimento deles prevalecer, mais de 100 mil ações em todo o país devem ser concentradas na Justiça Federal.

Isso porque, com a Anatel como parte, a competência é da Justiça Federal, e não da Estadual. Por enquanto, ainda não há jurisprudência sobre o assunto. A questão foi enviada à 1ª Seção justamente por terem decisões contraditórios no tribunal. A questão no STJ deve ser retomada só em agosto, já que o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Albino Zavascki e, em julho, o tribunal fica em recesso.

Dono das regras

Para a ministra Eliana Calmon, está claro, em leis, portarias e decretos, qual a competência da Anatel em relação às operadores de telefonia fixa. Sempre que as regras fixadas pela agência forem desrespeitadas, esta não é legítima para figurar no pólo passivo, a não ser que seja acusada de se omitir no dever de fiscalizar.

Mas, quando a operadora age de acordo com as normas da Anatel, o consumidor que se sentir lesado pode entrar com ação e, nesta, tanto a Anatel como a operadora de telefone devem figurar no pólo passivo. “Nessas circunstâncias, a dispensa da Anatel é completamente ilógica e ilegal, por ignorar inteiramente os dispositivos constantes da lei de concessão e seus regulamentos.”

Leia a íntegra do voto da relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 821.605 – RS (2006/0037892-1)

RECORRENTE : BRASIL TELECOM S/A

ADVOGADO : DARIO PEDRO WILGES E OUTROS

RECORRIDO : IVANIA ARCARI

ADVOGADO : MÁRCIO FIGUEIREDO E OUTRO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: — Trata-se de recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado:

AGRAVO INTERNO. TARIFA BÁSICA MENSAL. BRASIL TELECOM. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. ANATEL. INVIABILIDADE. SUSPENSÃO DO FEITO EM FACE DA TRAMITAÇÃO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA PERANTE O STJ.

Descabido o pleito de suspensão do feito em face da tramitação do Conflito de Competência 47.731/DF, perante o STJ. Já houve decisão acerca daquele processo. Inclusive, por meio do site do Superior Tribunal de Justiça, pode-se observar que o Conflito de Competência sequer restou conhecido.

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CPC, ART. 47. CONCESSIONÁRIA E AGÊNCIA REGULADORA. INVIABILIDADE.

A inclusão da ANATEL no pólo passivo da demanda, como litisconsorte, somente seria cabível se a irresignação da parte dissesse com os termos do regulamento por ela editado. Como no caso dos autos se está diante de um conflito originado na relação havida entre a empresa concessionária e o consumidor, sem que esteja presente ou em discussão qualquer interesse da ANATEL, não estão preenchidos os requisitos essenciais à caracterização do litisconsórcio necessário, arrolados no art. 47 do CPC. Não há falar, portanto, em competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, pois afastada a incidência do inciso I do art. 109 da Constituição da República.

AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

(fls. 121)

A recorrente pede, preliminarmente, a suspensão do feito até o desfecho do julgamento do CC 47.731/DF.

Afirma que o julgado negou vigência aos arts. 19, 93, 103, 105 e 109 da Lei 9.472/97, sustentando que à Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL foi transferida a competência para adotar as medidas necessárias ao atendimento do interesse público e o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, detendo a autarquia, na qualidade de longa manu da União, a competência administrativa e legislativa acerca dos serviços de telecomunicação.

Entende que existe por parte da ANATEL não somente interesse, mas efetiva e concreta responsabilidade no que diz respeito à estipulação da contraprestação a ser percebida pelas empresas concessionárias em correspondência à prestação do serviço público de telefonia fixa.

Em reforço à tese defendida, menciona as observações contidas na “Exposição de motivos do Ministério das Comunicações que versa sobre a nova organização dos serviços de telecomunicações, sobre a criação de um órgão regulador”, verbis:


Dando competência à Agência para determinar os itens tarifários aplicáveis a cada modalidade de serviço, o Projeto (art. 99) estabelece as regras para a fixação das tarifas máximas ou para sua submissão ao regime de liberdade vigiada, conforme o caso, sem descuidar da vinculação ao instrumento contratual e da proteção aos interesses do usuário.

Na prática, ao atribuir ao órgão regulador a responsabilidade sobre a fixação, reajuste, revisão e acompanhamento de tarifas dos serviços prestados no regime público, o Projeto dá à Agência condição fundamental para defender a competição – privilegiando, por um lado, os interesses dos usuários, que não estarão submetidos a tarifas injustas e, por outro, impedindo o abuso do poder econômico pelo operador dominante, que tenderia a dificultar o ingresso e o desenvolvimento de novos prestadores do serviço – e para criar um ambiente atrativo para o investimento de capitais privados – ao assegurar a normalidade regulatória e o respeito aos compromissos contratuais assumidos com os concessionários.

Alega que “a estipulação, regulação e fiscalização da cobrança das tarifas no setor de telecomunicações, em se tratando de serviço submetido ao regime público, deve ser vislumbrada e analisada, não como reflexos de um livre mercado, mas sim como questão inerente às políticas públicas, como forma de se assegurar os anseios coletivos à adequada prestação do serviço, de forma contínua e ininterrupta, bem assim o alcance das metas de universalização da prestação do serviço, sendo certo que tais interesses constituem os pilares da Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, que permitiu a exploração do serviço em questão por meio de contratos de concessão”.

Sustenta que, na sistemática anterior à Constituição Federal de 1988, a prestação de serviço era feito pela própria União, em regime público, sendo permitida a exploração por empresas privadas, mas, a partir da EC 08/1995, que permitiu a concessão da exploração do serviço de telefonia fixa, o Estado absteve-se de prestar diretamente o serviço, optando pela privatização, porém passou a intervir incisivamente no âmbito da esfera regulatória e normativa.

Aduz que a questão tarifária, no que pertine à exploração do serviço de telefonia fixa, muito além do que mera contraprestação a um serviço prestado em uma relação de consumo estabelecida entre a empresa concessionária e o consumidor, refere-se a política pública, envolvendo interesses coletivos de natureza mais ampla (os quais a ANATEL tem a incumbência de tutelar, por meio, inclusive, da tarifa estipulada) do que situações de cunho mercadológico que levam a empresa concessionária a adotar um outro valor.

Informa que a ANATEL editou a Resolução 85/1998, que aprovou o Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado, o qual estabelece que o valor, a forma de medição e os critérios para cobrança dos serviços prestados seriam estabelecidos no Plano de Serviço, parte integrante do contrato de concessão.

Finalmente, invocando o julgamento dos REsp’s 572.906/RS e 573.475/RS e do CC 39.590/RJ, pede a reforma do julgado.

Após as contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.

Relatei.

RECURSO ESPECIAL Nº 821.605 – RS (2006/0037892-1)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE : BRASIL TELECOM S/A

ADVOGADO : DARIO PEDRO WILGES E OUTROS

RECORRIDO : IVANIA ARCARI

ADVOGADO : MÁRCIO FIGUEIREDO E OUTRO

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): — Indefiro o pedido de suspensão do feito porque já concluído o julgamento do CC 47.731/DF.

Entendo implicitamente prequestionados os dispositivos elencados no especial, estando presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Na origem, temos ação proposta por usuária dos serviços de telefonia fixa contra a concessionária BRASIL TELECOM S/A, a qual se insurge contra a cobrança de assinatura básica mensal, ao tempo em que questiona a não-utilização de instrumento de medição dos “pulsos excedentes”, bem como a falta de especificação da data, horário, duração das ligações locais, números dos telefones chamados e valor devido nas contas telefônicas, tendo sido formulados os seguintes pedidos:

a) condenação da ré à obrigação de não mais cobrar os valores referentes à assinatura mensal de telefonia, denominada “assinatura mensal”, para que a titular da linha telefônica somente pague pelo que efetivamente consumir, sob pena de pagamento de multa por fatura expedida ou cobrança exigida em desconformidade com a decisão;

b) após a instalação de aparelho de medição, discriminação detalhada, pela ré, nas faturas mensais, de modo claro e inteligível ao consumidor, de todas as chamadas telefônicas locais e pulsos locais cobrados, especificando quantidade, características, composição e preço, também sob pena de multa diária pelo descumprimento; e


c) repetição em dobro dos valores indevidamente pagos desde a privatização da Companhia de Telecomunicações.

Em síntese, traz a autora como causa de pedir os seguintes argumentos de fato e de direito:

1) mensalmente, lhe é cobrado o valor aproximado de R$ 34,00, a título de “assinatura básica mensal”, com direito a uma franquia de 100 (cem) pulsos locais mensais, além de valores referentes a “pulsos excedentes”;

2) o “excedente” mensal é contado pela ré através de regras complicadas, sem a utilização de instrumentos de medição junto ao aparelho telefônico, o que impossibilita a verificação de que está sendo respeitada ou não a regra da franquia dos 100 (cem) pulsos mensais;

3) a Lei 9.472/97 não autoriza a cobrança de assinatura telefônica, mas tão-somente dos chamados “pulsos telefônicos”, ou seja, a tarifa deve corresponder exatamente ao consumo (ligações efetuadas);

4) não se justifica o recebimento pela ré da “franquia mensal de pulsos” quando não utilizada, por contrariar o Código de Defesa do Consumidor.

A discussão ensejadora do recurso especial em exame é eminentemente processual e diz respeito à recusa das instâncias ordinárias em deferir o pedido da ré, empresa concessionária do serviço de telefonia, de chamamento da ANATEL para com ela formar litisconsórcio. Não houve exame do mérito e para afastar a ANATEL da lide o TJ/RS considerou que:

a) a pretensão da autora fundamenta-se exatamente no fato de que a BRASIL TELECOM não obedece às regulamentações da ANATEL, utilizando-se de dois métodos distintos de tarifação autorizados pela agência reguladora, cumulativamente;

b) a lide não se refere à irregularidade na atividade regulamentar da ANATEL, tal como disciplina a Lei 9.472/97;

c) a inclusão da ANATEL no pólo passivo somente seria cabível se a irresignação da parte autora dissesse respeito aos termos do regulamento por ela editado;

d) como o conflito originou-se da relação havida entre a concessionária e o consumidor, não está presente ou em discussão interesse da ANATEL e, por isso, não há que se falar em litisconsórcio passivo necessário.

Questiona-se, pois:

– é possível interpretar um contrato de prestação de serviços (firmado entre o consumidor e a concessionária) sem cotejá-lo com o contrato de concessão firmado entre a ANATEL e a concessionária?

– é possível decidir pela legalidade da cobrança da assinatura básica sem que passe tal resposta pelo crivo do órgão normatizador e fiscalizador das regras que envolvem a avença?

A jurisprudência desta Corte apresenta divergências, notando-se que, a princípio, era aceito o litisconsórcio da empresa de telefonia, concessionária do serviço, com a ANATEL, empresa reguladora incumbida de disciplinar, normatizar e fiscalizar as concessionárias.

Alinho nessa oportunidade precedentes da Primeira Turma no sentido da aceitação do litisconsórcio:

COBRANÇA DE TARIFA INTERURBANA PELA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA, ANATEL. LEGITIMIDADE – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL.

(…)

4. A Constituição Federal, em seu art. 21, inc XI, dispõe: Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre as organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. Regulamentando o dispositivo constitucional supramencionado, foi publicada a Lei nº 9.472, de 1987 que, ao dispor sobre os serviços de telecomunicações, enfatizou o fortalecimento do papel regulador do Estado e o respeito aos direitos dos usuários, in verbis: Art. 19. À Agência Nacional de Telecomunicações compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

5. Dissentindo do voto do e. Ministro Relator, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial para reconhecer a legitimidade passiva da ANATEL e, consequentemente, a competência da Justiça Federal para julgar a ação civil pública”.

(REsp 573475/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08.06.2004, DJ 16.08.2004 p. 143)

No mesmo sentido foi o decidido no REsp 705.012/RS, relatado pelo Ministro José Delgado em cuja ementa está proclamado o seguinte posicionamento:

DIREITO ADMINISTRATIVO. E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA. LISTA TELEFÔNICA OBRIGATÓRIA E GRATUITA (LTOG). TEMA DA LEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA INTEGRAÇÃO DO PÓLO ATIVO DA LIDE ASSIM COMO DA SUA TITULARIDADE AO DIREITO EM CONFLITO. FUNDAMENTADO NO ARTIGO 21, XI DA CONSTITUIÇÃO. LEGITIMAÇÃO DA ANATEL COMO ASSISTENTE SIMPLES. ALEGATIVA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 535, INEXISTÊNCIA. ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. SÚMULA 07/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA PARTE NÃO-PROVIDO.


1. Agravo de instrumento interposto por Brasil Telecom S.A. contra decisão concessiva de liminar nos autos da ação civil pública movida pela União contra a concessionária, determinando a imediata distribuição de listas telefônicas residenciais aos usuários e a abstenção de cobrança pelo serviço de auxílio à lista. Concedido o efeito suspensivo pelo relator, a União manejou agravo regimental. O TRF da 4ª Região negou provimento ao agravo de instrumento e julgou prejudicado o regimental, por entender que a União, na qualidade de Poder Concedente do serviço público de telefonia, tem legitimidade para figurar no pólo ativo da ACP, assim como a ANATEL, na condição de órgão regulador desse mesmo serviço, está autorizada a assistir à União Federal. Aduziu ainda que a agravante está obrigada, pelas disposições legais e contratuais, a efetuar a entrega da lista telefônica a todos os usuários dos serviços de telefonia fixa, podendo disponibilizá-la em meio eletrônico, cd-rom ou outras formas assemelhadas somente mediante o prévio e livre exercício do direito de opção e escolha dos usuários. Recurso especial da Brasil Telecom S.A. alegando violação dos arts. 535 e 273 do CPC em razão de ter a decisão agravada, ao conceder antecipadamente a tutela, implicado o pré-julgamento dos processos administrativos em curso perante a ANATEL, suprimindo o direito de a concessionária discutir em foro próprio a obediência, ou não, às cláusulas contratuais e à legislação aplicável à espécie. Contra-razões da União sustentando que a antecipação de tutela concedida examinou a existência dos requisitos para a sua concessão, haja vista que configurada a verossimilhança das alegações da União, assim como o periculum in mora para o consumidor.

2. Não deve ser acolhida a alegação de infringência ao artigo 535 do Código Processual Civil quando inexistir eiva no acórdão reprochado, o qual tratou a matéria de forma exaustiva, apenas não o fazendo sob a ótica desejada pela recorrente.

3. Se o acórdão recorrido ao decidir o tema pertinente à legitimidade da União para integrar o pólo ativo da lide assim como da sua titularidade ao direito em conflito, lastreou-se no artigo 21, XI, da Constituição Federal, inviável se torna o seu exame por este Superior Tribunal de Justiça.

4. Não merece censura o decisório reprochado ao decidir que “a ANATEL, na condição de órgão regulador dos serviços de telecomunicações, devidamente supervisionada pela União Federal, através do Ministério das Comunicações, no que pertine ao cumprimento da sua finalidade precípua, tem interesse jurídico para figurar na lide como assistente simples da União Federal.”

5. “A jurisprudência desta colenda Corte é uníssona no sentido de que, para análise da concessão da antecipação de tutela, mister se faz o exame perfunctório dos pressupostos legais previstos nos incisos I e II do art. 273 do Estatuto Processual Civil em vigor, não sendo, destarte, a via eleita do recurso especial o meio idôneo para o reexame dos fundamentos da decisão, incidindo, na espécie, a Súmula n° 07 deste Tribunal.” (AgRg no REsp 714368 / SP, Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ 29.08.2005).

6. Recurso especial parcialmente conhecido e na parte conhecida, não-provido.

(REsp 705.012/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.10.2005, DJ 14.11.2005 p. 212)

Contudo, em precedentes mais recentes, a Corte vem recusando o litisconsórcio, como demonstram os arestos seguintes:

RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. BRASIL TELECOM S/A EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO OU QUAISQUER DOS ENTES ELENCADOS NO ART. 109 DA CF/88.

1. Ação proposta em face de empresa concessionária de telefonia objetivando o reconhecimento da ilegalidade da “Assinatura Básica Residencial”, bem como a devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços.

2. In casu, a ação foi proposta em face de empresa concessionária de telefonia objetivando o reconhecimento da ilegalidade da “Assinatura Básica Residencial”, bem como com a devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços. Destarte, subjaz a ausência de interesse jurídico da ANATEL no presente feito, porquanto a repercussão dos efeitos da declaração de ilegalidade da aludida cobrança, assim como os da repetição do indébito, não atingirá sua órbita jurídica, mas tão-somente a da empresa ora recorrente.

3. Recurso especial desprovido.

(REsp 792.641/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 210)

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. TELEFONIA. ASSINATURA BÁSICA MENSAL. INTERESSE PROCESSUAL DA ANATEL


1. Inexiste interesse processual da ANATEL em causa que verse sobre a assinatura básica mensal intentada por consumidor contra concessionária de telefonia, com base no Código de Defesa do Consumidor.

2. Recurso especial improvido.

(REsp 816.910/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 261)

No sentido de alinhar a jurisprudência da Corte faço a seguinte digressão:

A inserção das atividades das agências reguladoras na Administração Pública no Brasil, ocorrida na década de 90, veio com a idéia de privatização, retirando-se o Estado da administração de alguns serviços essenciais, mas criando uma espécie de preposto estatal, sua longa manu, a quem incumbe planejar, normatizar e fiscalizar os serviços a cargo de empresas privadas.

A partir daí, a relação dos usuários dos serviços públicos, que era eminentemente de Direito Administrativo, por estar em um dos pólos o Estado, assume feição inteiramente nova, passando a conter duas relações distintas: usuários do serviço público com as prestadoras de serviço e prestadoras de serviço com as agências reguladoras. Dentro desse enfoque, algumas vezes estas duas relações estão emaranhadas de interesses entre si, exigindo-se na solução da controvérsia a presença dos sujeitos de ambas as relações.

Nesse contexto surge exatamente a dificuldade em estabelecer a legitimidade ad causam, impondo-se o exame do caso concreto para verificar o pedido e a causa de pedir, bem como a natureza da relação jurídica.

Quando a demanda diz respeito à fiscalização ou à sanção aplicada à concessionária pela agência reguladora, não se tem dúvidas de que a questão deverá ser solucionada pelas regras do contrato administrativo entre elas firmado e pela Lei 9.472/97, estando o consumidor inteiramente alheio a essa relação jurídica.

Mas a polêmica surge quando o consumidor questiona, por exemplo, aspectos relativos à tarifa (assinatura básica mensal, a forma de cobrança ou de reajuste, método de medição), a qualidade do serviço prestado (porque a concessionária não o faz com presteza e pontualidade), a falta de discriminação, na conta telefônica, do consumo, cobrança indevida de ligações não efetuadas pelo usuário, etc.

Para se estabelecer as devidas e necessárias diferenças, é preciso analisar a legislação correlata.

A Lei 9.472/97, ao dispor sobre os serviços de telecomunicações, estabeleceu um vasto elenco de atribuições inerentes à ANATEL, não sendo demais transcrevê-los:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

(…)

VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes;

(…)

XVIII – reprimir infrações dos direitos dos usuários;

XIX – exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE;

Pelo dispositivo transcrito, verifica-se que a política de preços e a fixação de tarifas não é atribuição a cargo exclusivo da concessionária, tendo a lei incumbido claramente à ANATEL de controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas, fixando-as e reajustando-as (inciso VII).

Na mesma lei, o art. 93 prevê que o contrato firmado entre a agência reguladora e a concessionária deverá indicar:

(…)

VII – as tarifas a serem cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão;

Por fim, dissipando dúvidas quanto à participação da ANATEL relativamente à forma de cobrança, ao valor e ao reajuste das tarifas, dispõe o art. 103 da lei em exame:

Art. 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.

§ 1° A fixação, o reajuste e a revisão das tarifas poderão basear-se em valor que corresponda à média ponderada dos valores dos itens tarifários.

§ 2° São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 81 desta Lei.

§ 3° As tarifas serão fixadas no contrato de concessão, consoante edital ou proposta apresentada na licitação.

§ 4° Em caso de outorga sem licitação, as tarifas serão fixadas pela Agência e constarão do contrato de concessão.

Como reforço de argumentação, faço juntar ao presente voto cópia da “Proposta de Norma para Alteração da Tarifação do Plano Básico do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), na Modalidade Local, prestado em regime público” (processo n. 53500.022605/2005), apresentada em 18/11/2005 pelo Conselheiro Pedro Jaime Ziller de Araújo, para demonstrar a total ingerência da ANATEL no processo de criação e decisão quanto às fórmulas de cálculo e critérios para a fixação e cobrança das tarifas telefônicas.


Para delimitação da legitimidade da ANATEL, importante também mencionar as disposições contidas no Decreto 2.338/97 (Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL):

Art. 16. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, e especialmente:

(…)

VII – celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;

VIII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas na Lei nº 9.472, de 1997, bem como homologar reajustes;

(…)

XIX – atuar na defesa e proteção dos direitos dos usuários, reprimindo as infrações e compondo ou arbitrando conflitos de interesses, observado o art. 19;

Art. 17. No exercício de seu poder normativo, relativamente às telecomunicações, caberá à Agência disciplinar, entre outros aspectos, a outorga, prestação, a comercialização e o uso dos serviços, a implantação e o funcionamento das redes, a utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências, bem como:

(…)

VII – estabelecer a estrutura tarifária de cada modalidade de serviço;

VIII – disciplinar o regime da liberdade tarifária;

Art. 18. No exercício das competências em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações à ordem econômica, que lhe foram conferidas pelos art. 7º., § 2º., e 19, inciso XIX, da Lei nº. 9.472, de 1997, a Agência observará as regras procedimentais estabelecidas na Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994, e suas alterações, cabendo ao Conselho Diretor a adoção das medidas por elas reguladas.

Art. 19. A Agência articulará sua atuação com a do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, organizado pelo Decreto 2.181, de 20 de março de 1997, visando à eficácia da proteção e defesa do consumidor dos serviços de telecomunicações, observado o disposto nas Leis nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e nº 9.472, de 1997.

Parágrafo único. A competência da Agência prevalecerá sobre a de outras entidades ou órgãos destinados à defesa dos interesses e direitos do consumidor, que atuarão de modo supletivo, cabendo-lhe com exclusividade a aplicação das sanções do art. 56, incisos VI, VII, IX, X e XI da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Dentro das atribuições que lhe foram conferidas, a ANATEL aprovou o Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado — STFC — Resolução 85, de 30 de dezembro de 1998 —, estabelecendo:

1) em relação ao contrato de prestação de serviço a ser firmado entre a prestadora e a pessoa natural ou jurídica, com o objetivo de tornar disponível o STFC, que esse contrato de adesão e suas alterações devem ser aprovados previamente pela agência e devem ser redigidos em linguagem clara e conter, obrigatoriamente, cláusulas que estabeleçam, dentre outras, o Plano de Serviço de opção do assinante e o valor das tarifas ou preços (arts. 48 e 49);

2) o valor, a forma de medição e os critérios de cobrança dos serviços prestados serão estabelecidos no Plano de Serviço, conforme regulamentação específica (art. 52);

Especificamente sobre os valores da “assinatura básica mensal”, encontram-se em vigor as Portarias 217, de 03/04/97, e 226, de 03/04/97, do Ministro de Estado das Comunicações, que estabeleceram os valores em unidade de Tarifa Básica de Serviço Local – TBSL e determinaram a aplicação de franquia mensal de 90 (noventa) pulsos a todas as classes de assinatura, definindo, ainda, que as empresas concessionárias poderiam utilizar qualquer dos métodos de tarifação que especificam: sem medição, medição simples ou método Karisson Acrescrido — KA — 240 (multimedição) — documento anexo.

É bem verdade que cabe à ANATEL, também, disciplinar o regime de liberdade tarifária, como visto nas normas acima transcritas, mas a autonomia das concessionárias é relativa, podendo agir apenas dentro dos limites fixados pela agência.

Estabelecidas essas premissas, podemos concluir que:

1) quando a demanda diz respeito à fiscalização ou à sanção aplicada à concessionária pela agência reguladora, a questão deverá ser solucionada pelas regras do contrato administrativo entre elas firmado e pela Lei 9.472/97, estando o consumidor inteiramente alheio a essa relação jurídica;

2) quando o usuário se insurge contra o descumprimento, por parte da concessionária, das normas da ANATEL (sem questioná-las), ele deverá demandar em juízo diretamente contra a concessionária, sendo ilegítima a ANATEL para figurar no pólo passivo dessas demandas. E isso porque, apesar de caber à ANATEL zelar pelo interesse do consumidor e, prioritariamente, a aplicar sanções às concessionárias, somente quando a agência faltar com o seu dever fiscalizador é que poderá ela responder em juízo nesses limites, em face de sua conduta omissiva, mas nunca será o caso de responder solidária ou subsidiariamente pelos deveres da concessionária.

Enquadram-se nessa hipótese, por exemplo: discussão sobre a qualidade do serviço prestado; apresentação de conta não detalhada; cobrança da “assinatura básica mensal” ou de tarifa (inclusive reajuste) acima do valor permitido pela ANATEL; cobrança de ligações não efetuadas pelo usuário; etc.

Nesses casos, a relação jurídica será eminentemente de Direito Privado e, conseqüentemente, os feitos deverão ser propostos perante a Justiça Estadual.

Certamente, nessas ações, a ANATEL, a seu critério, pode figurar como litisconsorte facultativa ou assistente, a fim de defender os direitos do consumidor e o cumprimento dos preceitos legais pertinentes, como órgão normatizador e regulamentador e, sendo assim, haverá deslocamento da competência para a Justiça Federal.

3) quando a concessionária age de acordo com o contrato de concessão, obedecendo as normas e limites estabelecidos pela ANATEL, e o usuário questiona, por via de conseqüência, essas normas, deverá ele litigar contra a concessionária em litisconsórcio necessário com a agência reguladora.

São exemplos: cobrança da “assinatura básica mensal” ou de tarifa (inclusive reajuste) dentro do valor permitido pela ANATEL; métodos de tarifação; etc.

ADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO

Na hipótese dos autos, a autora cumulou pedidos diversos, justificando-se a presença da ANATEL na lide porque, relativamente à “assinatura mensal”, a causa de pedir não é o descumprimento pela BRASIL TELECOM das regras da agência reguladora (como a cobrança de tarifa acima da permitida), mas a própria regra, considerada ilegal e injusta, na medida em que se pode pagar, em tese, pelo que efetivamente não se consumiu.

Nessas circunstâncias, a dispensa da ANATEL é completamente ilógica e ilegal, por ignorar inteiramente os dispositivos constantes da lei de concessão e seus regulamentos, transcritos neste voto para melhor demonstrar o absurdo da alegação.

Assim sendo, dou provimento ao recurso especial para admitir o litisconsórcio com a ANATEL, o que ensejará a mudança de competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal.

É o voto.

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