Venda polêmica

MPF tenta suspender leilão de privatização da CTEEP

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26 de junho de 2006, 20h46

O Ministério Público Federal em São Paulo entrou na briga judicial do leilão Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista. Enquanto uma ação discute a sucessão da dívida de R$ 6 bilhões da CTEEP com o governo paulista, o MPF entrou com Ação Civil Pública para suspender o leilão de privatização por falta da anuência prévia da Aneel — Agência Nacional de Energia Elétrica.

Segundo o Ministério Público, tanto a Aneel quanto o governo de São Paulo não cumpriram recomendação de procuradores para garantir a lisura do processo de privatização. O MPF alega que o estado, sócio majoritário da companhia, que tem concessão federal para transmissão de energia, não submeteu o edital de privatização à anuência prévia da agência reguladora. Por sua vez, a Aneel informou que não faria uma análise prévia do edital, mas apenas daria a anuência ou não, após conhecer a empresa ganhadora do certame.

Em tempo

O desembargador Walter do Amaral, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, está recorrendo contra decisão do vice-presidente do TJ paulista, Canguçu de Almeida. Este decidiu que não haveria sucessão do débito de R$ 6 bilhões com o governo. Já Amaral entende que o comprador da CTEEP tem de ser avisado de que pode sim ser responsabilizado pela dívida.

A dívida se refere a supostos prejuízos causados pela Paulipetro — consórcio firmado no governo Paulo Maluf (1979-1982) entre a Petrobrás, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e a Companhia Energética de São Paulo.

EXCELENTÍSIMO(a) SENHOR(a) JUIZ(a) FEDERAL DA VARA CÍVEL FEDERAL DA PRIMEIRA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República infra-firmados, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem, à presença de Vossa Excelência, propor, com fundamento na Constituição Federal (art. 129) e nas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em desfavor de:

1. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), representada por sua procuradoria jurídica, nos termos do art. 32, parágrafo único da Lei 9.472/97, com sede em Brasília, DF, no endereço SGAN Quadra 603, Módulos “I” e “J”, CEP 70830-030;

2. ESTADO DE SÃO PAULO, representado por seu governador, Dr. Claudio Lembo, que pode ser encontrado no Palácio dos Bandeirantes, situado na Av. Morumbi, 4500, São Paulo, Capital.

3. COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CTEEP – representada por seu Presidente, Dr. José Sidnei Colombo Martine, sediada à Rua Bela Cintra, 847, São Paulo Capital.

pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

1- Do Objeto desta Ação

A presente ação tem por objeto a obtenção de provimento jurisdicional que determine aos reús que cumpram o requisito contratual e legal essencial para o regular processo de transferência do controle acionário da CTEEP, exigindo-se que ANEEL aprecie e emita, se presentes os requisitos legais, em cumprimento aos seus deveres públicos, ato autorizativo para a alienação das ações antes da realização do leilão, que resultará na privatização da empresa estatal estadual, concessionária de serviço público federal de transmissão de energia elétrica.


2– Da legitimidade do Ministério Público Federal

Sob a égide da Constituição de 1988, o Ministério Público tornou-se o verdadeiro advogado da sociedade, incumbindo-lhe, nos termos do art. 127 da Carta Magna, “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, bem como, por força do art. 129, II, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Por outro lado, valendo-se do autorizativo do inciso IX do mesmo artigo 129, o legislador consumeirista legitimou o Ministério Público também à defesa de interesses individuais homogêneos (art. 82, CDC c/c art. 21 Lei 7347/85), desde que, no dizer da doutrina e jurisprudência majoritárias, sejam indisponíveis ou de relevante valor social.

No caso presente, sejam os interesses classificados como coletivos (se considerados de natureza indivisível, nos termos da definição do art. 81, parágrafo único, inciso II, do CDC) ou como individuais homogêneos, a legitimidade do Parquet é indiscutível. Assim, porque evidenciada a relevância social do serviço de energia elétrica, considerado pela lei como essencial (art. 10, I, da Lei 7783/89) bem como em razão da magnitude da lesão, verdadeiramente de massa.

3 – Da Competência da Justiça Federal

Pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5, XXXV, CF) nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser suprimida de sua apreciação. Nesta ação, combate-se a omissão da agência reguladora que se recusa a exercer seu poder de polícia, no âmbito do seu exercício de controle prévio, e expedir, se for o caso, ato autorizado para a alienação das ações CTEEP, antes da realização do leilão, que resultará na privatização da empresa estadual.

A competência da Justiça Federal decorre, nos termos do art. 109, I, CF, da condição de ré da ANEEL, autarquia pública federal, sob regime especial, vinculada ao Ministério das Minas e Energia (art. 1, Lei 9427/96).

Dentre as seções judiciárias da Justiça Federal, é competente, no caso presente a de São Paulo, visto que uma das rés é a ELETROPAULO, concessionária que oferece o serviço de fornecimento de energia elétrica em todo este Estado e só nele, sendo em conseqüência abrangidos os consumidores aqui residentes. Assim é por força do que dispõe o art. 2º da Lei n. 7.347/85, que prevê hipótese de competência funcional, absoluta, portanto:

“Art. 2 – As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

Como as lesões atacadas preventivamente tendem a atingir consumidores contratantes de serviço de fornecimento de energia elétrica por todo o Estado de São Paulo, trata-se de dano de âmbito regional. Neste caso, nos termos do inciso II do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, é competente para dirimir a questão uma das varas federais da capital, com competência para decidir a questão para toda a Seção Judiciária de São Paulo, sob pena de estabelecer situação desigual entre usuários da mesma concessionária infratora. A extensão da competência decorre também da indivisibilidade do objeto, visto que ataca-se a omissão da ANEEL em relação ao processo de transferência do controle acionário da CTEEP, empresa cujo controle acionário é do Estado de São Paulo.

Sendo competente a Justiça Federal, pela presença de autarquia federal no pólo passivo (art. 109, CF) o Ministério Público Federal é ramo do parquet legitimado, nos termos do art. 37, II, da Lei Complementar n. 75/93.

4 – Dos Fatos apurados na representação n. 1.34.001.003108/2005-23.


Foi instaurado, perante o parquet federal, o procedimento administrativo nº 1.34.001.003108/2005-23, em que se apura a legalidade do processo de alienação do controle acionário da COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA – CTEEP, sociedade de economia mista integrante da administração pública indireta do Estado de São Paulo.

Referida COMPANHIA é concessionária do serviço federal por força do contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059, celebrado em 20 de junho de 2001.

O artigo 1º, parágrafo único, da Lei Estadual n.º 11.930, de 20 de maio de 2005, autorizou o governo do Estado de São Paulo a promover a alienação das ações do capital social da CTEEP, no âmbito do Programa Estadual de Desestatização instituído pela Lei n.º 9.361, de 05 de julho de 1996.

A cláusula décima primeira – Compromisso do Acionista Controlador – do contrato de concessão nº 059/2001 prevê: “O ACIONISTA CONTROLADOR obriga-se a não transferir, ceder ou de qualquer forma alienar, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, as ações que compõem o controle societário da TRANSMISSORA, sem a prévia anuência da ANEEL.”

O dispositivo contratual está em consonância com o o art. 27, caput, da Lei Federal n.º 8.987/95 que condiciona a transferência do controle societário da concessionária à prévia anuência do poder concedente, sob pena de caducidade da concessão.

Ocorre que em 25 de maio de 2006 houve a publicação do Edital nº SF/001/2006 – dando aos interessados e à sociedade as informações básicas acerca das condições e dos termos da desestatização da CTEEP, mediante a alienação de ações, no próximo dia 28 de junho, sem a submissão da operação à apreciação pela ANEEL do aludido Edital.

Considerou-se, assim, desnecessária a aprovação – por meio de Resolução a ser editada pela ANEEL, formalizando a anuência da União ao processo de alienação do controle acionário – contrariando disposição contratual (cláusula 11ª do contrato de concessão 59/2001) e legal (artigo 27 da Lei nº 8.987/95). Assim, a anuência prévia tem por base o pedido formalizado pela concessionária e a apresentação, à ANEEL, dos termos das regras e procedimentos estabelecidos no Edital do Leilão de alienação das ações.

Constatada a ausência de cumprimento da formalidade, foi a Agência instada pelo MPF, por meio do ofício SOTC GAB-IVPS 12.167/06, a se manifestar sobre o fato. Em resposta, a ANEEL esclareceu que a anuência prévia seria colhida tão somente após a identificação do comprador, ou seja, após o encerramento e conhecimento da empresa vencedora do leilão.

Diante de tal posicionamento, houve o MPF por bem expedir a Recomendação nº 19, de 12 de junho de 2006, cujo teor pondera a necessidade de se observar o que dispõe o contrato de concessão e a lei no sentido de obter a prévia anuência do poder concedente para a alienação das ações.

Todavia, a despeito das considerações expendidas pelo MPF, a autarquia, por meio do ofício nº 584/2006-PF/ANEEL, expressamente afirmou que não cumpriria a recomendação, conforme abaixo destacado:

“Assim, verifica-se que não há exigência legal de anuência ao “processo” de transferência do controle acionário. É da responsabilidade do controlador originário, público ou privado, organizar uma seleção dos pretendentes a futuros controladores. No caso em comento, pelo fato de o bloco de ações da empresa ser um bem do Estado de São Paulo com conteúdo econômico, faz-se necessária uma licitação, na forma da Lei 8.666/93, relação controlada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

A atuação do Poder Concedente, na figura da ANEEL, se dá somente após a seleção de um pretendente. Nesse momento a ANEEL examina os requisitos de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal e, concluindo pelo atendimento dos requisitos legais, anui previamente à transferência do controle societário. Só então o controlador originário está autorizado a tomar as providências para efetivar a transferência, como realização de assembléia de acionistas e registro em cartório da operação, que se concluirá o processo. Não faria sentido que a ANEEL examinasse esses pressupostos provisoriamente na fase licitatória, como recomenda o douto MPF, e depois fazê-lo novamente, e em definitivo, após a seleção do pretendente e previamente à efetiva transferência do controle. Ademais, não há comando legal para tal atuação.”


Com esse entendimento, portanto, a agência reguladora negou-se a cumprir o que dispõe a lei.

Ocorre que é induvidoso o impacto financeiro direto para a União da transferência do controle acionário, tal como estabelecido ou pressuposto na operação de alienação do controle acionário da CTEEP, já que no entendimento da ANEEL “caso o Poder Concedente resolva não prorrogar a concessão [em 2015], deverá indenizar as parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis que ainda não tenham sido amortizados”.

Ademais, o não cumprimento das formalidades legais fere princípios estruturais da ordem econômica (art.170), especialmente os princípios da livre concorrência (inciso IV) e o princípio da defesa do consumidor (inciso V).

Ao mesmo tempo, essa omissão ilegal além de ferir princípios constitucionais, prejudica também diretamente os direitos e interesses da União, além dos interesses dos usuários, tendo em vista que não há qualquer análise, por parte do órgão regulador, de que a operação esteja resguardando a modicidade tarifária e a qualidade do serviço.

Desse modo, o entendimento da ANEEL- ao ser omissa – gera nulidade do leilão, pela a inobservância de formalidade legal essencial para o oferecimento público das ações ordinárias e o conseqüente aperfeiçoamento do negócio jurídico.

O leilão ocorrerá no dia 28 de junho próximo e, conforme demonstrado, a fase antecedente obrigatória para a sua realização – anuência prévia da ANEEL – não foi cumprida.

Assim, tendo a agência deixado de observar a recomendação ministerial, não resta outra alternativa a não ser recorrer à intervenção do Poder Judiciário para adequar a postura da ANEEL aos ditames legais.

4.1. A EXPEDIÇÃO DA RECOMENDAÇÃO N. 09, DE 06.03.2006.

Antes de expedir a recomendação acima mencionada, o parquet, entendendo que outras questões prejudicavam a realização do leilão, exarou a Recomendação nº 09, de 6 de março de 2006, cujo conteúdo abaixo reproduzimos:

“RECOMENDAÇÃO MPF/SP N.º 09 , de 06 de março de 2006.

Os PROCURADORES DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO infra-assinados, no exercício das atribuições que lhes foram conferidas pelos arts. 5º, III, “e”, e 6º, XX, da Lei Complementar Federal n.º 75/93,

CONSIDERANDO a instauração do procedimento administrativo nº 1.34.001.003108/2005-23, no qual se apura a legalidade do processo de alienação do controle acionário da COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA – CTEEP, sociedade de economia mista integrante da administração pública indireta do Estado de São Paulo.

CONSIDERANDO que referida COMPANHIA é concessionária do serviço por força do contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059, celebrado em 20 de junho de 2001.

CONSIDERANDO que o art. 1º, parágrafo único, da Lei Estadual n.º 11.930, de 20 de maio de 2005, autorizou o governo paulista a promover a alienação das ações do capital social da COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA – CTEEP, no âmbito do Programa Estadual de Desestatização instituído pela Lei n.º 9.361, de 05 de julho de 1996.

CONSIDERANDO que o art. 27, caput, da Lei Federal n.º 8.987/95 condiciona a transferência do controle societário da concessionária à prévia anuência do poder concedente, sob pena de caducidade da concessão.


CONSIDERANDO que, nos termos do art. 3º da Lei Federal n.º 9.427/96, compete à AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL, “celebrar e gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica” e ainda “efetuar o controle prévio e a posteriori de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a abstenção do próprio ato ou contrato”.

CONSIDERANDO a iminente publicação do edital de venda do controle acionário da concessionária e o anúncio de que o leilão de privatização ocorrerá no dia 15 de março próximo.

CONSIDERANDO que, pelo que se depreende da leitura dos itens 1.2.2. e 4.2. do documento “Diretrizes Básicas do Edital de Alienação de Ações do Capital Social da CTEEP”, o atual concessionário do serviço imagina estar autorizado a ofertar, ao adquirente do controle acionário, a celebração de novo contrato de concessão com a UNIÃO, por intermédio da ANEEL.

CONSIDERANDO que o parágrafo único do já citado art. 27 da Lei Federal n.º 8.987/95 condiciona a anuência da ANEEL à aceitação, pelo novo controlador, de todas as cláusulas do contrato de concessão vigente.

CONSIDERANDO que a cláusula décima segunda do contrato celebrado com a CTEEP estabelece que “a presente concessão para transmissão de energia elétrica, prorrogada nos termos da Portaria MME n.º 185, de 06 de junho de 2001, tem prazo de 20 (vinte) anos, contado a partir da vigência da Lei 9.074, de 1995, encerrando-se em 7 de julho de 2015.

CONSIDERANDO que, interpelado pelo Ministério Público Federal, o Procurador Geral da Agência asseverou, textualmente, que “a transferência do controle acionário da concessionária [a CTEEP] não ensejará alteração do contrato da concessão, diante do expresso permissivo legal para a transferência do controle acionário de concessionária, atendidas as condições mencionadas na Lei” (ofício n.º 1016/2005-PF-ANEEL).

CONSIDERANDO que, em ofício anterior, de n.º 785/2005-PF/ANEEL, o Procurador-Geral Substituto da mesma Agência, também dissera que “no processo de privatização da CTEEP, o novo controlador deverá atender às cláusulas contratuais já pactuadas (…) conforme estabelecido no Contrato de Concessão n.º 059/2001, celebrado entre a União e a CTEEP”.

CONSIDERANDO, todavia, que ao ser indagado especificamente sobre a anunciada pretensão do concessionário à celebração de novo contrato de concessão em benefício do grupo econômico adquirente do controle acionário, o Procurador Geral da ANEEL estranhamente modificou seu entendimento para, agora, defender a tese de que “há sólidos fundamentos jurídicos para a privatização da CTEEP com a aplicação da regra prevista no art. 27 da Lei 9.074/95[1], vale dizer, mediante a simultânea outorga de nova concessão”. Segundo o eminente advogado público, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN n.º 1.582-DF, entendeu constitucional a venda do controle acionário da concessionária simultaneamente à outorga ou prorrogação da concessão anteriormente celebrada.

CONSIDERANDO que o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN n.º 1.582-DF, enfrentou tão somente questão anteriormente suscitada pelo professor Toshio Mukai, a saber, que, nos casos de privatização de empresas concessionárias de serviço público, o leilão para transferência do controle acionário supre a exigência constitucional de licitação prévia, para a formalização da transferência da concessão[2].


CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, no acórdão da referida ADIN, não emitiu juízo algum a respeito da melhor interpretação da frase “outorga de nova concessão ou com a prorrogação das concessões existentes a União” contida no art. 27 da Lei Federal n.º 9.074/95.

CONSIDERANDO que, diversamente do que ocorreu em todas as outras privatizações, a COMPANHIA cujo controle acionário está sendo posto à venda celebrou contrato de prorrogação com a União, com fundamento no permissivo contido no art. 19 da Lei Federal n.º 9.074/95[3].

CONSIDERANDO que, consoante se depreende da leitura do art. 175 da Constituição brasileira e do art. 42 da Lei Federal n.º 8.987/95, a prorrogação das concessões outorgadas em desconformidade com a Lei de regência – caso da CTEEP – constitui verdadeira exceção ao princípio geral da licitação, admitida tão somente para garantir o princípio da continuidade do serviço prestado.

CONSIDERANDO que o invocado art. 27 da Lei Federal n.º 9.074/95 não pode regular o presente caso uma vez que a COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA já foi beneficiada por contrato que lhe assegurou, sem prévia licitação, a exploração econômica de um serviço público federal pelo prazo de 20 anos.

CONSIDERANDO que, a vingar o último entendimento exarado pela Procuradoria Geral da ANEEL, uma concessionária poderia, em tese, explorar o serviço público de energia elétrica, sem licitação alguma, pelo prazo de 50 anos[4].

CONSIDERANDO que tal entendimento é manifestamente contrário aos princípios constitucionais da isonomia, legalidade, impessoalidade e moralidade e também à regra geral contida no art. 175 da Constituição brasileira.

CONSIDERANDO que, ao optar pela prorrogação da concessão que lhe fora outorgada, a CTEEP expressamente renunciou a eventuais direitos preexistentes que contrariassem a Lei Federal n.º 8.987/95 (art. 25 da Lei Federal n.º 9.074/95 e cláusula segunda do contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059/2001).

CONSIDERANDO que, por esse motivo, não pode ela, agora, valer-se do permissivo do art. 27 da Lei Federal n.º 9.074/95 para descumprir cláusula pela qual “presente a concessão para transmissão de energia elétrica, (…) tem prazo de 20 anos, contado a partir da vigência da Lei 9.074, de 1995, encerrando-se em 7 de julho de 2015.

CONSIDERANDO que as hipóteses de extinção do contrato de concessão do serviço estão taxativamente elencadas no art. 35 da Lei Federal n.º 8.987/95, não havendo previsão específica para a hipótese aventada pela Procuradoria Geral da ANEEL (extinção do contrato e celebração de nova concessão).

CONSIDERANDO que, além de contrário aos princípios constitucionais da isonomia, legalidade, impessoalidade e moralidade, o entendimento exarado pelo Procurador Geral da ANEEL é claramente lesivo ao patrimônio da União, uma vez que o adquirente do controle acionário da COMPANHIA pagará ao antigo concessionário (o Estado de São Paulo), e não ao poder concedente, pelo direito de explorar o serviço de energia elétrica por 30 novos anos.

CONSIDERANDO que o art. 4º, inciso III, “a”, da Lei Federal n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular) eiva de nulidade o contrato de concessão celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, quando essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral.


CONSIDERANDO o disposto no art. 10, incisos I, II, VII, VIII, IX e XII, e art. 11, inciso I, todos da Lei Federal n.º 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa).

CONSIDERANDO, finalmente, que as manifestações contraditórias apresentadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica a respeito da vigência do atual contrato de concessão n.º 059/2001 provocam ambiente de insegurança jurídica de todo incompatível com a venda, em leilão, do patrimônio público paulista.

RESOLVEM, com o escopo de resguardar os direitos e interesses da União no processo de alienação do controle acionário da COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA – CTEEP, RECOMENDAR À DIRETORIA GERAL e à PROCURADORIA FEDERAL DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA que:

a) se abstenham de celebrar novo contrato de concessão do serviço público de transmissão de energia elétrica em benefício do adquirente do controle acionário da referida COMPANHIA;

b) cumpram e façam cumprir o contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059/2001, regularmente celebrado com a COMPANHIA.

c) informem adequadamente os investidores e consumidores do serviço, no prazo de 05 dias, acerca da vigência do contrato em questão, notadamente do disposto na cláusula décima segunda do instrumento contratual.

A despeito das considerações expendidas pelo MPF, a Agência – por meio do ofício 376/2006-PF/ANEEL – posicionou-se no sentido de não cumprir a Recomendação.

5 – DO DIREITO: DA NECESSIDADE DE ANUÊNCIA PRÉVIA DA ANEEL AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

5.1 – DA DEFINIÇÃO DO PROCESSO DE ALIENAÇÃO DE AÇÕES DO CAPITAL SOCIAL DA CTEEP PREVISTO NO EDITAL Nº SF 001/2006

O Edital nº SF/001/2006, que dá aos interessados e à sociedade as informações básicas acerca das condições e dos termos da desestatização da CTEEP – Companhia de Transmissão de Energia Elétrica, mediante a alienação de ações foi publicado em 25 de maio de 2006, sem a submissão da operação à apreciação pela ANEEL do aludido Edital. O Estado de São Paulo – controlador da CTEEP – considerou, de modo ilegal, desnecessária a formalização da anuência da União (mediante Resolução a ser editada pela ANEEL) ao processo de alienação do controle acionário.

Porém, como se demonstrará, este LEILÃO de privatização necessita da anuência prévia do poder concedente, a União, que nesta operação deve ser representada pela ANEEL, autarquia federal de regime especial encarregada legalmente de regular e fiscalizar o setor elétrico, agindo como Poder Concedente, em havendo a competente Delegação.

No âmbito do Setor Elétrico, existe determinação legal de que a prática de atos autorizativos encontra-se no âmbito das competências reservadas ao Poder Concedente (ou seja, a União), na forma do artigo 3-A da Lei 9.427/1996.


Em razão do Decreto nº 4970/2004, a União delegou à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL o exercício das competências estabelecidas no citado artigo 3o-A da Lei 9.429/1996, e o fez através do referido ato do Chefe do Poder Executivo Federal.

A COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA – CTEEP é concessionária do serviço público federal, por força do Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica n.º 059/2001. No contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059, celebrado em 20 de junho de 2001, a claúsula décima primeira – Compromisso do Acionista Controlador, assim prevê:

“O ACIONISTA CONTROLADOR obriga-se a não transferir, ceder ou de qualquer forma alienar, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, as ações que compõem o controle societário da TRANSMISSORA, sem a prévia anuência da ANEEL.”

No mesmo sentido dispõe o Contrato de Concessão de Transmissão nº 143/2001 – ANEEL-CTEEP, em sua décima primeira subcláusula, I, “a”.

O Edital nº SF/001/2006 – que oferece aos interessados e à sociedade as informações básicas acerca das condições e dos termos da desestatização da CTEEP, mediante a alienação de ações, define no Capítulo 1, item 1.1:

LEILÃO como: “é leilão público especial de alienações das AÇÕES, na forma de maior lance, conforme descrito neste edital”( inciso XXX).

NOVO(S) CONTROLADOR(ES) : é(são) o(s) adquirente(s) do único lote das AÇÕES, inclusive a SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO que poderá vir a ser utilizada para fins do disposto no item 4.6.2 deste EDITAL, incluindo os seus cessionários e sucessores legais( inciso XXXIII).

PROCESSO: é o conjunto de procedimentos relativos à desestatização da CTEEP, mediante a alienação de ações representativas de seu capital social(inciso XLVI).

Nota-se, pelos conceitos transcritos, que o processo de privatização da CTEEP é composto por diversas fases, nas quais existem uma série de formalidades que devem ser cumpridas. Deste modo, a simplificação da participação da ANEEL ao final do processo de alienação é ilegal e, portanto, prejudicial ao interesse público e da sociedade.

Em uma conjugação simples e literal das definições trazidas no Edital e nos Contratos de Concessão só se pode concluir que A ANUÊNCIA PRÉVIA DA ANEEL É OBRIGATÓRIA EM DOIS MOMENTOS DO PROCESSO: na fase anterior à alienação das ações (na qual a ANEEL averiguará as condições da oferta das mesmas, no que diz respeito à possibilidade de continuidade dos contratos de concessão) e, na fase posterior à compra, como condição para a efetivação da transferência das ações ao novo controlador acionário.

Na primeira fase, a anuência prévia tem por base o pedido formalizado pela concessionária e a apresentação, à ANEEL, dos termos das regras e procedimentos estabelecidos no Edital do Leilão de alienação das ações, no que for do interesse da concessão do serviço público federal. A referida verificação da regularidade do processo de transferência é dever legal plenamente exigível na fase licitatória do processo de alienação do controle societário, já que todas as condições da operação se encontram devidamente estruturadas, vinculando estritamente aos seus termos editalícios quaisquer interessados.


De forma induvidosa, a análise do Instrumento Convocatório e seus elementos, por parte da ANEEL, é pressuposto procedimental essencial para resguardar e comprovar a legitimidade dos termos e condições da operação de alienação do controle acionário decidida pelo Governo do Estado de São Paulo. Assim,o entendimento da ANEEL- em ser omissa – gera nulidade do leilão, pela a inobservância de formalidade legal essencial para o oferecimento público das ações ordinárias e o conseqüente aperfeiçoamento do negócio jurídico.

O não cumprimento das formalidades legais prejudica os direitos e interesses da União e dos usuários, colocando em risco o próprio leilão de alienação das ações, dentro dos parâmetros constitucionais, já que há flagrante ofensa jurídica à segurança jurídica dos interessados em participar da operação que representa significativo volume de investimentos, além de não haver qualquer análise, por parte do órgão regulador, de que a operação esteja resguardando a situação dos usuários do serviço.

Vale ressaltar, que o entendimento aqui esposado não é estranho às Rés, tanto que pende, junto à ANEEL, o Procedimento nº 48500.006138/05-50, que objetiva a produção da anuência prévia à alienação do controle acionário da CTEEP. No meio do caminho, mudou-se a posição… Publicou-se um Edital com a intenção de praticar a irregularidade e depois se trabalhar com o fato consumado! Mas, a questão foi trazida a tempo ao Judiciário que, certamente, corrigirá essa falha processual que mina todo o processo de venda.

O outro momento processual da manifestação da ANEEL ocorre após a definição do novo controlador acionário. Nesta fase, cumpre à ANEEL a verificação adequada das exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço público, bem como o comprometimento do cumprimento de todas as cláusulas do contrato de concessão em vigor, nos exatos termos do art. 27, parágrafo único da Lei 8.987/1995;

A ANEEL entende ou pretende fazer valer o entendimento de que à sua obrigação de participação no processo de transferência do controle acionário é apenas nesta fase posterior à alienação: nos termos do ofício nº 553/2006-PF/ANEEL – encaminhado em resposta ao ofício ministerial SOTC GAB-IVPS nº 12.617/06 – a Agência Reguladora diz que a formalidade prevista no artigo 27 da Lei nº 8.987/95 – qual seja, a prévia anuência do Poder Concedente – no caso da alienação das ações ordinárias da CTEEP – dar-se-á, tão somente, após a identificação do comprador, ou seja, após encerramento e conhecimento da empresa vencedora do certame licitatório paulista.[5]

A omissão da ANEEL, portanto, é manifestamente contrária aos princípios constitucionais da isonomia, legalidade, impessoalidade e moralidade, bem como à regra geral contida no art. 175 da Constituição Brasileira, já que significa ilegítima renúncia ao cumprimento dos seus deveres legais, em face dos interesses públicos que lhe incumbe proteger e curar, revelando profunda deslealdade para com a razão de ser de sua missão legal como órgão regulador e agente delegado da União;.

Por todo o exposto, o momento anterior à alienação também exige a anuência prévia da ANEEL e é sobre a necessidade de cumprimento desta formalidade que versa esta AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.

5.2. DA OMISSÃO DA ANEEL QUANTO AO PRAZO DE VIGÊNCIA DA CONCESSÃO DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA OUTORGADA À CTEEP, ATRAVÉS DO CONTRATO N. 59/2001, COM PREVISÃO ILEGAL DE POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO.

Além das omissões acima tratadas, gravíssimas quanto às suas dimensões em face do interesse público em jogo na alienação das ações ordinárias objeto do Edital nº SF/001/2006, a necessidade de suspensão do processo de alienação encontra fundamento em outra omissão ilegal e inconseqüente do órgão regulador.


Conforme consta do próprio Edital, a empresa vencedora está obrigada a assinar termo de anuência e submissão ao contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica da CTEEP assinado com a ANEEL, na qualidade de poder concedente dos serviços de transmissão de energia elétrica. Por outro lado, exige-se declaração expressa de que a empresa vencedora manterá e implementará melhorias, durante o prazo de concessão, na atual capacidade técnica e comercial da companhia de forma a garantir a adequação dos serviços prestados e a qualidade do atendimento comercial, nos termos da lei.

Como elemento essencial, resta claro, para a definição do próprio interesse em participar do leilão (ou seja, como elemento fundamental à disputa efetiva, real e isonômica), é inquestionável que exista transparência absoluta quanto à situação do prazo de vigência da concessão outorgada à CTEEP, porque diretamente ligado ao retorno do investimento feito pela companhia (e novos detentores do controle acionário) no serviço público explorado, bem como porque diretamente ligado à disponibilidade do serviço por parte do seu titular, no caso, a União, representada pela ANEEL.

Conforme estipulação da Cláusula Décima Segunda, contrato de concessão nº 059/2001, é certo que tem como termo final a data de 07.07.2015, momento no qual, por força da Constituição Federal (art. 175) e da Lei nº 8987/1995, o titular do serviço público está obrigado a realização de nova licitação para proceder à nova outorga, promovendo o devido encerramento da relação contratual, com o levantamento de todos os bens reversíveis, e identificação da parcela não amortizada na ocasião, que, na forma da lei, acarreta o dever de indenização integral desta parcela em favor da companhia, por parte da União, ente titular do serviço.

O referido contrato, de forma totalmente inconstitucional, trata de prever hipótese de prorrogação pelo prazo de 20 (vinte) anos, supostamente autorizada para “assegurar a continuidade e qualidade do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO”, fazendo alusão à decisão discricionária do PODER CONCEDENTE, já que manda observar o “interesse público” e embasa em “relatórios técnicos específicos preparados pela fiscalização da ANEEL”.

Já na audiência pública ocorrida em 21.12.2005, ao responder a pergunta (iv), já restava injustificadamente obscuro a quaisquer interessados qual a verdadeira hipótese considerada quanto à situação do prazo do contrato de concessão nº 059/2001, pois apenas se frisou que “Ele será pré-definido, como a gente sabe, antes e fará parte já do Edital. No Edital todos terão os principais termos e que poderão fazer da análise de qualquer pessoa, de qualquer investidor”.

Não sem razão o Tribunal de Contas da União, no âmbito do processo TC-017-456/2005-4, em manifestação da SEFID, datada de 15.12.2005, considerou ser procedente a denúncia relativa à ilegalidade da prorrogação constante da Cláusula Décima Segunda do Contrato de Concessão nº 059/2001 ANEEL-CTEEP.

Até a presente data, na verdade, encontra-se devidamente explicitada uma situação em que, por omissão voluntária, a ANEEL deixa de interferir em momento crucial que atinge a concessão e logicamente o seu prazo de vigência, considerando as conseqüências da desestatização do controle acionário da CTEEP, que será transferido para a iniciativa privada.

Esta situação torna totalmente intolerável a tese formalista e unânime dos réus de que somente após a venda deve a ANEEL intervir, produzindo a anuência previa à transferência do controle acionário.

Em verdade, mantendo-se na omissão e considerando a relevância dos investimentos privados na operação, a ANEEL implicitamente manifesta-se pela prorrogação do contrato nº 59/2001, decisão esta todavia que, em homenagem à isonomia, moralidade, publicidade e impessoalidade, é de per se inconstitucional e ilegal (como anotou o Tribunal de Contas da União) e, mesmo que, em 2015, uma situação extraordinária a legitime, deverá na ocasião (e somente na ocasião) ser adotada e comunicada dentro de critérios os mais transparentes possíveis, já que em jogo serviço público, de que ela própria não tem a mínima disponibilidade, mas tão somente o dever de assegurar sua prestação adequada ao longo do tempo.

De fato, analisando-se cuidadosamente a resposta da ANEEL, constante do Ofício nº 584/2006, datado de 22.06.2006, está claro que a ANEEL sublinha a autonomia das “concessões” já outorgadas à CTEEP, no caso através dos contratos nº 59/2001 (término em 2015) e nº 143/2001 (término em 2031), alegando exatamente que não está EXPLICITAMENTE outorgando nova concessão ou autorizando prorrogação das concessões existentes para que se afaste do dever de manifestação da ANEEL na fase processual que antecede a venda das ações em leilão público. Afirma textualmente que a situação da CTEEP é uma “situação absolutamente diversa”, porque somente estaria em jogo a transferência de controle acionário.


Ora, o fato de que outro contrato de concessão foi firmado (o de nº 143/2001, com vigência até 2031), na verdade, somente desabona a omissão da ANEEL que se recusa veementemente exercer sua competência constitucional e legal quanto aos serviços de transmissão de energia elétrica, em cuja exploração tem o dever de incentivar a competitividade, e, obviamente, posto um processo de desestatização com a necessária disputa pela iniciativa privada do controle da empresa concessionária, a ANEEL está obrigada a garantir que a transferência das ações seja efetuada segundo a integral observância de todos os princípios públicos e republicanos que regem, não apenas a atividade do ente regulador, mas também o próprio serviço publico, em função do regime jurídico.

Com a omissão voluntária, o órgão regulador dos serviços de transmissão de energia elétrica acaba por renunciar ao exercício de um dever-poder inscrito no rol de sua competência regulatória; ou, mais do que isto, no núcleo desta competência regulatória, já que coloca uma situação de fato que, em suas conseqüências, afetará visceralmente a apreciação do órgão, quanto à prorrogação contratual, ilegalmente prevista para o ano de 2015 e já rechaçada pelo TCU em manifestação técnica abalizada.

É deveras sintomático que o interesse público prestigiado pela omissão da ANEEL é tão somente o interesse do Governo do Estado de São Paulo, que, neste momento, busca efetivar a alienação do controle acionário então nas mãos de entidades de sua Administração Indireta. É deveras sintomático porque os motivos aduzidos pela ANEEL correspondem, na exata medida, às justificativas apresentadas pelo Procuradoria Geral do Estado, ao responder ao não cumprimento da exigência ministerial exarada na Recomendação n. 20/2006, pela qual se requereu a intervenção do órgão regulador antes da realização do leilão.

Assim é que a Procuradoria afirma textualmente que “saliente-se que a anuência da ANEEL para a transferência do controle acionário, diferentemente daquela necessária à outorga ou prorrogação do contrato de concessão, não traduz juízo de conveniência ou oportunidade por parte do poder concedente, na medida em que o órgão regulador é obrigado a ter-se a verificação dos requisitos de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade fiscal, nos exatos termos do dispositivo legal supra-citado.”

Observa-se que, a qualquer custo, já está demonstrada a decisão inconstitucional do órgão regulador (pelo seu silêncio eloqüente) pela prorrogação, uma conduta pela qual, contra a Constituição, a agência opta pelo seu aprisionamento prévio e ilegal da ANEEL, em apreciação a ocorrer no momento em que findar o contrato de concessão nº 59/2001.

Apesar de selar a situação jurídica de interesse da União quanto às obrigações, deveres e direitos existentes no encerramento do vínculo da concessão, a ANEEL e Governo do Estado de São Paulo insistem na mera rotulação de que apenas está ocorrendo uma “venda de ações”, negando-se a primeira a manifestar-se previamente à operação, inclusive para o fim de analisar as conseqüências da operação quanto ao destino da própria concessão.

Cabe, assim, a urgente tutela jurisdicional para exigir da ANEEL que cumpra os deveres assinalados á mesma como órgão regular e defenda os interesses, não do titular do controle acionário da empresa concessionária nem da iniciativa privada beneficiária da desestatização, mas sim os interesses públicos objetivados em lei, ligados à atividade regulada, em nome da União.

5.3 –Da OMISSÃO DA ANEEL E A VIOLAÇÃO àS REGRAS DA LIVRE CONCORRÊNCIA: ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DE FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Dispõe a Constituição Federal:

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:


IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

IV – a obrigação de manter serviço adequado.”

Na nova conformação do Estado brasileiro, em que este se retirou do papel de executor de inúmeros serviços públicos, passando-os à iniciativa privada, as funções de regulação e fiscalização conferidas às agências são de suprema importância estratégica. A Lei 9427/96, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica e disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, definiu em seu artigo 2 a finalidade da agência:

Art. 2o A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.

A mesma lei confere à ANEEL importantes e amplas atribuições legais na regulação e fiscalização dos serviços:

Art. 3o Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei nº 8.987/95, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:

IV – celebrar e gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, expedir as autorizações, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços de energia elétrica;

VIII – estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre agentes e a impedir a concentração ecomômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si;

IX – zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica;

….

XIII – efetuar o controle prévio e a posteriori de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a abstenção do próprio ato ou contrato.(GRIFAMOS)

É inegável que não se pode falar em estabelecimento de condições, restrições e limites para a obtenção ou para a transferência de concessões, ou ainda em estabelecimento de condições, restrições e limites para a realização de negócios após a realização do LEILÃO!

As funções acima transcritas de fiscalização e regulação estão diretamente relacionadas, na medida em que mais eficiente será o serviço se mais precisos forem os dados de que disponha a agência, especialmente no processo de transferência do controle acionário. Por essa razão são amplos os poderes fiscalizatórios da ANEEL.


Nos referidos artigos 29 e 30 da Lei 8987/95 destacam-se as seguintes incumbências da ANEEL:

“Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

I – regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;

Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária.

Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

No artigo 31 da mesma lei há dispostivo pertinente:

Art. 31. Incumbe à concessionária:

III – prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato;

V – permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis;

Mas qual seria a importância da anuência prévia da ANEEL na fase anterior à alienação das ações da CTEEP: FISCALIZAR E REGULAR O QUÊ E PARA QUÊ? O QUE ESTÁ EM JOGO, QUAIS OS BENS ATINGIDOS?

O que está em jogo neste caso é a harmonia da ordem econômica, pela preservação de seus princípios. Daí, a finalidade legal é exatamente proteger os princípios constitucionais da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor.

Ao colocar no mesmo patamar a livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios a serem observados pela ordem econômica brasileira, a lição do constituinte foi clara: ambos devem somar-se para assegurar um serviço de qualidade num cenário que favoreça a competição entre os qualificados, que proporcione a desconcentração, nesse mercado que deve ser acompanhado, regulado e fiscalizado pela ANEEL. É a ANEEL que tem a obrigação precípua de garantir à sociedade que as regras e limites para a compra da empresa atendem o interesse público. Nesse esteio, vale trazer as sempre lúcidas palavras de Tércio Sampaio Ferraz:

"A livre concorrência de que fala a atual Constituição como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV) não é a do mercado concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluida, isto é, exigência estrita de pluralidade de agentes e influência isolada e dominadora de um ou uns sobre outros. Trata-se, modernamente, de um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto de plurialidade quanto de fluidez. É este elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base da formação dos preços, o que supõe livre iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada".[6]


Arnoldo wald e luiza rangel de moraes, na Revista de Informação Legislativa nº141, bem caracterizam o necessário trabalho das agências em sede de defesa da concorrência em benefício do consumidor-usuário:

"Tem-se entendido que uma regulação eficiente deve atender a dois requisitos essenciais: a independência da agência reguladora (definida como a capacidade de buscar prioritariamente o atendimento dos direitos e interesses do usuário e a eficiência da indústria, em detrimento de outros objetivos conflitantes, tais como a maximização do lucro, em sistemas monopolistas, a concentração de empresas em setores mais rentáveis do mercado, ou a maximização das receitas fiscais) e a escolha de instrumentos que incentivem a eficiência produtiva e alocativa."

[…]

É importante considerar que há segmentos de atividades em que o serviço público é prestado de forma monopolística – como, por exemplo, na área de eletricidade, exigindo, muitas vezes, da ação regulatória uma verdadeira simulação das condições de uma concorrência perfeita ao mesmo tempo em que deve adotar mecanismos para estimular a eficiência na prestação de serviços e a alocação adequada dos investimentos.

[…]

Delegando a prestação de serviço de sua competência à empresa privada, incumbe ao poder concedente, por intermédio dos órgãos que compõem a sua estrutura administrativa, zelar pelo controle da qualidade do serviço e da sua regularidade, mediante mecanismos fiscalizatórios, além de assegurar aos usuários o atendimento a seus direitos ao serviço adequado e uma tarifa módica.”

Não obstante essas condicionantes, a ANEEL omite-se no seu papel de agência reguladora e contamina todo o processo de alienação das ações da CTEEP. As leis 9.427/96, 9.648/98 e 10.604/02 prevêem o dever da ANEEL de anuir previamente à alienação para evitar abusos e proteger o equilíbrio do mercado, com o respeito ao princípio da livre concorrência – o que não ocorrerá na outra fase de anuência, que versa especificamente sobre a observância do atendimento dos requisitos legais pelo ganhador do LEILÃO.

Deveria a Agência ter atentado à necessidade de ANUÊNCIA PRÉVIA prevista em lei, fazendo valer a cláusula supratranscrita e os princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consumidor, bem como toda a legislação referida para evitar o uma ilegalidade que resultará na nulidade de todo o processo de alienação.

Desse modo, existe todo um aparato jurídico, tanto doutrinário como legal, que impõem obrigação à ANEEL em não ser omissa:

“Art. 29 (Lei 8987/95). Incumbe ao poder concedente:

XI – incentivar a competitividade; e

Art. 3o (Lei 9.427/96) Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:

VIII – estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)

IX – zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)


XIII – efetuar o controle prévio e a posteriori de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a abstenção do próprio ato ou contrato.”

No Decreto 2335/97:

Art. 3º A ANEEL orientará a execução de suas atividades finalísticas de forma a proporcionar condições favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia elétrica ocorra com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, observando as seguintes diretrizes:

II – regulação e fiscalização realizadas com o caráter de simplicidade e pautadas na livre concorrência entre os agentes, no atendimento às necessidades dos consumidores e no pleno acesso aos serviços de energia elétrica;”

Art. 4º À ANEEL compete:

II – incentivar a competição e supervisioná-la em todos os segmentos do setor de energia elétrica;”

Art. 12. A ação regulatória da ANEEL, de acordo com as diretrizes e competências estabelecidas neste Anexo, visará primordialmente à:

IV – manutenção da livre competição no mercado de energia elétrica.

Art. 13. O exercício da livre competição deverá ser estimulado pelas ações da ANEEL, visando à proteção e defesa dos agentes do setor de energia elétrica e à repartição de forma justa dos benefícios auferidos, entre esses agentes e os consumidores.”

Sobre tão farta legislação, a conclusão não poderia ser diferente da havida por Ana Maria Nusdeo:

A conclusão decorrente de uma análise sistemática das leis dos setores de energia elétrica, telecomunicações e de exploração de petróleo, em cotejo com a disciplina legal de proteção à concorrência, permite afirmar que as agências detêm o dever funcional para promover a concorrência, zelando para que os sistemas de atribuição de concessões, autorizações e permissões levem em conta a necessidade de que os mercados envolvidos funcionem em competição” [7]

Como transcrito e demonstrado, existe farta legislação (e também fundamentação constitucional) para que a ANEEL exerça seu papel de agência reguladora e de poder concedente e analise, previamente, o processo de alienação das ações com a finalidade de transferência do controle acionário. Não age assim por falta de postura regulatória de efetivo estímulo à concorrência . São situações assim que justificam o temor de Ana Maria Nusdeo:

“Ao se tratar do relacionamento entre sistemas de defesa da concorrência e órgãos reguladores deve-se levar em consideração dois aspectos. Em primeiro lugar, a necessidade de se assegurar uma aplicação uniforme e sistêmica do Direito e das políticas concorrenciais no país como um todo. Do contrario, se as agências se pusessem a aplicá-los por sua conta, correr-se-ia o risco de incoerência e fragmentação da política de concorrência. Além disso, é conveniente que as agências, dotadas da capacitação técnica apropriada, sejam aproveitadas no tratamento de problemas que freqüentemente envolvem questões de grande especificidade e tecnicidade. No entanto, a transferência de poderes exclusivos às agências é uma alternativa perigosa, tomando-se em consideração o risco de sua captura pelos interesses regulados, à medida que o contato reiterado com os agentes econômicos atuantes no setor tende a produzir uma identificação entre os interesses dessas empresas e os dos funcionários das agências.”[8]


A omissão da ANEEL é lesiva à ordem constitucional econômica e serve de mote para o que o Estado de São Paulo, como controlador acionário, não respeite os termos do contrato de concessão em comento e atropele as fases processuais, descumprindo as formalidades legais.

Cabe à ANEEL, valendo-se dos princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consumidor, norteadores da ordem econômica brasileira, possibilitar que a liberdade da concessionária em gerir seu negócio e estabelecer os contratos, não prejudique o usuário do serviço público ou o patrimônio da CTEEP, que é o instrumental da empresa para a prestação desse serviço essencial. Mais uma vez, vale trazer à colação as palavras de Cristiane Derani:

“Tomo o argumento de Gordillo para dizer que as empresas privadas prestadoras de serviço público, em determinados atos, estão realizando atos administrativos. Quando se relacionam com o cidadão-consumidor, pela qualidade do produto, preço, e circulação do bem, submetem-se às regras jurídicas de direito público e exercem um dever. Segundo o autor, a ‘ faculdade do exercício de poderes próprios da administração pública está na essência de todas as concessões’.

Tendo sido outorgado pela lei à empresa o exercício de uma potestade pública, traduzida em poderes de império ou mando que os particulares não tenham sobre outros particulares, suas ações devem se submeter à norma jurídica que especificamente regula tais atividades bem como às normas constitucionais relativas à administração de pública.”[9]

Neste contexto, para contrabalançar esta situação, surgem os órgãos e agências reguladoras, contra as distorções provocadas por este modelo de mercado monopolista, em que deve assumir o Estado o papel de regulador, tendo em vista garantir, como direito fundamental dos consumidores e usuários, a igualdade "imaginária" dos benefícios que um mercado concorrencial ofereceria aos consumidores. Este é o papel da ANEEL.

Não o fez. Cabe correção judicial.

6. DA DESNECESSIDADE DE OITIVA PRÉVIA DOS REPRESENTANTES DAS PESSOAS JURÍDICAS, RÉS NA PRESENTE AÇÃO.

A tutela ora postulada deve ser conferida de imediato.

Por duas razões.

A primeira delas, é que a posição do ente regulador – a ANEEL – a respeito do assunto já está definitivamente adotada, em que pese a intervenção administrativa do MPF, incorporada na Recomendação expedida nos autos do Procedimento Administrativo 1.34.001.003108/2005-23.

Esta inteligência, em prol da celeridade processual e da inocuidade de manifestações meramente formais levou o Ilustre Magistrado Federal Dr. Djalma Moreira Gomes a reputar desnecessária a oitiva prévia do ente público, quando a petição inicial já vinha instruída com manifestação recente deste sobre os fatos de que tratava a ação:

Por fim, uma observação sobre o disposto no art. 2º da Lei n. 8437/92.


Estabelece aquele dispositivo legal que na ação civil pública “a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

No caso presente, em que a demanda versa, apenas, sobre questão de direito, isto é, não há a menor controvérsia fática, reputo a prévia audiência do ente público desnecessária, visto que, ademais, o DNER, em documento recentíssimo (datado de 05.05.99), firmado por seu Diretor-Geral, o Dr. GENÉSIO BERNARDINO, já se manifestou sobre os fatos de que tratam esta ação, prestando todos os esclarecimentos pedidos pelo Ministério Público Federal, que, como disse, os utilizou na instrução da inicial (fls. 67/70)

Por essas duas razões (ser a questão unicamente de direito e estarem nos autos os esclarecimentos prestados pelo DNER), reputo desnecessária a prévia oitiva do representante legal do ente público” (despacho na ACP n. 1999.61.00.022763-5, 24 de maio de 1999).

A segunda, refere-se à questão ser meramente de direito e é cristalino o risco de dano irreparável (em especial a realização do leilão) enquanto se aguarda a manifestação dos entes públicos.

Dispensável, pois, a oitiva prévia.

Desse entendimento não discrepa o eminente Homar Cais, ao ponderar que o Juiz deve conceder a tutela antecipada de plano, sem a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, se a controvérsia for somente de direito e houver perigo de dano irreparável pela demora no provimento. Sustentou o respeitado jurista:

Por outra parte, a obrigatória audiência da União, prevista no artigo 2.o da Lei 8437/92, deve ser interpretada com temperamentos. Assim, se a matéria for única e exclusivamente de direito, podendo o bem de vida que se visa proteger vir a perecer pela exiguidade do tempo, impõe-se que o juízo venha a preservá-lo. Depois, a medida é meramente acautelatória, provisória, portanto, podendo ser revista pelo prolator da decisão ou suspensa pelas vias processuais adequadas, com o que estar-se-á atendendo plenamente ao princípio do contraditório” (Agravo de instrumento 50.665/SP – Relator Homar Cais, E. TFR da 3.a Região)”

A posição de manter a data do leilão é também adotada pelo Estado de São Paulo, conforme documento datado do dia 23 de junho de 2006.

7 – Dos Pedidos

Antes dos pedidos de mérito, consigna o autor pleito para que esse i. juízo adote, como regra de julgamento, já no despacho saneador (de modo a orientar a instrução), a inversão do ônus da prova prevista no art. 6, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, assim redigido:

“Art. 6 São direitos do consumidor:

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímel a alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”

7.1 – Do Pedido De Antecipação dos Efeitos da Tutela

Os pressupostos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela estão, inequivocamente, presentes: o leilão para a alienação das ações da CTEEP, caso não seja suspenso pelas razões aqui expostas, será realizado no dia 28 de junho de 2006. E caso seja a licitação ultimada, estará eivada de vícios procedimentais e, fadada, certamente à futura anulação.


1. Em sede de antecipação de tutela, pede o autor que:

a) seja determinada a suspensão do LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO até o cumprimento da claúsula décima primeira do contrato de concessão de serviço público de transmissão de energia elétrica n.º 059/2001, regularmente celebrado com a CTEEP, e a expedição, pela ANEEL, se for o caso, da devida anuência prévia à operação de privatização do controle acionário da CTEEP, em prazo anterior à alienação das ações em leilão público, de sorte a resguardar o cumprimento dos princípios da legalidade, moralidade, lealdade e impessoalidade na situação em epígrafe.

b) seja reconhecida a NULIDADE DO LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO, CASO O MESMO VENHA A SE REALIZAR SEM O CUMPRIMENTO DA CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA do Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica 059/2001, regularmente celebrado com a CTEEP e a expedição – pela ANEEL – da devida anuência prévia à operação de privatização do controle acionário da CTEEP, em prazo anterior à alienação das ações em leilão público, de sorte a resguardar o cumprimento dos princípios da legalidade, moralidade, lealdade e impessoalidade na situação em epígrafe.

Pede a fixação de multa diária, prevista nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85, para caso de descumprimento das obrigações impostas nos itens A e B.

7.2 – Do Pedido Final

Ao final, pede o autor a confirmação da antecipação dos efeitos da tutela e a procedência da ação, para a condenação definitiva:

A) da ANEEL para que expeça, se for o caso, a devida anuência prévia à operação de privatização do controle acionário da CTEEP, em prazo anterior à publicação de edital autorizando a alienação das ações em leilão público, de sorte a resguardar o cumprimento dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, lealdade e impessoalidade e no resguardo dos princípios constitucionais da livre concorrencia e da defesa do consumidor.

B) do Governo do Estado de São Paulo, assim como da CTEEP, a fim de que sejam compelidos a observar o comando de suspensão de leilão, momento em que deverão aguardar pela devida anuência do Poder Concedente, assentindo com a alienação das ações.

7.3 – Dos Requerimentos

Requer o AUTOR a citação das rés para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de confissão.

Outrossim, requer a imediata apreciação da ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, SEM A NECESSIDADE DE PROCEDER À OITIVA PREVISTA NA Lei 8.437/92, conforme acima exposto.

Protesta provar o alegado por todos os meios admissíveis em Direito, especialmente a produção de prova documental e pericial.


Dá à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), exclusivamente para fins fiscais .

São Paulo, de 23 de junho de 2006

INÊS VIRGÍNIA PRADO SOARES

Procuradora da República

JOSÉ ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA

Procurador da República


[1] In verbis: “Art. 27. Nos casos em que os serviços públicos, prestados por pessoas jurídicas sob controle direto ou indireto da União, para promover a privatização simultaneamente com a outorga de nova concessão ou com a prorrogação das concessões existentes a União, exceto quanto aos serviços públicos de telecomunicações, poderá:

I – utilizar, no procedimento licitatório, a modalidade de leilão, observada a necessidade da venda de quantidades mínimas de quotas ou ações que garantam a transferência do controle societário;

II – fixar, previamente, o valor das quotas ou ações de sua propriedade a serem alienadas, e proceder a licitação na modalidade de concorrência.

§ 1o Na hipótese de prorrogação, esta poderá ser feita por prazos diferenciados, de forma a que os termos finais de todas as concessões prorrogadas ocorram no mesmo prazo que será o necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contado a partir da assinatura do novo contrato de concessão.

§ 2o Na elaboração dos editais de privatização de empresas concessionárias de serviço público, a União deverá atender às exigências das Leis noS 8.031, de 1990 e 8.987, de 1995, inclusive quanto à publicação das cláusulas essenciais do contrato e do prazo da concessão.

§ 3o O disposto neste artigo poderá ainda ser aplicado no caso de privatização de concessionário de serviço público sob controle direto ou indireto dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, no âmbito de suas respectivas competências.

§ 4o A prorrogação de que trata este artigo está sujeita às condições estabelecidas no art. 25.

[2] Concessões e Permissões de Serviços Públicos – Comentários à Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e à Medida Provisória 1.017/95, das Concessões do Setor Elétrico, São Paulo, Saraiva, 1995, pp. 89-91. A ementa do acórdão é a seguinte: “CONSTITUCIONAL. PRIVATIZAÇÃO. VENDA DE AÇÕES: LEILÃO. Lei 9.074/95, art. 27, I e II. C.F., art. 175. Lei 8.666/93, arts. 3º e 22. I. – Constitucionalidade do art. 27, I e II, da Lei 9.074, de 7.7.95, por isso que a Constituição Federal estabelece, no art. 175, que a concessão e a permissão para a prestação de serviços públicos serão precedidas de licitação e o conceito e as modalidades da licitação estão na lei ordinária, Lei 8.666/93, artigos 3º e 22, certo que o leilão é modalidade de licitação (Lei 8.666/93, art. 22). II. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”.


[3] Art. 19. A União poderá, visando garantir a qualidade do atendimento aos consumidores a custos adequados, prorrogar, pelo prazo de até vinte anos, as concessões de geração de energia elétrica, alcançadas pelo art. 42 da Lei no 8.987, de 1995, desde que requerida a prorrogação, pelo concessionário, permissionário ou titular de manifesto ou de declaração de usina termelétrica, observado o disposto no art. 25 desta Lei.

[4] Ou seja, 20 anos da prorrogação celebrada com fundamento no art. 19 da Lei 9.074/95, mais 30 anos de nova concessão decorrente da venda do controle acionário da concessionária, nos termos do art. 27 da mesma lei. Tudo sem licitação.

[5] O entendimento do Estado, que é o mesmo da ANEEL, é que a anuência prévia da ANEEL é obrigatória somente após a alienação das ações, no momento da transferência para iniciativa privada do controle societário da CTEEP – Companhia de Transmissão de Energia Elétrica, na forma prevista no artigo 27, caput e parágrafo único da Lei Federal n.º 8.987/95. Sendo válido ressaltar que o artigo 27, caput, da Lei Federal n.º 8.987/95 condiciona a transferência do controle societário da concessionária à prévia anuência do poder concedente, sob pena de caducidade da concessão. O inciso II do artigo 26 da Lei Federal nº 9.074/95 determina à União a aprovação de cisões, fusões e transferências de concessões, estas últimas nos termos do disposto no artigo 27 da Lei nº 8.987, de 1995.

[6] FERRAZ, Tércio Sampaio. A economia e o Controle do Estado. Apud GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. Malheiros: São Paulo, 3a. Ed., p. 232

[7] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira Nusdeo. Agências Reguladoras e Concorrência in Direito Administrativo Econômico – Coord. Carlos Ari Sundfeld. pg. 183

[8] Idem, pg. 179

[9] DERANI, Cristiane : Privatização e Serviços Públicos – As ações do Estado na Produção Econômica. Ed. Max Limonad. São Paulo: 2002. Pg. 89

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