Trechos ofensivos

Direito de resposta deve ser negado quando enseja outra resposta

Autor

28 de junho de 2006, 7h00

Direito de resposta em veículo de comunicação não deve ser concedido enseja o mesmo direito a outra pessoa. Sob esse entendimento, o juiz da 1ª Vara Criminal do Fórum Regional de Santo Amaro (São Paulo) negou o pedido de resposta de um empresário contra reportagem veiculada no Jornal Nacional, programa da TV Globo.

O sócio e diretor-geral da empresa de segurança Teleatlantic, José Carlos Vasconcellos, pediu direito de resposta, com base na Lei de Imprensa. Alegou que a reportagem transmitiu informações falsas, quando atribuiu o roubo em uma joalheria por falha de sua empresa. Segundo ele, além de críticas à Teleatlantic “fartamente” ilustradas com o logotipo da mesma, o Jornal Nacional levou ao ar, sem a sua autorização, trechos editados de diálogo que teve com o relojoeiro, cena que teria sido registrada à distância por câmeras e microfones ocultos.

O sócio da Teleatlantic esclareceu que recorreu à Justiça em defesa de direito próprio, buscando preservar sua “reputação empresarial” e não a imagem da empresa em si.

Quando citada, a Globo Comunicação e Participação, defendida pelos advogados Nilson Jacob e Rodrigo de Moura Jacob, pediu, preliminarmente, que fosse reconhecida a incompetência do juízo da Comarca de São Paulo e a ilegitimidade da parte, porque não teria capacidade de direito.

Os advogados defenderam que as imagens e sons captados não trouxeram nenhum dano ao autor da ação e sustentaram que a emissora não poderia conceder o direito de resposta, porque “o texto proposto pelo autor não apenas coloca em dúvida fatos tidos como incontroversos — como a ocorrência do roubo — como explicitamente põe em dúvida a conduta de terceiros.”

O juiz Roberto Grassi Neto, da 1ª Vara Criminal, rejeitou as duas preliminares requeridas pela Globo. No entanto, o juiz entendeu que em nenhum momento a reportagem insinuou que José Carlos Vasconcellos seria o responsável pelo que aconteceu ou o expôs como profissional.

“Poder-se-ia, quando muito, abrir discussão a respeito de eventual exposição indevida pela mídia do nome da Teleatlantic, empresa encarregada de mencionado sistema de segurança, mediante exibição questionável de seu logotipo, ainda que em rápida tomada de imagem.”

O juiz concluiu que a TV Globo realmente não deve conceder direito de resposta ao sócio da Teleatlantic. Ele se baseou no artigo 34, I, da Lei de Imprensa, que prevê que o pedido de resposta deve ser negado quando ela não tiver relação com os fatos referidos na reportagem a que pretende responder.

Segundo o juiz, “a doutrina e a jurisprudência são manifestas no sentido de que o reparo a qualquer lesão de direito que a empresa de segurança tenha eventualmente suportado deverá, se assim desejado, ser objeto de ação própria de indenização a ser intentada na esfera cível.”

Processo J-461/06

Leia a íntegra da decisão

Processo n° J-461/06

Requerente: José Carlos de Vasconcellos

Requerido: TV Globo

Vistos etc.

José Carlos de Vasconcelos, qualificado nos autos, formulou pedido de retificação previsto na legislação especial de Imprensa em face de TV Globo Ltda, igualmente qualificada nos autos, alegando em apertada síntese ter a empresa ré, na qualidade de concessionária de serviço de radiodifusão de sons e imagens, transmitido informação falsa em diário denominado “Jornal Nacional”, durante reportagem versando furto ocorrido em relojoaria desta Capital de São Paulo, ao debitar a responsabilidade pelo ocorrido às falhas do sistema de segurança do autor.

Em suas assertivas esclarece o autor que, além das criticas, fartamente ilustradas com imagens do logotipo da empresa da qual é sócio direitor-geral, o Jornal Nacional teria levado ao ar, sem que o autor disso tivesse conhecimento e tampouco autorizado, trechos editados de diálogo que mantivera com o relojoeiro, cena que teria sido registrada à distância por imagem e por som mediante emprego de câmera e microfones ocultos.

Aduz finalmente que, conquanto a empresa jornalística tenha levado ao ar versão extremamente resumida de informe preliminar que o autor ofertara à sua equipe de reportagem, não lhe teria sido dispensada a possibilidade de apresentar de modo comprovado sua versão dos fatos, o que implicou na omissão de detalhes relevantes a respeito do ocorrido, dentre os quais o acionamento meramente parcial do sistema de alarme por parte dos responsáveis pela relojoaria na véspera do ataque noturno e a circunstância destes terem ignorado comunicado anterior feito por sua empresa de segurança no sentido de que era imperativa a complementação do sistema instalado, ante às deficiências da telefonia celular.

A retificação por via extrajudicial resultou infrutífera por ter-se negado a emissora a atender o pedido, razão pela qual teria o autor optado por faze-lo por via judicial, tendo sido juntados à inicial vasto rol de documentos: procuração; contrato social da Teleatlantic; gravação de reportagem do “Jornal Nacional” (DVD); Notificação do autor; Notificação do autor à requerida; resposta do autor (DVD) e respectiva transcrição; notificação do “Jornal Nacional” (Rio de Janeiro); comprovante de entrega de fita ao “Jornal Nacional” (Rio de Janeiro); tabela de preços da TV Globo; Guia de Recolhimento da taxa judiciária.


O Ministério Público, na qualidade de custos legis, manifestou-se excepcionalmente a fls. 54-7, tendo sua nobre representante se manifestado no sentido da incompetência ratione loci para apreciação do pedido, e pugnado pela redistribuição do feito para o Juizado Criminal da cidade do Rio de Janeiro.

Após réplica à manifestação Ministerial (fls. 59 e seguintes), este Juízo, na decisão de fls. 70-75 rejeitou a preliminar de incompetência territorial suscitada pelo Ministério Público, mas determinou a abertura de vista ao requerente para que, no prazo de 24 horas, esclarecesse se o pedido formulado por José Carlos de Vasconcellos fora elaborado objetivando defesa de direito próprio ou de terceiro.

Malograda a composição amigável em virtude da qual o próprio interessado requerera o sobrestamento do feito (fls. 81 e seguintes), o autor esclareceu (fls. 90) que pedira tutela jurisdicional na defesa de direito próprio, buscando preservar sua personalística “reputação empresarial”.

Determinada a citação da ré na pessoa do responsável (fls. 97) sobre as razões de recusa da transmissão do requerido, manifestou-se a Globo Comunicação e Participação S/A (fls. 100-131) requerendo, em apertada síntese:

a) preliminarmente a “incompetência do Juízo da Comarca de São Paulo”;

b) ainda em preliminar, a ilegitimidade de parte, pois a ação teria sido interposta por quem não tinha capacidade de direito;

c) no mérito, observou que as imagens e som foram captadas em via pública, sendo que em momento algum a empresa jornalística teria narrado qualquer fato que pudesse ser considerado como desabonador à pessoa “da requerente” (sic), mas meramente transmitido o descontentamento do relojoeiro com o sistema de alarme, que tampouco teria se dado de modo ofensivo;

d) ainda no mérito, ressaltou a impossibilidade de ser acatada resposta, uma vez que o texto proposto pelo autor não apenas coloca em dúvida fatos tido como incontroversos – como a ocorrência do roubo -, como explicitamente põe em dúvida a conduta de terceiros;

e) por derradeiro, ponderou-se que não caberia a análise de matéria que depende de provas no rito de mero pedido de resposta. Em nova petição da “Globo Comunicação e Participação S/A” (fls. 135) requereu-se a juntada de jurisprudência extraída do site do STJ

Em réplica, o autor (fls. 143 e segs) teceu ponderações não apenas a respeito do aresto, como dos argumentos da emissora.

É o relatório

DECIDO

Rejeito a primeira preliminar suscitada de “incompetência do Juízo da Comarca de São Paulo”, reportando-me à fundamentação do despacho de fls. 70-5.

Os conceitos de estação e estúdio certamente não se confundem, mas a maior parte dos textos doutrinários sobre a Lei de Imprensa foi tecido a época na qual os programas jornalísticos (televisivos ou de rádio) eram todos transmitidos ao vivo, e de um único estúdio. Desde o advento do vídeo-tape, da tecnologia da transmissão via satélite, ou por fibra ótica, contudo, parte da matéria passou a ser sabidamente preparada e editada com relativa antecedência, ficando apenas as notícias de última hora para serem inseridas no momento da transmissão, que, por sua vez, pode ocorrer parte de um local, e parte de outro.

A melhor exegese do artigo 42 da Lei de Imprensa deve, pois, considerar o vocábulo estúdio não mais dentro da concepção clássica, mas dentro de outra, mais atualizada, como sendo quaisquer das instalações da emissora nas quais parte ou partes de determinado programa sejam elaboradas,seja ele produzido, editado e/ou transmitido, pouco importando o lugar em que esteja situada a torre de transmissão da emissora. Observo, por fim, que, conquanto seus procuradores jurídicos o neguem, sob a ótica da própria empresa exposta em sua página eletrônica, o suporte técnico e a edição, atividades típicas de estúdio, ocorrem também nesta cidade. Assim, não haveria como afastar a competência deste Juízo da Capital.

Rejeito, igualmente, a segunda preliminar, concernente à ilegitimidade de parte, uma vez que a ação foi interposta por José Carlos de Vasconcellos na defesa de direito próprio, buscando preservar sua personalística “reputação empresarial”.

No mérito, contudo falece razão ao requerente.

Ao ingressar com pedido de transmissão de resposta, o autor deixou claro estar buscando no Judiciário, como já mencionado, a defesa de direito próprio, no sentido de preservar sua “personalística reputação empresarial”.

Analisando as reportagens elaboradas e levadas ao ar pelo departamento de jornalismo da Rede Globo, contudo, entendo que em momento algum a matéria transmitida resvalou em qualquer interesse de natureza pessoal do Senhor José Carlos de Vasconcellos.

Ao longo de toda a matéria produzida pela empresa jornalística procurou-se narrar tão somente o descontentamento do proprietário da relojoaria com relação a eventuais falhas no sistema de segurança contratado. Pode-se-ia, quando muito, abrir discussão a respeito de eventual exposição indevida pela mídia do nome da Teleatlantic, empresa encarregada de mencionado sistema de segurança, mediante exibição questionável de seu logotipo, ainda que em rápida tomada de imagem.


No que concerne, todavia, à pessoa do empresário José Carlos de Vasconcellos, a reportagem em momento algum, ainda que ânimo meramente narrandi, sequer insinuou fosse ele pessoalmente responsável pelo ocorrido, ou o expôs enquanto profissional.

Esse era inclusive, ao que tudo indica, o sentido que se queria dar às palavras quando, o procurador jurídico da empresa jornalística manifestou-se nos autos, mas, em aparente erro material, fez constar que em momento algum teria sido narrado qualquer fato que pudesse ser considerado como desabonador à pessoa “da requerente”.

Como ressaltado, o objeto do presente pedido não é eventual lesão a direito da empresa Teleatlantic, mas eventual lesão a direito do Senhor José Carlos de Vasconcellos enquanto empresário.

Ademais, analisando-se o teor da resposta elaborada pelo autor, não se constata preocupação de sua parte em defender-se de eventual ataque que tivesse ocorrido a sua pessoa, ainda que como empresário e que necessitasse do oferecimento de sua versão dos fatos. A mensagem por ele gravada antes deixa patente estar na defesa de interesse de terceiro, no caso a Teleatlantic, da qual não recebeu poderes de representação em Juízo, segundo documentação por ele mesmo juntada aos autos, já na inicial.

Entendo, pois, que nos termos do artigo 34, I, da Lei de Imprensa, a transmissão da resposta deve ser negada, pelo fato de não guardar relação com os fatos referidos na transmissão a que pretende responder.

O texto proposto pelo autor, por outro lado, não apenas põe em dúvida fatos até agora tidos como incontroversos, caso da ocorrência do roubo, como questiona a conduta de terceiros no episódio.

O vocábulo “terceiro” deve, aqui, ser considerado em sua acepção técnica. No caso em apreço, ainda que houvesse verdadeiro conluio entre a empresa jornalística e o comerciante – e nada o indica até o presente momento – este último será invariavelmente “terceiro” para os fins mencionados pela legislação, na medida em que não foi parte no presente pedido, e não lhe foi concedida sequer oportunidade de manifestar-se.

A doutrina e a jurisprudência são manifestas no sentido de que o reparo a qualquer lesão de direito que a empresa de segurança tenha eventualmente suportado deverá, se assim desejado, ser objeto de ação própria de indenização a ser intentada na esfera cível.

Com relação ao pedido de resposta com base na Lei de Imprensa, por sua vez, nossa Justiça tem decidido reiteradamente que a retificação deva ocorrer valendo-se dos “meios e recursos indispensáveis a que a resposta corresponda às necessidades de um efetivo esclarecimento ou retificação” (FREITAS NOBRE, Comentários à Lei de Imprensa, São Paulo: Saraiva, 1985, p. 225).

Não se concebe, portanto, que se procure utilizar pedido visando a obtenção de direito de resposta para que o Judiciário determine a transmissão de resposta do autor em narrativa carregada de insinuações a respeito da conduta de mencionado “terceiro” que, se veiculadas, certamente ensejarão não apenas outro pedido de resposta, como eventual pedido de explicações, agora da parte desse terceiro, no caso o relojoeiro.

Entendo, pois, nos termos do artigo 34, II e IV, da Lei de Imprensa, dever ser ainda negada a transmissão da resposta, na medida em que sua narrativa contém trechos, em tese, passíveis de serem enquadrados como ofensivos ante ao fato de tecerem insinuações à conduta do comerciante, o que poderia ensejar para este igual direito de resposta, situação vedada por lei.

Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta julgo IMPROCEDENTE o pedido de RETIFICAÇÃO JUDICIAL movida por José Carlos de Vasconcellos em face de TV Globo Ltda., com base nos artigos 34 e incisos I, II e IV, da Lei n° 5250/67.

P.R.I.C.

São Paulo, 21 de junho de 2006.

Roberto Grassi Neto

Juiz de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!