De olho na lotação

Supremo libera construção de penitenciárias em São Paulo

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25 de junho de 2006, 7h01

A construção de duas penitenciárias no local onde fica o sítio Santa Alice, em Pirajuí (SP), foi liberada. A decisão é da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu liminar deferida pela juíza de Direito da 2ª Vara Cível de Pirajuí.

A decisão da juíza de primeira instância havia determinado a suspensão de quaisquer atos para formalização do negócio de compra e venda do imóvel rural e posterior doação visando à construção de penitenciárias.

Contra a proibição, a Procuradoria-Geral do Estado recorreu ao Supremo, alegando a possibilidade de grave lesão à economia pública caso o estado não cumprisse sua parte no convênio que liberou R$ 22,2 milhões para a construção dos presídios.

A Procuradoria sustentou que poderia haver grave lesão à ordem, à segurança e à saúde públicas, já que o estado “se defronta com o dramático, público e notório problema de superlotação das cadeias e penitenciárias”, motivo de rebeliões e fugas, além dos constantes deslocamentos de detentos aos postos de saúde e hospitais públicos.

De acordo com a Procuradoria, as alegações constantes da Ação Popular de irregularidades na aquisição do sítio se configuram meras suposições, pois todos os atos praticados estão dentro da legalidade. A Procuradoria afirma que os autores da ação não indicaram qualquer fato que possa ser “classificado como impactante ou que implique potencial e relevante alteração da vida da região”. Também afirmou que não é necessário Estudo de Impacto como alegaram na ação, já que o estudo é um instrumento de política urbana, previsto no Estatuto da Cidade, e a obra está em área rural.

Para a ministra Ellen Gracie, “é indubitável que grave lesão à economia pública poderá ocorrer”, já que a execução da liminar privaria o recebimento pelo estado de São Paulo de R$ 22,2 milhões necessários à ampliação de seu sistema prisional.

A ministra entendeu como evidente a grave lesão à ordem pública com a suspensão pela Justiça paulista dos atos necessários à construção das penitenciárias, com capacidade para 1.536 presos, “tendo em vista a precária e notória situação pela qual passa atualmente o sistema prisional do estado de São Paulo”.

Quanto ao eventual dano ao patrimônio público e as irregularidades na forma e no valor de aquisição do imóvel, sugeridos pela Ação Popular, a presidente do Supremo declarou que não poderiam ser analisados, de acordo com o contido no artigo 4º da Lei 8.437/92, que veda a revisão de provas no STF.

Leia a íntegra da decisão

SUSPENSÃO LIMINAR 110-8 SÃO PAULO

RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE

REQUERENTE(S) : ESTADO DE SÃO PAULO

ADVOGADO(A/S) : PGE-SP – ELIVAL DA SILVA RAMOS E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DE SÃO PAULO (SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 131.638.0/2-00 NA AÇÃO POPULAR Nº 916/2005)

INTERESSADO(A/S) : JOSÉ PAULO CASTRO BERBEL E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : MARCOS ALVES DE SOUZA

INTERESSADO(A/S) : PREFEITA MUNICIPAL DE PRESIDENTE ALVES E OUTRO(A/S)

1. O Estado de São Paulo, com fundamento nos arts. 4º da Lei 8.437/92 e 297 do RISTF, propõe a presente suspensão de execução da liminar deferida pela Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Pirajuí/SP, nos autos da Ação Popular 916/2005 (453.01.2005.007219), a qual suspendeu quaisquer atos tendentes à formalização do negócio de compra e venda de imóvel rural e posterior doação, no qual seriam construídas duas penitenciárias compactas, bem como “quaisquer atos ou obras guiados à construção de penitenciárias ou institutos similares em área do imóvel denominado Sítio Santa Alice, matriculado sob o Nº 996 do CRI local” (fls. 4 e 85-86).

2. O requerente sustenta, em síntese, o seguinte:

a) competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei 4.348/64, redação da MP 2.180-35/2001, certo que o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indeferiu o pedido de suspensão da liminar em apreço (Proc. 131.638.0/2-00, fls. 109- 111). Ademais, embora a matéria deduzida na ação popular envolva violação à legislação federal, também ofende princípios constitucionais;

b) grave lesão à economia pública, visto que o Estado de São Paulo, visando obter recursos financeiros necessários à ampliação do sistema prisional existente, celebrou com a União, por intermédio do Ministério da Justiça, representado pela Caixa Econômica Federal, o Contrato de Repasse nº 0184633-10/2005, tendo por finalidade a transferência de recursos para a construção da Penitenciária Compacta Dupla de Presidente Alves, no valor de R$ 22.200.000,00 (vinte e dois milhões e duzentos mil reais) e, conforme a Cláusula 2.2 do contrato mencionado (fls. 114-123), a não-apresentação da documentação técnica e jurídica no prazo de 120 dias a partir da celebração do contrato (26.12.2005) implicará a rescisão de pleno direito e, por conseguinte, o não-recebimento do repasse mencionado;


c) grave lesão à ordem e à segurança pública, tendo em vista o disposto nos arts. 1º, III; 2º; 5º, caput; 144 da Constituição Federal e 139 da Constituição Paulista, porquanto a liminar em tela impede a implantação de presídio com capacidade para 1.536 vagas, num momento em que o Estado de São Paulo se defronta com o dramático, público e notório problema de superlotação das cadeias e penitenciárias públicas, o que motiva rebeliões e fugas em massa, tendo como vítimas fatais detentos, funcionários e familiares, circunstâncias geradoras de um clima de insegurança na população de todo o Estado. Ademais, soa incoerente a manifestação do Ministério Público local favorável ao impedimento da construção da penitenciária (fls. 125-127) se, em outros casos, exige, mediante ações civis públicas (75, atualmente, fls. 129- 133), a imediata transferência de condenados recolhidos em cadeias públicas para estabelecimento prisional adequado. Finalmente, defende ser inconcebível determinação judicial que impede a Administração de praticar ato discricionário, integrado pelos critérios da conveniência e da oportunidade, o qual constitui elemento essencial a qualquer poder público executivo;

d) grave lesão à saúde pública, em face dos arts. 1º, III; 3º, I e IV; 5º, III, XLV, XLVIII, XLIX; 196 da Constituição Federal; 143 da Constituição Paulista; 1º, 3º, 12 e 90 da Lei de Execução Penal, visto que a superlotação carcerária abala a saúde dos próprios detentos que acabam sendo obrigados ao cumprimento das penas em estabelecimento prisional (cadeia pública) inadequado e insalubre, bem como da população em geral que se vê privada do atendimento pelo Sistema Único de Saúde – SUS, tendo em vista o grande número de presos que são removidos aos postos e hospitais públicos para tratamento;

e) não-observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que a liminar ora impugnada proporciona um ônus excessivo a toda a sociedade, privando-a da vultosa quantia de R$ 22.200.000,00;

f) as alegações de suposta irregularidade na aquisição do imóvel em exame configuram meras suposições, mormente pelo fato de esse ato administrativo ter sido precedido de autorização legal (Lei municipal 1.527/2005) e de a lavratura do laudo de avaliação elaborado por engenheiro civil da prefeitura atestar a adequação do preço de aquisição ao mercado, sendo certo que esses fatores (preço e modo de aquisição) podem ser impugnados por via própria. Finalmente, não há previsão legal no sentido de se exigir plebiscito para a instalação de unidade prisional, bem como a construção de penitenciária envolve questão de ordem pública que ultrapassa os interesses dos munícipes da área física envolvida, porque se trata de matéria pertinente à segurança pública do Estado, a quem cabe gerenciar seu sistema prisional, nos termos do art. 24, I, e 144 da Constituição Federal;

g) ausência de indicação pelos autores da ação popular de qualquer fato passível de ser classificado como impactante ou que implique potencial e relevante alteração da vida da região em apreço, configuradora da hipótese prevista no art. 225, IV, da Constituição Federal. Ademais, o órgão ambiental estadual, responsável pelo licenciamento, ainda não se pronunciou, porque o momento próprio ainda não ocorreu, visto que a obra está em fase de planejamento e colhimento de dados necessários à formalização do pedido de licenciamento;

h) ilegalidade da exigência prévia de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), porquanto esse estudo se constitui em instrumento de política urbana previsto no Estatuto da Cidade, certo que a obra em exame situa-se em área rural, conforme certidão à fl. 247. Ademais, no caso, não há lei municipal que exija o citado EIV à hipótese, valendo acentuar que foi o próprio Município de Presidente Alves que, mediante lei, autorizou a doação pela prefeitura do terreno destinado à construção da penitenciária;

i) existência de precedentes, em casos semelhantes, nos quais os Presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça deferiram a suspensão da execução de liminares (SML 113.018.0/1-TJSP, 113.130.0/2-TJSP, 112.762.0/9-TJSP e SL 09/SPSTJ).

3. A Procuradoria-Geral da República opina pelo indeferimento do pedido (fls. 254-256).

4. Inicialmente, evidencia-se que as questões deduzidas na ação popular mencionada também têm por fundamento matéria constitucional: violação aos princípios constitucionais da Administração Pública (petição inicial, fls. 53-63). Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475, rel. Ministro Octavio Gallotti, Pleno, DJ 22.04.1994; Rcl 497-AgR, rel. Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ 06.04.2001; SS 2.187-AgR, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465, rel. Ministro Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.


5. Passo ao exame do mérito do pedido de suspensão da execução da liminar em apreço.

A Lei 8.437/92, em seu art. 4º e § 1º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de liminar, no processo de ação popular, em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

No presente caso, encontram-se demonstrados os referidos pressupostos, inclusive em face dos documentos que acompanham o presente pedido (fls. 113-249):

a) é indubitável que grave lesão à economia pública poderá ocorrer até mesmo por força de um possível descumprimento contratual (Cláusula 2.2 do Contrato de Repasse, fls. 114-123) em decorrência da execução da liminar que privará o requerente de receber R$ 22.200.000,00 (vinte e dois milhões e duzentos mil reais) necessários à ampliação do sistema prisional do Estado de São Paulo;

b) a suspensão de quaisquer atos tendentes à formalização do negócio de compra e venda de imóvel rural destinado à implantação de penitenciária, bem como a suspensão de quaisquer atos ou obras relacionados à construção de penitenciária, no Estado de São Paulo, com capacidade para 1.536 vagas, evidenciam grave lesão à ordem pública, nesta compreendida a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, e à segurança pública, tendo em vista a precária e notória situação pela qual passa atualmente o sistema prisional do Estado de São Paulo (dados comprovados às fls. 135-146);

c) a suspensão da construção de penitenciárias, no caso, também ocasiona grave lesão à saúde pública, seja dos detentos, seja da população em geral, quando é sabido que, diante da também notória situação de precariedade do sistema prisional decorrente da superlotação carcerária, o atendimento médico-ambulatorial e emergencial, no âmbito prisional, fica comprometido e, por conseguinte, afeta o combalido Sistema Único de Saúde – SUS.

6. Finalmente, assevere-se que os argumentos deduzidos na ação popular, no sentido de eventual dano ao patrimônio público em decorrência da ausência dos estudos de impacto ambiental e de vizinhança, bem como a forma de aquisição e valor do imóvel rural em apreço, os quais são infirmados pelo ora requerente no presente pedido de suspensão de liminar, porque dizem respeito ao mérito da ação popular, não podem ser aqui sopesados e apreciados, tendo em vista o contido no art. 4º da Lei 8.437/92.

7. Ante o exposto, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, defiro o pedido, para suspender a execução da liminar (fls. 85-86) deferida pela Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Pirajuí/SP, nos autos da Ação Popular 916/2005 (453.01.2005.007219).

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 22 de junho de 2006.

Ministra Ellen Gracie

Presidente

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