Diferença corrigida

Perdas da poupança no Plano Verão têm correção de 42%

Autor

26 de junho de 2006, 16h48

As cadernetas de poupança com data de aniversário entre os dias 1 e 15 de janeiro de 1989, devem ter a correção referente às perdas do Plano Verão calculadas pelo índice de 42,72% e não por 22,36%, como corrigido pelos bancos na época. A decisão é da 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, em São Paulo, que se baseou em entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Com a decisão, o banco Bradesco deve indenizar dois correntistas que à época tinham conta poupança na instituição. O Bradesco terá de pagar o valor referente à diferença dos índices (20,36%) sobre o valor aplicado. Cabe recurso.

Em 1989, o então presidente José Sarney instituiu o Plano Verão, que mudou as regras da economia e atingiu as cadernetas de poupança. O decreto 2.284/86, em vigor até aquela data, previa que o reajuste da poupança deveria ser feito com base no IPC/IBGE, que naquele mês foi de 42,72%.

A medida Provisória 32/89, do dia 15 de janeiro de 1989, mais tarde convertida na Lei 7.730/89, que criou o plano, determinou que os saldos da caderneta de poupança, em fevereiro de 89, fossem atualizados com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro. Os bancos entenderam que o índice de correção deveria passar para 22,35%.

Os autores da ação, representados pelo escritório Berthe, Chambel e Montemurro Advogados, pediam o pagamento da diferença entre os índices, monetariamente corrigida, acrescida de juros contratuais de 0,5% ao mês, capitalizados mês a mês, desde a data da lesão até o ajuizamento da ação. Além de juros moratórios de 0,5% ao mês a contar da citação até o efetivo pagamento.

Diante dos pedidos, o banco sustentou a prescrição dos juros e da correção monetária, bem como a impossibilidade jurídica do pedido ante a quitação dos valores pagos. Alegou, ainda, que os autores não tinham direito adquirido à remuneração pleiteada, porque a vigência das normas incidiram quando ainda não havia se completado o ciclo de trinta dias referente à apuração dos índices a serem aplicados à caderneta de poupança.

A juíza Adriana Borges de Carvalho, da 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, rejeitou a impossibilidade jurídica do pedido e a prescrição, defendida pelo réu, tanto para os juros remuneratórios como para a correção monetária. E determinou o pagamento da diferença corrigida, conforme a reivindicação dos autores da ação, além de permitir a execução provisória da sentença.

“Isto porque, tanto um como o outro incidem mensalmente sobre o patrimônio e, após o trintídio mencionado, passam a integrá-lo, deixando de se caracterizarem como parcelas acessórias do patrimônio principal.”, concluiu a juíza.

Processo 07.01.73/2004

Leia a íntegra da decisão

Fórum Regional II — Santo Amaro — Processo 070173/2004

Processo CÍVEL

Comarca/Fórum Fórum Regional II — Santo Amaro

Processo Nº 583.02.2004.070173-0

Cartório/Vara 6ª Vara Cível

Competência Cível

Nº de Ordem/Controle 3310/2004

Grupo Cível

Ação Procedimento Ordinário (em geral)

Tipo de Distribuição Livre

Distribuído em 10/12/2004 às 14h39m0s

Moeda Real

Valor da Causa 29.253,57

Qtde. Autor(s) 2

Qtde. Réu(s) 1

PARTE(S) DO PROCESSO

Requerido BANCO BRADESCO S/A

CNPJ 60.746.948/0001-12

Advogado: 103936/SP CILENO ANTONIO BORBA

Requerente JUNJIRO KATAOKA

CPF 057.493.448-00

Advogado: 215287/SP ALEXANDRE BERTHE PINTO

Advogado: 216155/SP DANILO GONÇALVES MONTEMURRO

Requerente ROBERTO SU KATAOKA

CPF 265.166.388-37

Advogado: 215287/SP ALEXANDRE BERTHE PINTO

Advogado: 216155/SP DANILO GONÇALVES MONTEMURRO

Sentença publicada em 11/05/06

Vistos.

ROBERTO SU KATAOKA e JUNJIRO KATAOKA ajuizaram a presente ação em face do BANCO BRADESCO S.A., alegando, em síntese, que mantinham contas poupanças na instituição-ré em janeiro de 1989 e, em razão das regras ditadas pelo Decreto nº 2.284/86 (chamado “plano verão”), a correção monetária das cadernetas de poupança tinham como base o IPC/IBGE, acrescido de juros contratuais.

Sustentam que para o período de janeiro de 1989 o percentual de correção monetária foi de 42,72%, além dos juros. Acrescentaram que a Lei 7.730/89 impôs a aplicação da correção monetária para aludido período em 22,3589% mais juros contratuais.

Porém, o banco-réu procedeu à interpretação equivocada da norma jurídica e aplicou, nas contas dos autores, no período de janeiro de 1989, apenas o percentual de 22,3589%, deixando de creditar, assim, a correção monetária de 20,36%, correspondente à diferença entre o que foi efetivamente creditado pelo requerido (22,3589%), e a inflação efetivamente ocorrida, no patamar de 42,72%, segundo Índice Geral de Preços ao Consumidor.


Pleitearam a condenação do requerido ao pagamento do valor correspondente a essa diferença, monetariamente corrigido, e acrescido dos juros contratuais de 0,5% ao mês, capitalizados mensalmente, desde o mês da lesão até o ajuizamento da ação, e juros moratórios de 0,5% ao mês a contar da citação até efetivo pagamento.

Regularmente citado, o requerido apresentou contestação (fls. 31/59), aduzindo, preliminarmente, prescrição dos juros e da correção monetária, bem como a impossibilidade jurídica do pedido ante a quitação dos valores pagos.

No mérito, sustentou que os autores não possuíam direito adquirido à remuneração pleiteada, pelo IPC, pois a vigência das normas de direito público, referentes ao “Plano Verão”, incidiram quando ainda não havia se completado o ciclo de trinta dias referente à apuração dos índices a serem aplicados à caderneta de poupança.

Também impugnou a cobrança dos juros contratuais, sob a alegação de que foram alcançados pela prescrição. Sobreveio réplica (fls. 65/83), na qual são refutadas as preliminares e reiteradas as teses inaugurais. Posteriormente, em nova manifestação, os autores requereram a antecipação dos efeitos da tutela, visando à execução provisória da sentença de procedência do pedido, além de impor à ré a penalidade referente à litigância de má-fé (fls. 89/95).

É o relatório do essencial.

DECIDO.

Conheço diretamente do pedido, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, pois embora a matéria seja de fato e de direito, não há necessidade de produzir outras provas. Examino as preliminares argüidas. Fica rejeitada a impossibilidade jurídica do pedido. Não se diga que a quitação do valor já pago pelo réu tem efeito liberatório.

O pagamento só exonera até o montante quitado, independentemente de qualquer ressalva. A obrigação decorre da lei e deve ser paga na forma como fixada. No que tange à prescrição aventada, esta também fica afastada, tanto para os juros remuneratórios como para a correção monetária.

Isto porque, tanto um como o outro incidem mensalmente sobre o patrimônio e, após o trintídio mencionado, passam a integrá-lo, deixando de se caracterizarem como parcelas acessórias do patrimônio principal.

Neste sentido, vasta é a jurisprudência, da qual destaco a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: ”CIVIL — Contrato bancário — Poupança — Correção monetária — Juros remuneratórios — Prescrição — Vinte anos.

1 — Os juros remuneratórios de conta de poupança, incidentes mensalmente e capitalizados, agregam-se ao capital, assim como a correção monetária, perdendo, pois, a natureza de acessórios, fazendo concluir, em conseqüência, que a prescrição não é a de cinco anos, prevista no artigo 178, parágrafo 10, III, do Código Civil de 1916 (cinco anos), mas a vintenária. Precedentes da Terceira e da Quarta Turma.

2 — Recurso especial conhecido, mas desprovido”. (STJ — RESP nº 646.834/SP — 4ª T. — Rel. Ministro Fernando Gonçalves — J. 28.09.2004 — DJ 14.02.2005 – negrito não original).

Acresça-se que o direito invocado pelo autor é pessoal, sem previsão de norma específica, sobre a qual incide a regra do artigo 177 do Código Civil de 1916, mantida pela regra do artigo 205 do Código Civil de 2002. A norma inserida no artigo 178, parágrafo 10, inciso III, do Código Civil de 1916, e hoje no artigo 206, parágrafo terceiro, do Código Civil de 2002, trata dos juros como obrigação originária.

Os juros pleiteados pelos autores, por outro lado, são o mero reflexo do recálculo dos saldos, após o ajuste da correção monetária, como pleiteado, e os decorrentes da mora do requerido na satisfação do direito invocado — que têm disciplina específica na legislação civil e processual civil.

Seguem, portanto, o mesmo prazo prescricional vintenário do direito invocado. No mérito, a ação é procedente. Os pedidos relativos ao expurgo e ao índice pleiteado se confundem, motivo pelo qual essas questões serão analisadas em conjunto, como segue.

Até às vésperas do chamado “plano verão”, utilizava-se para reajuste das cadernetas de popança o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Lei nº 7.730, de 31 de Janeiro de 1989, que veiculou o “plano verão”, foi resultado da conversão da anterior Medida Provisória nº 32, de 15/01/1989, a qual entrou em vigor em 16/01/1989 — data de sua publicação (DOU de 16/01/1989, p. 000845, Col. 1).

O artigo 17, inciso I, dos aludidos Diplomas Normativos, determinou que os saldos das cadernetas de poupança deveriam ser atualizados, no mês de fevereiro de 1989, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro Nacional — LFT, verificado no mês de janeiro de 1989, deduzido o percentual fixo de 0,5% (meio por cento).


O ponto central da lide, portanto, é decidir se tal norma teve o condão de atingir todo o mês de janeiro de 1989, no tocante ao índice aplicável ao reajuste da poupança, ou se pôde fazê-lo somente a partir de sua vigência, em 16/01/1989.

A resposta, já consagrada na jurisprudência brasileira, é no sentido de que tal norma, evidente, não pode retroagir para atingir o direito adquirido e o ato jurídico perfeito e acabado até 15/01/1989.

Isso porque a apuração do rendimento da poupança renova-se de trinta em trinta dias, mas não tomando por base o início ou o fim do mês do calendário oficial, e sim a chamada data de “aniversário” da conta, normalmente determinada pelo primeiro depósito, e individualizada por cada depósito subseqüente — o que pode resultar em várias datas de aniversário na mesma conta.

Conseqüentemente, têm direito ao reajuste pelo IPC do IBGE

as contas (ou depósitos em contas) que tinham, em janeiro de 1989, aniversários até o dia 15/01/1989 — não havendo tal direito às contas ou depósitos referentes à data de aniversário posterior.

Quanto ao índice aplicável, no mês de janeiro de 1989 (IPC/IBGE), foi obtido com base na oscilação dos preços verificada em um período de 51 dias (30 de novembro de 1988 a 20 de janeiro de 1989), que resultou no percentual de 70,28%.

Desta forma, a melhor maneira de se proceder à real correção monetária no período de janeiro/89, utilizando-se o IPC, é dividir-se o mencionado percentual por 51 (inflação diária) e multiplicar o coeficiente encontrado por 31 (inflação mensal), operação que resulta no percentual de 42,72%, obtida pelo critério pro rata die do IPC referente ao período.

Sobre as matérias ora em análise, citese precedente do E. Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. REAJUSTE. CADERNETA DE POUPANÇA. IPC’S DE 42,728% (JANEIRO/1989) E 84,32% (MARÇO/1990). LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. DIREITO ADQUIRIDO ÀS CONTAS COM DATA BASE (DIA DE “ANIVERSÁRIO”) ANTERIOR AO DIA 15 DE JANEIRO DE 1989. ILEGITIMIDADE P ARA OS CRUZADOS NOVOS RETIDOS PELO BACEN. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 168/90 E LEI Nº 8.024/90. (…).

4. Ao entrar em vigor a Lei nº 7.730/89, no dia 15, alterando a sistemática do cálculo da correção monetária para as cadernetas de poupança, somente a partir deste dia é que começou a viger o marco inicial à pré-falada alteração.

5. Direito adquirido perfeito e concretizado, pelo que não há que se falar em retroatividade da lei nova, com aplicação do índice de 42,72%, referente à diferença entre 70,28% e 28,79%, apurado a título de IPC, no mês de janeiro/89, às cadernetas de poupança com data base (dia de “aniversário”) anterior ao dia 15/01/89.

(…)”. (STJ, Primeira Turma, AGA nº 412904/RJ, rel. Min. JOSÉ DELGADO, v.u., DJ de 04/03/2002, p. 226 ou 229 – negrito não original). No caso concreto, as contas de poupança apresentadas possuem “aniversário” antes do dia 15 do mês (ou seja, nos dias 01, 02 e 09 de cada mês), e restou incontroverso que às mesmas foi creditada, no período ora questionado, a correção monetária pelo índice de 22,3589% — restando, portanto, a diferença de 20,36%, ora pleiteada, para alcançar os citados 42,72%.

Quanto ao valor exato do crédito, deverá ser demonstrado quando da fase de execução, mediante a apresentação da memória de cálculo prevista no artigo 604 do Código de Processo Civil. No tocante à taxa a ser aplicada aos juros moratórios, verifica-se que o ajuizamento da ação e a citação ocorreram já sob a égide do Código Civil de 2002, em vigor desde 12/01/2003.

Contudo, por ter o autor pedido expressamente a aplicação dos juros moratórios em 6% ao ano, será acolhido esse pleito (e, por conseqüência, afastada a aplicação do artigo 406 do CPC, c/c artigo 161, § 1 º, do CTN).

A capitalização dos juros remuneratórios e moratórios é mensal. Nada há para se espantar, pois a capitalização mensal é a que vigora, há muito, para a maioria das aplicações financeiras (inclusive a própria poupança), bem como para a correção monetária.

Para espancar qualquer dúvida remanescente, noticia-se que a capitalização de juros, com periodicidade “inferior a um ano”, passou a ser expressamente permitida às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, no mínimo desde a Medida Provisória nº 1.963- 17 (artigo 5º, caput), de 30/03/2000 (DOU de 31/03/2000), substituída pela a Medida Provisória nº 2.087, a partir da edição 27, e atualmente em vigor pela Medida Provisória nº 2.170-36, por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001. Também por isonomia, portanto, deve haver capitalização mensal quando as tais “instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional” são devedoras.

Está no mínimo derrogada, portanto, a arcaica Lei da Usura (senão ab-rogada), completamente incompatível com a realidade econômica atual, sem entrar no mérito se tal realidade é boa ou ruim — o que é uma questão a ser resolvida na esfera política e macroeconômica.

Concluindo, por expressa determinação e combinação dos dispositivos legais acima aludidos, os juros de mora deverão ser contados, a partir da citação, com capitalização mensal.

Por todo o exposto, afastadas as preliminares aventadas, JULGO PROCEDENTE o pedido, para condenar o requerido a pagar aos autores a quantia equivalente à soma da diferença do índice de 20,36%, que deverá ser adicionado aos saldos das contas de popança objeto da presente lide, em fevereiro de 1989, com o reflexo nos juros remuneratórios de 0,5% incidentes naquele mês, atualizada, desde o expurgo, pela tabela do Tribunal de Justiça de São Paulo para débitos judiciais, vigente na época da execução, e acrescida de juros moratórios, desde a citação, pela taxa de 6% ao ano, com capitalização mensal, tudo até o efetivo pagamento. Pelo princípio da sucumbência, condeno o requerido, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, que fixo em 20% sobre o valor do débito oportunamente apurado.

Justifico a fixação da verba honorária no patamar máximo, em virtude do abuso de direito de defesa do requerido, impondo resistência a um direito há muito consagrado na jurisprudência, o que evidencia querer utilizar o trâmite do processo como instrumento de rolagem de dívida.

No tocante ao pedido antecipatório, não há interesse de agir, na modalidade necessidade, tendo em vista a natureza da tutela jurisdicional proferida na presente sentença.

Ocorre que, com o advento da Lei nº 10.444, de 07/05/2002, foi dada nova redação ao artigo 588, principalmente inciso II, do Código de Processo Civil, inovando o sistema processual vigente, para permitir atos de alienação de domínio em execução provisória, desde que prestada caução idônea — sendo esta última parte condizente com o parágrafo segundo do artigo 273 do Código de Processo Civil, que não permite antecipação que implique em risco de irreversibilidade.

Tal situação vale principalmente perante os Juizados Especiais Cíveis, onde, de regra, a eventual apelação possui apenas efeito devolutivo (artigo 43 da Lei nº 9.099/95). Assim, interposta eventual apelação pelo requerido, basta que a parte requerente, em contra-razões, ou por petição autônoma, requeira a extração de carta de sentença, para execução provisória do julgado – caso em que já deverá instruir o pedido com a memória de cálculo, nos termos do artigo 604 do Código de Processo Civil.

P.R.I.

São Paulo, 17 de abril de 2006.

ADRIANA BORGES DE CARVALHO

Juíza de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!