Concorrência em risco

Banco Central deve ficar mais atento à concentração bancária

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29 de junho de 2006, 7h00

No último mês, o mercado financeiro recebeu a notícia de duas grandes operações envolvendo a compra de instituições financeiras no Brasil. Trata-se da aquisição dos ativos do BankBoston no país pelo Itaú e a compra do Pactual pelo UBS. Apesar da surpresa causada entre alguns analistas financeiros, pode-se dizer que o sentimento geral foi o de que as operações são apenas um reflexo no Brasil de uma tendência mundial de concentração no setor bancário.

No Japão, três novos “megabancos” abocanharam 11 bancos antigos, que agora estão sendo digeridos. Nos Estados Unidos, os dez maiores bancos comerciais controlam 49% dos ativos bancários do país, um aumento de 29% em relação há dez anos.

No próprio Brasil, esse fenômeno de concentração bancária não é novidade. Dados do Banco Central mostram que o total de bancos múltiplos e comerciais recuou de 191 em 2000 para 159 no fim de 2005. De 1996 a 2004, os dez maiores bancos elevaram sua participação no total de ativos de 60,1% para 68%, segundo dados da mesma autarquia.

No entanto, apesar do movimento de concentração no setor bancário não causar surpresa entre os analistas, o mesmo não pode ser dito a respeito de outro fator de grande importância nesse mercado: a postura do Banco Central frente a tais operações.

As diversas matérias referentes às aquisições feitas pelo Itaú e UBS suscitaram questões sobre o nível de concentração do setor bancário brasileiro e se este não poderia causar reflexos negativos à concorrência. Nesse sentido, observou-se que o Banco Central vê espaço para maior concentração no mercado brasileiro, sem que, necessariamente, haja prejuízo para a concorrência. Segundo fontes que tratam do assunto no Banco Central, a figura geral do setor bancário brasileiro ainda seria “benigna”.

Mas o posicionamento do Banco Central não é um ponto pacífico no mercado. Dados decorrentes de observações empíricas sobre o setor bem como vozes de autoridade da doutrina econômica e jurídica têm apontado já há algum tempo distorções no modo como se opera a concorrência no mercado bancário brasileiro. Organizações internacionais também têm tratado do tema, tal como o Fundo Monetário Internacional, em estudo de 2003 intitulado Do Brazilian banks compete?. Tais estudos apontam indicadores básicos do setor bancário que caminham num sentido oposto ao posicionamento exarado pelo Banco Central.

Segundo a Associação Nacional de Executivos de Finanças, de 1996 aos dias atuais, surgiram 40 novas tarifas bancárias, sendo que estas representam, em média, 113,4% do valor gasto com a folha de pagamento dos bancos. Nos Estados Unidos, o patamar situa-se em torno de 30%. Desde 1995 até 2004, as receitas com tarifas e serviços bancários cresceram de R$ 4,8 bilhões para R$ 19,2 bilhões, uma alta expressiva de 400%. Saliente-se que, quando o Banco Central liberou a cobrança das tarifas e serviços bancários em 1996, uma das justificativas para a medida foi justamente a de que a concorrência no setor provocaria uma redução das mesmas.

Os lucros das instituições financeiras também levantam dúvidas sobre o grau de concorrência nesse mercado. Estudo da Austin Rating baseado no balanço de 2005 de 27 bancos aponta que o lucro líquido do setor aumentou 22,4% em relação ao ano anterior. O Itaú revelou ter conseguido em 2004 lucro líquido de R$ 3,7 bilhões, maior lucro da história dos bancos de capital aberto até então. O Bradesco atingiu a marca de R$ 3,06 bilhões, seguido pelo Banco do Brasil, com R$ 3,024 bilhões.

A título comparativo, salienta-se que, em 2003, os lucros líquidos dos maiores bancos já superavam grandes empresas como a Ambev (R$ 1,4 bilhão), Klabin (R$ 1,01 bilhão), Companhia Siderúrgica de Tubarão (R$ 910 milhões), entre outras. Ressalta-se que lucros extraordinários são comumente considerados pela doutrina econômica um indício de possível falta de concorrência entre agentes econômicos.

O spread bancário é talvez o principal motivo de questionamentos sobre a concorrência no setor. O Brasil tem sido, nas últimas três décadas, um dos países com o maior spread bancário no mundo. A Federação Brasileira de Bancos manifestou seu posicionamento em algumas ocasiões alegando que o spread bancário seria determinado pela taxa Selic, e que não seria possível diminuí-lo sem que houvesse uma diminuição da taxa básica de juros.

No entanto, mesmo em épocas de declínio da taxa básica de juros, tal como o que se verifica atualmente, constata-se que o spread bancário mantém-se praticamente inalterado e, quando há reduções, estas não ocorrem na mesma proporção da diminuição da taxa básica de juros.

Esses são apenas alguns dados que podem ser mencionados, que já justificariam uma certa cautela do Banco Central ao classificar a situação do setor como “benigna”. Analistas do mercado financeiro acreditam que as duas compras recentes feitas pelo Itaú e pelo UBS são apenas um reflexo inicial de uma tendência de consolidação ainda maior no setor.

O próprio Banco Central considera bastante provável que outras instituições, sobretudo estrangeiras, se posicionem no Brasil nos próximos meses e anos para disputar um mercado de crédito que cresce aceleradamente. Os ativos envolvidos e a existência de outras instituições financeiras de porte no mercado nacional acabaram diminuindo o impacto da discussão concorrencial sobre as operações recentes.

No entanto, espera-se que, se essa tendência de fato se verificar no Brasil, o Banco Central atribua maior atenção aos alertas sobre o comportamento dos indicadores deste setor, ou ao menos justifique porque a evolução recente destes indicadores aparentemente não lhe causam preocupação. Se o Banco Central vier posteriormente a descobrir que o cenário atual na verdade é “maligno”, milhões de pacientes — os correntistas brasileiros — é que sofrerão os efeitos desse erro de diagnóstico.

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