Direito comum

Fundação pode participar de licitação sem precisar de equalização

Autor

  • Reinaldo de Almeida Fernandes

    é advogado e analista de sistemas em Florianópolis sócio de R. A. Fernandes Scheidt Cardoso Advocacia e Consultoria MBA em Direito Econômico Empresarial assessor jurídico da BRy Tecnologia.

25 de junho de 2006, 7h01

Com exceção dos casos de dispensa de licitação, onde é pacífico que as fundações, via de regra, não se encaixam, entendo perfeitamente possível que essas pessoas jurídicas participem de editais de licitação promovidos pelo poder público, sem necessidade de “equalização” dos preços constantes de sua proposta, desde que o objeto da licitação seja pertinente e compatível ao objeto social da fundação, que se restringe aos fins previstos no artigo 62, parágrafo único, do novo Código Civil Brasileiro, ou seja: “fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”.

É princípio básico da etapa de habilitação jurídica em um processo licitatório que o objeto social do interessado ou proponente, devidamente consignado em seu estatuto social ou contrato, tenha compatibilidade e pertinência com o objeto da licitação e do contrato administrativo a ser firmado pelo vencedor. Assim, ninguém, de sã consciência, irá admitir que uma empresa cujo objeto social compreenda restaurante e churrascaria seja juridicamente habilitada a participar de um certame licitatório cujo objeto se constitua, por exemplo, em executar as atividades de uma operação tapa-buracos nas estradas brasileiras.

É construção freqüente em editais de licitação, e expressamente de acordo com a Lei 8.666/93, disposição similar à seguinte:

“2.1 — Somente poderão participar desta licitação pessoas jurídicas legalmente estabelecidas no país, cujo objeto social expresso no estatuto ou contrato social especifique atividade pertinente e compatível com o objeto da presente licitação.” (Edital Pregão CNI 03/2006).

Essa redação (ou texto equivalente), presente em todos os editais de licitação que estejam de acordo com a lei aplicável, decorre de atendimento a expressa disposição do artigo 29, II, da Lei de Licitações, que assim consigna:

“Artigo 29 — A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:

I — prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);

II — prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual”.

Assim, é pressuposto legal que um licitante somente será juridicamente habilitado quando o objeto social desse proponente estiver em perfeita sintonia (“pertinente e compatível”) com o objeto do contrato administrativo a ser firmado pelo ente promotor da licitação, ou seja, com o objeto do edital de licitação.

Pois bem, se o novo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 62, determina que uma fundação somente poderá ter “fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”, certamente seu estatuto social irá contemplar qualquer uma, algumas ou todas essas finalidades em seu objeto social. Se o objeto do edital (e do contrato que lhe seguirá) for pertinente e compatível com atividades religiosas, morais, culturais ou de assistência, não há qualquer impeditivo a que as fundações regularmente constituídas participem desse certame, pois ocorrerá perfeita convergência entre a documentação de habilitação apresentada, o disposto na Lei 8.666/93 (artigo 29, II) e o Código Civil (artigo 62, parágrafo único).

O silogismo é evidente:

– Premissa 1: A habilitação de pessoas jurídicas em certames licitatórios somente é possível para as empresas cujo objeto social seja compatível ao objeto do contrato a ser firmado (artigo 29, II, Lei 8.666/93).

– Premissa 2: As fundações somente podem ter por objeto social atividades de cunho moral, religioso, assistencial ou cultural (artigo 62, parágrafo único, novo Código Civil Brasileiro).

– Conclusão: Logo, as fundações estarão juridicamente habilitadas a participar de editais que visem contratar objeto relacionado a atividades de cunho moral, religioso, assistencial ou cultural.

Caso contrário, ou a fundação está com seu objeto social “fora-da-lei” (artigo 62, parágrafo único, do novo Código Civil Brasileiro) ou o edital e a licitação estão em desacordo com a Lei de Licitações (artiog 29, II). No primeiro caso, o Ministério Público deve ser chamado a exercer seu papel de curador das fundações (artigo 66, NCCB). No segundo caso, a própria administração, o Tribunal de Contas ou mesmo o Ministério Público poderão, “de ofício” ou mediante provocação de qualquer cidadão, tomar as providências que entendam necessárias para garantia da legalidade do certame.

Não há que se falar em “equalização” nos editais em que se admite a participação de fundações para suprir eventual diferença entre os preços ofertados por estas e as demais empresas, diferença essa que seria determinada por tratamento fiscal e tributário diferenciado que é concedido, por lei, a essas entidades, pois esses benefícios é que levam à necessária isonomia que permite, nos termos do artigo 5°, da Constituição Federal, tratar desigualmente os desiguais.

Necessário concluir, portanto, pela perfeita possibilidade de as fundações participarem de editais de licitação promovidos pela administração, quando tais certames tiverem como objeto fins pertinentes e compatíveis aos que a lei reserva ao objeto social dessas importantes entidades de interesse coletivo.

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