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Demora em devolver carteira de trabalho gera multa

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29 de junho de 2006, 7h00

A carteira de trabalho é documento essencial ao trabalhador. Por isso, a empresa deve ser punida quando demora em fazer anotação e devolvê-la. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes determinaram que um empregador deve pagar R$ 2,5 mil de multa porque atrasou em 50 dias a entrega da carteira de trabalho anotada para ex-funcionária.

As partes firmaram acordo na 14ª Vara do Trabalho de São Paulo. A empresa deveria fazer a anotação na carteira de trabalho e devolvê-la. Em caso de atraso, deveria pagar multa diária. Com a demora, a ex-funcionária recorreu à Justiça para pedir a cobrança da multa estipulada no acordo. Ela só teve acesso ao documento depois da expedição de Mandado de Apreensão e Busca.

Em sua defesa, a empresa alegou ter entregado a documentação “a tempo e modo”. O juiz da vara determinou que a multa fosse mensal ao invés de diária. A ex-funcionária recorreu da decisão, pedindo o pagamento de multa diária.

No TRT-SP, o juiz Rovirso Aparecido Boldo esclareceu que a carteira de trabalho é documento essencial ao trabalhador, requisito formal para o exercício de qualquer profissão e imprescindível para admissão ao emprego. Para ele, a empresa também demonstrou pouco caso com a obrigação assumida em juízo.

O juiz determinou multa diária de R$ 50 e concluiu que “o valor fixado no acordo é razoável e eventual limitação à cifra de uma remuneração mensal da autora desconsidera a importância do documento ao empregado e postura da ré em Juízo.”

Processo 01000.2004.014.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

Agravo de Petição 01000.2004.014.02.00-0

Agravante: Daniela Maciel Dias Pereira

Agravado: Clins Odontológica S/C Ltda

Origem: 14ª Vara do Trabalho de São Paulo

EMENTA: ACORDO. ANOTAÇÃO NA CTPS. INADIMPLEMENTO. ASTREINTES. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO EM FACE DA GRAVIDADE DO ATO.

A CTPS é documento essencial à vida profissional do empregado, seja como requisito à admissão (CLT, art. 29), seja como meio de prova frente à Previdência Social (CLT, art. 40).

A importância desse documento é de tal ordem que a inserção de dados falsos configura crime (CLT, art. 49), assim como a omissão (CLT, art. 47), ou extravio (CLT, art. 52), importam multas administrativas ao empregador. Tamanha preocupação do legislador em evitar omissões ou incorreções de registros na CTPS não pode ser tratada com indiferença no âmbito judicial.

O inadimplemento do acordo firmado em Juízo, em que se estipulou multa diária pela ausência do registro na carteira, a par de caracterizar descumprimento de uma obrigação imposta a todo e qualquer empregador, constitui tergiversação sobre a determinação judicial, cujas astreintes não podem ser reduzidas, em face da gravidade da conduta.

Contra a decisão que limitou a multa diária ao valor da remuneração, recorre a autora requerendo que seja mantido os parâmetros fixados na sentença homologatória.

Contraminuta da ré às fls. 92/94.

Desnecessária a manifestação do Ministério Público do Trabalho, de acordo com o Provimento nº 01/05 do C. TST.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (fl. 83), conheço do recurso.

Formalizado o acordo, a ré se comprometeu a anotar a CTPS e devolvê-la à autora em 10 dias. Isso em 27 de julho de 2004 (fl. 16). No mesmo ato a ré tinha ciência que eventual descumprimento dessa obrigação importaria multa diária de R$ 50,00.

No dia 17 de agosto, a autora trouxe a informação de que a ré não havia cumprido a obrigação e formulou requerimento para que fosse citada (fl. 37). Mesmo diante dos termos do acordo, que já havia fixado o termo ad quem para o adimplemento, o Juízo abriu vista à ré para manifestação sobre o requerido (fl. 37).

Nova omissão da ré (fl. 42), que provocou o requerimento de expedição de mandado de busca e apreensão (fl. 43). A essa altura já havia se passado mais de 50 dias do prazo assinado no acordo para a entrega da CTPS que só veio aos autos em 29/09/2004 (fl. 46), fato do qual a autora teve ciência apenas em 14/10/2004 (fl. 56).

Diante de injustificada omissão, a autora requereu, e foi acolhida, a execução da multa em face do manifesto atraso da ré (fls. 57 e 59). Citada para o pagamento, a ré recusou-se a cumprir a obrigação, a pretexto de tê-la satisfeito a tempo e modo (fl. 63). Após a manifestação da autora sobre essas alegações, o Juízo da execução limitou a cominação a uma remuneração mensal da autora (fl. 77).

Os fatos que deram origem ao presente recurso são graves e denotam a displicência habitual dos empregadores com os registros do empregados. Apesar de, à primeira vista parecer irregularidade sem muita importância, a CTPS é documento essencial ao trabalhador. É requisito formal para o exercício de qualquer profissão (CLT, art. 13), sendo imprescindível para admissão ao emprego (CLT, art. 29, caput). As anotações não geram efeitos limitados às partes, senão também perante o órgão previdenciário, seja para comprovação de tempo de serviço (CLT, art. 40, II), seja para consignação de acidentes de trabalho (CLT, art. 30).

A importância é tal que anotações falsas importam crime de falsidade (CLT, art. 49) e a omissão das anotações (CLT, art. 47) ou extravio da carteira (CLT, art. 52), multas administrativas. Tamanha preocupação do legislador em evitar a omissão ou incorreção de dados da vida funcional do empregado, ou, ainda, que fosse privado da posse do documento, fica evidenciada pela previsão pormenorizada de cominações conforme a irregularidade cometida.

Nesse contexto, não é razoável a postura da empresa que, tendo assentido, como é da essência do ato, com os termos do acordo, tenha negligenciado uma das principais obrigações: anotação e entrega da CTPS. E no caso do autos, ainda, submetido a prazo substancialmente superior (10 dias) ao fixado pela CLT nas hipóteses de admissão (48 horas, art. 29, caput, da CLT).

A contumácia da ré mais se agrava quando se constata que, além do descumprimento da obrigação imposta a todo e qualquer empregador, fez pouco da obrigação assumida em Juízo. A redução da multa diária de R$ 50,00, da qual a ré tinha ciência desde que entabulou o acordo, desconsiderou todos os esforços da moderna teoria processual e construções jurisprudenciais acerca da previsão de meios aptos a implementar a efetividade da tutela jurisdicional.

As astreintes, criadas pela jurisprudência francesa, são exemplo dessa nova realidade e importam multa crescente destinada a vencer qualquer intenção recalcitrante do devedor, sem qualquer limitação, ainda que possa gerar exagero no algarismo.

O valor fixado no acordo é razoável (R$ 50,00) e, eventual limitação à cifra de uma remuneração mensal da autora, desconsidera a importância do documento ao empregado e postura da ré em Juízo. Autorizo, outrossim, a compensação do valor já recolhido (fl. 89).

Ante o exposto, dou provimento ao agravo para assegurar a multa diária de R$ 50,00 a partir do inadimplemento da obrigação de fazer (fl. 16), compensando-se o valor recolhido à folha 89.

Custas pela ré sobre o valor da condenação de R$ 2.500,00, no importe de R$ 50,00.

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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