Ato de precaução

Laboratório que recomenda novo teste de Aids não deve indenizar

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28 de junho de 2006, 16h45

Laboratório que recomenda novo teste de Aids para ter um diagnóstico conclusivo sobre a existência da doença não tem de indenizar por danos morais. O entendimento unânime é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O Tribunal confirmou sentença de primeira instância e negou indenização a uma mulher grávida. O primeiro resultado do laboratório apontou que ela era portadora do vírus HIV, o que foi modificado em exame posterior feito em hospital.

Para o relator, desembargador Odone Sanguiné, as provas trazidas aos autos indicam que o Laboratório Bolek de Análises Clínicas agiu com as devidas precauções. Ressaltou que no comprovante do exame fornecido à usuária consta em destaque: “Resultado não é definitivo. Sugere-se confirmação pelo método Western-Blot.”

Segundo o TJ-RS, a empresa-ré agiu com as diligências esperadas ao cientificar a consumidora sobre a falibilidade do exame e de ser indispensável outro para confirmação.

A mulher alegou que o resultado de “soro reagente” pelo laboratório ocorreu em julho de 2001. Informou que seu médico lhe prescreveu tratamento adequado com diversos remédios, dentre eles o AZT, por 30 dias. Após encaminhamento para série de exames anti-HIV no Hospital Fêmina, constatou-se “soro não-reagente”. Alegou ter sofrido danos morais pela angústia de ser portadora do Vírus HIV e no temor de possível contaminação de seu filho.

O laboratório destacou que o exame não era conclusivo, como foi provado pelo documento fornecido à autora. E que o novo exame no hospital ocorreu 14 dias depois do primeiro exame, o que não teria dado tempo para grandes abalos emocionais. Acrescentou que a ingestão de remédios para tratamento de Aids por exíguo lapso de tempo não ocasiona efeitos colaterais ou reação adversa.

Conforme o desembargador, o laboratório responde pelo serviço prestado, independentemente da averiguação de culpa, sendo imprescindível apenas a comprovação do dano e da relação de causalidade. Segundo o Código do Consumidor, esclareceu, tal responsabilidade é afastada quando comprovada a inexistência do defeito, culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Reforçou não ter sido verificada qualquer conduta da demandada capaz de ensejar sua responsabilização. Por outro lado, acrescentou, os procedimentos adotados pelo médico da demandante foram de cautela, à espera de resultados de novos exames, tendo em vista a falibilidade dos exames de detectação do vírus HIV, num primeiro momento. “A auto-exposição ao risco de ingestão de medicamentos sem a confirmação definitiva deu-se em razão de conduta de terceiro (médico), e não em virtude de conduta da demandada.”

O desembargador concluiu que o serviço foi prestado de modo satisfatório pelo laboratório. “Foram adotadas as medidas preventivas adequadas ao risco da fruição da atividade, de forma a preservar a segurança dos consumidores, inclusive, prestando as informações adequadas atinentes ao serviço realizado.”

Leia a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXAME DE HIV. RESULTADO ‘REAGENTE’. RESPONSABILIDADE DO LABORATÓRIO NÃO CONFIGURADA. FALIBILIDADE DO EXAME EFETUADO NUM PRIMEIRO MOMENTO. NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO.

1. A responsabilidade no caso em tela é objetiva, fundada no Código de Defesa do Consumidor. Isso porque a demandada enquadra-se no conceito de fornecedora de serviços da área de saúde, nos termos do art. 14, CDC. Deste modo, responde a requerida pelo fato do serviço, independentemente da averiguação de culpa, sendo necessária apenas a comprovação do dano e da relação de causalidade.

2. No documento fornecido à autora consta, em destaque, “Resultado não é definitivo. Sugere-se confirmação pelo método Western-Blot”. Logo, não se verifica qualquer conduta por parte da demandada capaz de ensejar sua responsabilização, vez que agiu com as diligências esperadas ao cientificar a demandada acerca da necessidade de efetuar outros exames a fim de confirmar o resultado.

3. Os procedimentos adotados pelo médico da demandante foram realizados por cautela, à espera de resultados de novos exames, tendo em vista a falibilidade dos exames de detectação do vírus HIV, que podem não apresentar resultado absolutamente confiável num primeiro momento.

4. Por conseguinte, o serviço foi prestado pela demandada de modo satisfatório, porquanto foram adotadas as medidas preventivas adequadas ao risco da fruição da atividade, de forma a preservar a segurança dos consumidores, inclusive, prestando as informações adequadas atinentes ao serviço realizado.

NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.

Apelação Cível: Nona Câmara Cível

Nº 70014550479: Comarca de Guaíba


ROSANE GARCIA DE OLIVEIRA: APELANTE

LABORATORIO BOLEK DE ANALISES CLINICAS LTDA: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Desa. Marilene Bonzanini Bernardi.

Porto Alegre, 31 de maio de 2006.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta por ROSANE GARCIA DE OLIVEIRA, insatisfeita com a decisão das fls. 171/175 prolatada nos autos da ação de indenização por danos morais que move contra LABORATÓRIO BOLEK DE ANÁLISES CLÍNICAS LTDA., que julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da demandada, fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

Em razões recursais (fls. 178/186), a apelante refere que o teste Elisa realizado no laboratório da ré é considerado exame de triagem, acarretando a probabilidade de resultados falso-positivos. Menciona que o exame complementar também apresentou resultado idêntico. Aduz ter confiado no laboratório, que em momento algum lhe informou da necessidade de outro exame para confirmar o resultado, mesmo depois da entrega dos resultados. Afirma que a demandada desrespeitou as regras técnicas exigidas pelo Ministério da Saúde ao não efetuar a etapa de confirmação sorológica por meio dos testes de Imunofluorescência Indireta (IFI) e/ou Western Blot (WB). Entende configurado o nexo causal entre a conduta culposa da ré e os danos morais suportados. Aduz ter temido pela vida de seu filho, pois estava grávida na ocasião em que foi realizado o exame e divulgado o resultado. Prequestiona os artigos 5º, V, da CF/88; 186 e 927, do CCB/2002; 6º, III e VI, e 14, do CDC. Por fim, postula o provimento do recurso, pugnando pela procedência do pedido delineado na petição inicial.

Decorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões, sem manifestação da parte ré, conforme devidamente certificado nos autos (fl. 192-v).

Subiram os autos e, distribuídos, vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes Colegas:

Cuida-se de apelação cível interposta por ROSANE GARCIA DE OLIVEIRA, inconformada com a decisão das fls. 171/175 prolatada nos autos da ação de indenização por danos morais que move contra LABORATÓRIO BOLEK DE ANÁLISES CLÍNICAS LTDA., que julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da demandada, fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

Preambularmente, conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Não havendo questões preliminares a serem analisadas, passo ao exame do mérito.

Resenha fática

Na exordial, narra a autora que, entre os meses de junho e julho de 2001, por determinação de seu médico obstetra e em razão de seu estado gravídico ou exame hematológico em laboratório pertencente à demandada. Relata que, efetuada a coleta de sangue, não foi possível a realização do exame, pois o material coletado havia coagulado. Procedida nova coleta de amostra, constatou-se que era portadora do Vírus HIV, com resultado “soro reagente”.

Em seguida, iniciou o tratamento adequado com diversos remédios (fl. 39/40), dentre eles o AZT, por trinta dias, sendo incluída na listagem do programa governamental “Mãe Aidética”, conforme atestado acostado aos autos (fl. 41).

De posse dos exames, foi encaminhada pelo Hospital Regional de Guaíba ao Hospital Fêmina, do Grupo Hospitalar Conceição, no qual realizou uma série de exames Anti-HIV que apresentaram o resultado “soro não-reagente” (fls. 10/31 e 38).

Em vista disso, a autora alega ter sofrido danos morais, consubstanciados na angústia de ser portadora do Vírus HIV e no temor de possível contaminação de seu filho.

A ré contradita destacando que o teste foi realizado em 17/07/2001 e o exame levado a cabo no Hospital Fêmina data de 31/07/2001, de forma que eventual dúvida existente persistiu tão-somente por 14 (quatorze) dias. Refere que o exame não era conclusivo, conforme salientado no documento fornecido à autora (fl. 09). Sustenta inexistir nos autos qualquer reclamação da autora acerca da ingestão dos remédios ou de efeitos colaterais. Aduz que a ingestão de remédios por exíguo lapso de tempo não ocasiona efeitos colaterais ou reação adversa.


Responsabilidade civil

A contenda versa sobre a existência de danos morais advindos de equívoco em resultado positivo (reagente) obtido por meio de exame Anti-HIV realizado em laboratório da demandada.

Primeiramente, impende referir que, em seu depoimento pessoal (fl. 154), a autora afirma: “Depois do exame que fala na fl. 09, fez exames no Hospital Fêmina onde nada foi constatado. A consulta foi agendada pelo Hospital Regional, 10 dias após. Disse que fez o exame de HIV e carga viral no Hospital Conceição. O médico disse que poderia haver janelas, e por issso tomou AZT. Os médicos tomaram cautela para proteger o nenê esperando que se comprovasse a inexistência do HIV”.

Ainda, cumpre salientar que a responsabilidade no caso em tela é objetiva, fundada no Código de Defesa do Consumidor. Isso porque a demandada enquadra-se no conceito de fornecedora de serviços da área de saúde, nos termos do art. 14, CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

A responsabilidade civil extracontratual do fornecedor dos serviços independe de culpa, em razão dos riscos advindos da exploração da atividade. Nesse sentido, assevera o doutrinador SÉRGIO CAVALIERI FILHO:

“O fornecedor de serviços, consoante art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Trata-se de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e se segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de executar determinados serviços. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor (de produtos e serviços) e não do consumidor. O fornecedor só afasta a sua responsabilidade se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: inexistência do defeito e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” (grifo nosso).

Deste modo, responde a requerida pelo fato do serviço, independentemente da averiguação de culpa, sendo necessária apenas a comprovação do dano e da relação de causalidade.

Tal responsabilidade é afastada apenas quando comprovada a existência de uma das eximentes do § 3º do art. 14, do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito, culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Perfilhando tal entendimento, manifestou-se esta Corte nos arestos a seguir:

RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR PELO FATO DO SERVIÇO. AIDS. EXAME LABORATORIAL QUE APONTOU FALSO POSITIVO. A responsabilidade civil dos laboratórios por suposto defeito na prestação de serviços sujeita-se à norma disposta no art. 14 do CDC, que oferece disciplina específica para o assunto. A noção de defeito na Lei 8.078/90 está diretamente relacionada à legítima expectativa de segurança do consumidor e, conseqüentemente, aos riscos que razoavelmente se esperam de um serviço. Nessa medida, não há como se considerar defeituoso um exame laboratorial que, embora equivocado, adverte em seu resultado a respeito da necessidade de repeti-lo. Informação que se justifica em razão de ser a técnica utilizada no teste sensível e não totalmente específica, podendo ser influenciada por fatores externos, inclusive, pela própria gravidez da apelante. Caracterizada a excludente de responsabilidade prevista no § 3º, do art. 14, do CDC, não há que se cogitar de indenização por danos morais. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70002399590, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 06/12/2001)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Realização, por parte da primeira apelante, de testes rápidos de aids, sob o método Elisa. Divergência no resultado de exames feitos em laboratórios diferentes. Informação de que os testes não eram conclusivos após a constatação de anticorpos reagentes (positivos). Necessidade de confirmação do resultado através de exame mais sofisticado, sob o método Western-Blot. É da natureza dos testes rápidos de constatação da presença do vírus HIV a incerteza. Assim, se a técnica utilizada em situações de emergência é precária, não há como responsabilizar o laboratório recorrido, ante a falta de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. O apelado cumpriu com seu dever de informação. A existência de técnicas mais precisas não torna o serviço defeituoso, nos termos do art. 14, par. 2o, do CDC. Não realização, por parte da primeira recorrente de teste conclusivo. Não configuração de efeitos colaterais sofridos pela segunda apelante em virtude do uso de AZT. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70006742977, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 25/08/2004)

Analisando-se o conjunto probatório vertido nos autos, não se verifica qualquer conduta por parte da demandada capaz de ensejar sua responsabilização, vez que agiu com as diligências esperadas ao cientificar a demandada acerca da necessidade de efetuar outros exames a fim de confirmar o resultado. Ademais, no documento fornecido à autora consta, em destaque, “Resultado não é definitivo. Sugere-se confirmação pelo método Western-Blot”.

De outra banda, os procedimentos adotados pelo médico da demandante foram realizados por cautela, à espera de resultados de novos exames, tendo em vista a falibilidade dos exames de detectação do vírus HIV, que podem não apresentar resultado absolutamente confiável num primeiro momento. A par disso, conclui-se que a auto-exposição ao risco de ingestão de medicamentos sem a confirmação definitiva deu-se em razão de conduta de terceiro (médico), e não em virtude de conduta da demandada.

Não ignoro a jurisprudência do STJ sobre o tema, entretanto, os precedentes contém suporte fático bem distinto do presente caso. Com efeito, no RESP nº 258.011/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, a responsabilidade do laboratório concernete à exame relativo à presença de HIV, tinha a peculiaridade de ter sido repetido e confirmado, sem a ressalva de que poderia ser necessário exame complementar (voto do Min. Humberto Gomes de Barros), enquanto no RESP nº 401.592/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, também se tratava de laudo com falso resultado positivo de HIV, com a afirmação de que o exame fora repetido e confirmado pelo laboratório.

Por conseguinte, o serviço foi prestado pela demandada de modo satisfatório, porquanto foram adotadas as medidas preventivas adequadas ao risco da fruição da atividade, de forma a preservar a segurança dos consumidores, inclusive, prestando as informações adequadas atinentes ao serviço realizado.

Dispositivo

Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo.

Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) – De acordo.

Desa. Marilene Bonzanini Bernardi – De acordo.

DESA. IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70014550479, Comarca de Guaíba: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: GILBERTO SCHAFER

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