Advocacia na mira

Entrevista: Rui Celso Reali Fragoso

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25 de junho de 2006, 7h00

Rui Celso Reali Fragoso - por SpaccaSpacca" data-GUID="rui_celso_reali_fragoso.png">Muitas vezes confundido com o acusado que defende e visto como responsável por burocratizar a Justiça, o advogado sofre uma crise de credibilidade em meio a uma série de recentes ataques às suas prerrogativas. Para piorar a situação, a imagem da classe acaba abalada em conseqüência da morosidade da Justiça.

A opinião é do advogado Rui Celso Reali Fragoso, ex-presidente do Iasp — Instituto dos Advogados de São Paulo e candidato de oposição à presidência da seccional paulista da OAB. “Toda vez que há uma dificuldade do Judiciário em resolver uma questão, a punição é transferida à advocacia.”

O advogado considerou estarrecedor o fato de ver e-mails trocados entre advogados e clientes usados para sustentar decisões judiciais. “É estarrecedor que uma sentença judicial mencione a conversa ou a violação dos e-mails mantidos entre cliente e seu advogado. Essa relação é sagrada. É como a relação entre o médico e o paciente, o fiel e o padre.” E afirmou que o momento para a advocacia no Brasil “é mais grave do que na Ditadura. Tempos atrás não havia a democracia, mas o advogado conseguia examinar os autos e sabia porque o acusado estava sendo preso”.

Para Fragoso, a sociedade se frustra com a lentidão do julgamento dos processos e com a demora na condenação de acusados por crimes divulgados pela imprensa e toda essa indignação é voltada para a figura do advogado, como se ele fosse o responsável por essas situações.

Questionado sobre como explicar a um cliente que seu recurso demorou cinco anos para ser distribuído — o que acontecia até há pouco tempo no Tribunal de Justiça de São Paulo —, o advogado respondeu à pergunta com um dado ainda mais assustador: “Eu cuido de um caso desde 1999, que foi distribuído em 2006. Sete anos para distribuir uma execução de nota promissória, que é o equivalente à confissão do processo penal”.

Fragoso, que já foi conselheiro da OAB e presidente da Comissão de Ensino Jurídico de 2001 a 2003, conta também que reuniu grandes grupos de oposição para lançar seu nome como candidato nas próximas eleições da seccional. Para ele, será uma disputa importante e que deve polarizar os votos entre seu nome e o do atual presidente seccional paulista da Ordem que tenta a reeleição, Luiz Flávio Borges D’Urso.

Participaram da entrevista os jornalistas da revista Consultor Jurídico Aline Pinheiro, Márcio Chaer e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — A imagem do advogado hoje está abalada. Quando não é confundido com os próprios acusados, o profissional é visto como o responsável por atrasar os processos. O senhor concorda com essa análise?

Rui Celso Reali Fragoso — Não há dúvida de que o advogado vem perdendo credibilidade nos últimos anos. A sociedade não tem conseguido separar o que é a função do advogado, como porta-voz do cidadão que usa os recursos previstos em lei, com a figura do acusado. É como se o advogado fosse o causador dos grandes problemas sociais. A mídia contribui muito para esse clamor popular, principalmente nos grandes casos de corrupção ou homicídios. É preciso que a sociedade reconheça o advogado como aquele que postula em nome do acusado para que ele tenha uma pena justa, e não necessariamente alguém que vá contribuir para o processo não terminar. No campo civil, o advogado também é muitas vezes considerado um elemento que burocratiza o processo, que dificulta um acordo, o que não é verdade. Por trás de todos esses problemas está sempre a morosidade da Justiça.

ConJur — E como é possível fazer a sociedade compreender o papel do advogado?

Rui Celso Reali Fragoso — A Ordem dos Advogados do Brasil precisa começar a pensar novamente na figura do advogado e na sua atuação no dia-a-dia. A recuperação da credibilidade do advogado abrange desde o seu aperfeiçoamento até a valorização das prerrogativas.

ConJur — Qual sua opinião sobre projetos de lei como o que obriga o advogado de condenados por crime hediondo a comprovar a origem lícita dos honorários que recebe? Ou a proposta que obriga o advogado a comunicar ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) atividades suspeitas do cliente quando estas não forem objeto da defesa para a qual ele foi constituído?

Rui Celso Reali Fragoso — É preciso que se faça um lobby positivo, usando a expressão na acepção adequada da palavra, para que esse tipo de proposta legislativa não ganhe corpo. Se os próprios congressistas não o fazem, é necessário que a OAB esclareça que projetos dessa natureza não protegem a sociedade como aparentam. Não compete ao advogado, ao fazer o seu trabalho, discutir a origem do valor que recebe de seu cliente. A partir do momento que o advogado tem a possibilidade de ter violado o seu sigilo profissional, há uma descaracterização completa da profissão e um enfraquecimento dos direitos da sociedade.


ConJur — A prisão preventiva de Edemar Cid Ferreira baseou-se em e-mails trocados entre o advogado e o cliente. Mais que isso, tentou-se comprometer o advogado apontando o aconselhamento para que o acusado desse uma entrevista como tentativa obstrução da Justiça. A comunicação entre o acusado e o advogado pode ser usada como justificativa para decretar a prisão?

Rui Celso Reali Fragoso — É estarrecedor que uma sentença judicial mencione a conversa ou a violação dos e-mails mantidos entre cliente e seu advogado. Essa relação é sagrada. É como a relação entre o médico e o paciente, o fiel e o padre. São conversas que não podem ser violadas em nenhuma situação. É uma invasão absolutamente ilegal e inconstitucional, e não poderia ter sido trazida ao processo. Não é só um ato contra o próprio acusado como contra o advogado, que não tem a possibilidade de exercer a advocacia de forma plena, o que é muito preocupante. Violar correspondência não era permitido nem em época de exceção.

ConJur — Quer dizer que hoje as prerrogativas de advogados são menos respeitadas do que eram durante a Ditadura Militar?

Rui Celso Reali Fragoso — Sim, o momento para a advocacia no Brasil é mais grave do que na Ditadura. Tempos atrás não havia a democracia, mas o advogado conseguia examinar os autos e sabia porque o acusado estava sendo preso. Hoje, muitíssimas vezes o advogado não tem acesso ao processo movido contra o seu cliente. O acusado é preso e só depois de dois, três dias de prisão é que o advogado consegue saber o que está realmente acontecendo. Isso é gravíssimo. Não tenho dúvida que essa decisão contra o Edemar Cid Ferreira é passível de anulação.

ConJur — Por outro lado, o abuso com relação à prisão de acusados não é conseqüência de uma cobrança da sociedade, que está cansada de ver impunidade?

Rui Celso Reali Fragoso — A sociedade quer demonstrar que as pessoas, ainda que ricas e famosas, podem cumprir pena no Brasil. Mas o processo tem que ser idêntico para todos. Não pode sacrificar aqueles são mais afortunados para dar um exemplo à sociedade. É preciso respeitar o devido processo legal. Se no final do processo essas pessoas forem condenadas, devem respeitar a decisão sendo ricas, famosas, de determinada cor ou raça. Mas procedimentos que não se justificam não podem ser feitos. O que acontece é que a morosidade da Justiça acaba justificando esses atos de abuso na prisão preventiva e acaba passando para a sociedade a impressão de que realmente não há Justiça eficaz no Brasil. Se a Justiça fosse mais rápida, talvez nada disso estivesse ocorrendo.

ConJur — Um dos caminhos para a valorização não seria fazer a sociedade enxergar o advogado como aliado?

Rui Celso Reali Fragoso — Para o advogado ser visto pela sociedade como aliado, os profissionais do Direito também têm que fazer o dever de casa, que é se aprimorar permanentemente. Hoje o cliente quer respostas rápidas para as suas perguntas, o que obriga o advogado a ter especializações. Aquela figura do advogado com uma visão completa do Direito está desaparecendo. A partir do momento que o advogado se aprimora, há uma contribuição para que a sociedade o reconheça. Por outro lado, infelizmente, é preciso muitas vezes que a pessoa viva um problema para saber a importância do advogado. Só quem já sofreu uma acusação injusta sabe como a atuação do advogado é fundamental para restabelecer a Justiça.

ConJur — Essa imagem deturpada que muitos têm dos advogados não é conseqüência de uma minoria que realmente não observa os preceitos éticos?

Rui Celso Reali Fragoso — Em todas as profissões existem aqueles que não atuam de forma digna. A advocacia não foge disso também, embora seja uma minoria bastante reduzida. Temos mais de 200 mil advogados no estado de São Paulo e as infrações éticas são cometidas por uma parcela bastante pequena. Mas também não há duvida de que esses procedimentos éticos disciplinares precisam ser avaliados mais rapidamente pelo Tribunal de Ética da OAB, assegurando sempre o direito de defesa. Isso passaria para a sociedade a certeza de que aqueles que não honram a advocacia, que, portanto, não poderiam ser chamados de advogados na acepção completa do termo, são afastados ou punidos de acordo com a sua infração. A Ordem não deve ter uma visão meramente corporativa, mas uma visão em favor da sociedade.

ConJur — O Ministério Público pode comandar investigações criminais?

Rui Celso Reali Fragoso — A investigação deve ser feita apenas pela Polícia. A Constituição não determina que o Ministério Público promova investigações. Ou se altera o ordenamento jurídico e passa a se utilizar o modelo norte-americano, onde a figura do promotor e do policial se misturam, ou se respeita o que está escrito na Constituição brasileira. Se dermos poder de investigação ao MP, há uma evidente desproporção entre defesa e acusação. Isso porque o MP, que vai acusar, também junta as provas. Espero que o Supremo Tribunal Federal tenha essa sensibilidade ao julgar o caso para verificar a desnecessidade de o Ministério Público fazer o papel da Polícia. Ou estamos reconhecendo a ineficiência da Polícia, o que não é o caso.


ConJur — O Ministério Público e a Polícia contribuem para a desinformação da sociedade sobre o papel do advogado?

Rui Celso Reali Fragoso — Contribuem sim. Outro dia eu assisti na TV um promotor falando sobre a sua acusação no caso da Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos [acusados de tramar o assassinato do casal Manfred e Marisa von Richthofen]. Esse depoimento já forma a opinião, não só da sociedade, como dos cidadãos que vão participar do Júri e que poderiam estar assistindo ao programa. Ora, se o advogado obteve o adiamento do julgamento é porque ele se utilizou de recursos previstos na lei para que isso fosse possível. Tanto é que o juiz concedeu o pedido. Os advogados estão exercendo o amplo exercício do direito de defesa. Mas o promotor passou para a sociedade que esse adiamento é mais uma manobra protelatória contra a eficácia da Justiça, quando deveria passar que o advogado se utilizou de uma previsão legal para ter assegurado o amplo direito de defesa.

ConJur — De quem é a culpa de o Pimenta Neves, réu confesso do assassinato de sua ex-namorada, ficar cinco anos respondendo processo sem ser julgado e condenado efetivamente? Ou pelo caso Suzane, que confessou ter tramado a morte de seus pais em 2002 e que só agora, em 2006, vai ter seu processo julgado em primeira instância?

Rui Celso Reali Fragoso — Grande parte da culpa está na instrumentalização da Justiça, na carência dos recursos do Poder Judiciário, que não tem estrutura para atender a enorme quantidade de processos e por isso, não consegue ser célere nos julgamentos. Ao mesmo tempo, talvez fosse necessária uma alteração na legislação processual que assegurasse o direito de defesa na sua forma máxima, mas que não estendesse demais o processo. O grande descrédito da sociedade não está no resultado do julgamento, mas na demora da Justiça. E o pior, o advogado acaba sendo responsabilizado pela demora do processo.

ConJur — A culpa na morosidade também é da legislação?

Rui Celso Reali Fragoso — Sem dúvida. A legislação brasileira também precisa ser revista e reformulada. Tanto o processo civil, como o penal. Mas o principal problema é a instrumentalização do Poder Judiciário. Temos que ter juízes bem remunerados para que eles tenham segurança ao tomar a decisão. Temos que ter juízes suficientes. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para o Ministério Público. Tem que ter uma estrutura adequada e promotores em número suficiente.

ConJur — Não é necessária maior especialização dos juízes e dos promotores?

Rui Celso Reali Fragoso — Essa é a tendência natural, tanto do juiz como do promotor brasileiro. A criação em São Paulo das varas e câmaras especializadas em recuperação judicial e direito ambiental, por exemplo, leva necessariamente a uma formação especializada do juiz e do promotor. Isso é muito bom porque o advogado já é especializado. Se o juiz puder também ter essa especialização, sem dúvida é mais um fator para agilizar a resposta em um processo. A especialização do Judiciário é uma tendência mundial.

ConJur — A Emenda Constitucional 45 (reforma do Judiciário) estabelece que o processo tem que ter uma duração razoável. Qual é a duração razoável de um processo? E qual é o número ideal de juízes por habitantes?

Rui Celso Reali Fragoso — Esse número é variável de região para região. A demanda é proporcional à conscientização da cidadania. Quanto mais consciente o cidadão, mais a necessidade de ele ter advogado para buscar aquilo que não foi lhe atribuído de forma justa. No estado de São Paulo nós teríamos que ter pelo menos de 50% a 100% mais juízes do que temos hoje. Com relação ao tempo, mesmo nas causas mais complexas, a Justiça não deveria exceder, para o julgamento do processo em todas as instâncias, uma duração de três a cinco anos. O cidadão não pode aguardar mais do que esse tempo para ter a recuperação e a recomposição daquilo que lhe foi retirado de forma injusta.

ConJur — Há pouco tempo o Tribunal de Justiça de São Paulo levava cinco anos só para distribuir um processo. Como o senhor explica isso ao seu cliente?

Rui Celso Reali Fragoso — É inimaginável que esse cidadão acredite na Justiça. Eu cuido de um caso desde 1999, que foi distribuído em 2006. Sete anos para distribuir uma execução de nota promissória, que é o equivalente à confissão do processo penal. Esse cliente é uma pessoa muito esclarecida, que acompanha o processo e tem consciência da demora. Mas eu fico imaginando naqueles inúmeros casos em que o cidadão não tem essa consciência, naquele que vai buscar pela primeira vez os serviços do advogado. Compete ao advogado esclarecer que esse processo pode levar um determinado tempo para que a pessoa não tenha sua expectativa frustrada. Mas isso significa um desânimo. A solução seria realmente investir no Judiciário e em formas alternativas de composição de litígio. Se a resposta do processo fosse rápida, a advocacia estaria em uma posição extremamente vantajosa na sociedade.


ConJur — O que o senhor achou da lei, recentemente aprovada, que une a fase de conhecimento da sentença com a fase de execução? Como o senhor vê até agora a reforma do Código de Processo Civil?

Rui Celso Reali Fragoso — Essa lei sobre a execução foi um grande passo para diminuir o tempo de duração de um processo. Essas reformas feitas no processo civil são extremamente valiosas. Pena que elas têm vindo em doses homeopáticas. O ideal seria que nós tivéssemos uma reforma mais ampla e que houvesse a participação de advogados na elaboração dos projetos. O advogado tem uma visão mais completa do que o jurista. Mas o ministro [aposentado do Superior Tribunal de Justiça] Sálvio de Figueiredo Teixeira me disse uma vez que é mais fácil a aprovação em doses homeopáticas das alterações do que em bloco. Em bloco demoraria muito como foi, por exemplo, a lenta tramitação do Novo Código Civil, que demorou mais de 25 anos.

ConJur — O que o senhor achou da extinção do Agravo de Instrumento e da criação do Agravo Retido?

Rui Celso Reali Fragoso — O Agravo do Instrumento foi uma grande conquista e essa alteração atrapalha o exercício da advocacia. Esse recurso aumentava e muito o trabalho dos juízes e desembargadores. Mas em vez de extinguir o Agravo de Instrumento, seria melhor aumentar o número de juízes ou especializar algumas câmaras para conhecer esse tipo de provimento. Toda vez que há uma dificuldade do Judiciário em resolver uma questão, a punição é transferida à advocacia. Por isso o descrédito da sociedade com relação ao advogado. O agravo agora é 99% retido. Só há uma apreciação imediata quando se trata de dano irreparável. Como esse conceito é subjetivo, o juiz que decide. Quem, na verdade, paga o preço é o cidadão, que não tem seu problema urgente resolvido.

ConJur — A parte de um processo que sofreu um dano causado por erro do juiz pode mover ação contra a União pedindo indenização? E a União pode regredir contra esse juiz?

Rui Celso Reali Fragoso — Só em casos de dolo, quando se prova que o juiz teve intenção de prejudicar a parte. Porque o erro na atividade, na interpretação da lei, não dá direito a reparação, nem pela União e nem pelo juiz. Em caso de dolo, ainda que o juiz não possa ser responsabilizado de maneira direta em um primeiro momento, o estado ou a União podem vir a ser responsabilizados, autorizado o direito de regresso contra o juiz. Mas o advogado, por exemplo, está sujeito ser responsabilizado pela interpretação equivocada. Pagamos um preço infinitamente superior ao exercer o chamado jus postulandi em nome da sociedade.

ConJur — Hoje há seguros para advogados.

Rui Celso Reali Fragoso — Os planos de seguros que existem para advogados nos Estados Unidos, por exemplo, são caríssimos. Se os advogados brasileiros passarem a adquirir esse tipo de seguro, a advocacia vai se tornar cada vez mais viável somente para aqueles que têm grande potencial financeiro. O que é uma pena, porque grandes advogados não poderiam exercer a profissão. O advogado comum já tem muita dificuldade no começo da sua carreira. Hoje, para o advogado iniciar sua atividade, ele trabalha em um algum escritório já existente ou em alguma empresa. Na maioria das vezes ele não consegue montar seu próprio escritório porque não há nenhum tipo de incentivo para ele começar na profissão.

ConJur — Os advogados devem revistados nos presídios?

Rui Celso Reali Fragoso — Não sou a favor da revista, a não ser que houvesse uma extensão do procedimento para todos os cidadãos que entrassem nos presídios. O advogado não é diferente de nenhuma outra pessoa, por isso a revista só seria justa se houvesse também revista de juízes, funcionários e promotores. O advogado não deve ser colocado nem acima e nem abaixo de outras pessoas. Revistar o advogado é gravíssimo. Não são os advogados que levam objetos proibidos para os presidiários. Uma pessoa que faz isso não pode ser considerada advogado. Me preocupa muito o pedido de um parlamentar que pretende instaurar processo contra 33 advogados. Com certeza, a maioria deles, que já estão sofrendo pela divulgação dos seus nomes, são pessoas absolutamente inocentes. Estes advogados estão defendendo criminosos, mas porque qualquer pessoa merece defesa adequada, dentro da lei.

ConJur — Como o senhor avalia a gestão da OAB paulista?

Rui Celso Reali Fragoso — O grande problema da atual gestão é não valorizar o advogado nas questões do dia-a-dia. A política da Ordem tem que ser voltada para valorização das prerrogativas. Essa valorização dá segurança ao advogado, que sabe que a instituição está ao seu lado. Atualmente há uma preocupação muito grande da OAB em São Paulo de atrelar sua atuação com a política partidária. A Ordem de São Paulo está preocupada com os holofotes, com aquilo que permite a aparição permanente dos seus dirigentes na mídia e um culto exacerbado de personalismos, de personalidades. Se essa projeção da OAB fosse para tratar de assuntos de interesse do exercício da advocacia seria válido, apesar de que as grandes questões da advocacia não dão mídia.


ConJur — Quais são essas questões?

Rui Celso Reali Fragoso — Precisa haver uma recuperação da advocacia, investimento no aperfeiçoamento dos advogados com cursos específicos. Nas minhas viagens para o interior vejo que os advogados gostariam de se especializar mais nas suas áreas de atuação. Aquele é o mundo dos advogados e a Ordem está distante disso. Também é preciso lutar com o Poder Executivo para que os 48 mil advogados que prestam assistência judiciária tenham uma remuneração digna.

ConJur — Quanto é a remuneração para a assistência judiciária?

Rui Celso Reali Fragoso — O advogado ganha R$ 350 para fazer um júri. Um advogado que faz um processo de ponta a ponta, que leva três, quatro anos, recebe R$ 500. É inimaginável. Por isso que a prestação de serviços às vezes não é adequada. Porque é necessário que o advogado tenha um número muito grande de processos para poder ter uma renda razoável.

ConJur — O que a OAB poderia fazer com relação aos novos advogados que têm dificuldade de entrar no mercado de trabalho?

Rui Celso Reali Fragoso — Uma idéia é formar cooperativas para que o advogado iniciante possa ter uma estrutura inicial já financiada. A OAB deveria apresentar um pacote de providências para ajudar os advogados em início de carreira. O custo de um escritório hoje implica, no mínimo, locação do imóvel, uma secretária, duas linhas telefônicas, fax, e-mail, computador e uma constante atualização de software. Esse custo inicial na advocacia inviabiliza qualquer advogado que não tenha condições econômicas de família de ter seu próprio escritório. Não há mais espaço para a figura do liberal puro de antigamente.

ConJur — Que outros projetos que ajudariam na valorização da advocacia deveriam ser implantados pela OAB?

Rui Celso Reali Fragoso — Eu fiz um estudo sobre as faculdades de Direito quando fui presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB de 2001 a 2003. Na época tínhamos 350 faculdades de Direito no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, com 100 milhões de habitantes a mais, havia apenas 190 cursos de Direito. Hoje nós temos mais de 850 cursos, mais de 250 só no estado de São Paulo. Nos Estados Unidos há alguma coisa em torno de 200 cursos. Ainda que eu não goste de comparações, verificamos que há um número excessivo de cursos de Direito no Brasil. Na minha gestão, nós autorizamos cerca de cinco cursos, mas como esse parecer pode ser alterado pelo Ministério da Educação e Cultura através do Conselho Nacional de Educação, o órgão autorizou mais de 40 na época. É preciso uma alteração legislativa para que o parecer da Ordem, que hoje é meramente opinativo, não possa ser alterado. Ou que pelo menos a alteração seja com fundamentação. Essa proliferação de cursos nos últimos anos contribui para uma formação inadequada de bacharéis.

ConJur — O que o senhor acha da lei que retira a obrigatoriedade da participação do advogado no processo de separação consensual?

Rui Celso Reali Fragoso — Isso me preocupa muito. Se a separação puder ser feita diretamente nos cartórios, a situação pode esconder grandes atos coação. A mesma coisa em divisões patrimoniais, nos arrolamentos. Por isso, acredito que a Ordem deve ter uma posição contrária a isso, embora me pareça que a seccional de São Paulo é até favorável a esses projetos. Outro projeto que me preocupou foi encaminhado pela própria seccional de São Paulo, que pretendia criar a figura do paralegal, o bacharel que não passou no Exame de Ordem, nos Juizados Especiais. Ainda bem que o projeto foi indeferido por unanimidade pelo Conselho Federal da OAB. Se aprovado, poderia representar um grande perigo para o cidadão, já que ele seria mal atendido por aquele bacharel. E ainda retira do advogado uma parte do mercado de trabalho. Isso só interessa a algumas faculdades de Direito que não conseguem desempenho favorável no Exame de Ordem.

ConJur — No caso dos Juizados Especiais, o fato de não ser obrigatória a presença de advogado no processo não cria uma relação desigual. Porque uma parte entra sem o advogado e a outra, geralmente uma empresa, tem uma boa defesa?

Rui Celso Reali Fragoso — Sim, há um descompasso. É como no caso desse projeto de lei que prevê separação consensual sem advogado. As classes favorecidas continuarão com sua assessoria jurídica e quem fará em cartório serão os menos favorecidos. Por isso, uma das partes pode coagir a outra a assinar um termo de separação amigável. Primeiro, isso retira remuneração digna da advocacia, porque para assinar o sujeito não vai poder cobrar ônus. Depois, retira um processo da prateleira, mas ganha uma preocupação ad eternum que pode se transformar em um processo muito mais complicado no futuro.

ConJur — Como estão se desenhando as chapas para as eleições da OAB de São Paulo em novembro ?

Rui Celso Reali Fragoso — Vou sair como candidato a presidente na chapa de oposição. Acredito que haverá uma polarização das grandes forças da advocacia nestas eleições. Eu reúno todas as forças de oposição, inclusive aquelas que historicamente estiveram em pólos opostos nas últimas eleições.

ConJur — Todos os antigos candidatos estão fechados numa só chapa?

Rui Celso Reali Fragoso — A Rosana Chiavassa é a minha vice, o Valter Uzzo integrará provavelmente o Conselho Federal ou uma outra função. Conto também com a simpatia do grupo do Roberto Ferreira e do José Roberto Batochio, tanto que havia uma proposta de alinhamento desse grupo com o nosso. O vice do próprio grupo do Clito Fornaciari e vários integrantes estão comigo. Isso me dá quase 75 % do eleitorado das últimas eleições. Mas isso não significa que as eleições já estão vencidas. Estou trabalhando muito para aumentar ainda mais esse apoio, principalmente porque eu tenho enfrentado um grande embate de mídia. O [Luiz Flávio Borges] D’Urso, candidato oficial, permanentemente está na imprensa e as eleições da Ordem ainda são pouco debatidas até mesmo pelos advogados.

ConJur — Então o apoio da Rosana Chiavassa, que é um nome de peso na disputa, já está fechado?

Rui Celso Reali Fragoso — A Rosana inclusive tem viajado comigo em campanha. A Rosana tem um grande carisma. O curioso é que todos os que eram candidatos, Vitorino, Valter Uzzo, Rosana, abriram mão das suas candidaturas, dos seus caminhos percorridos, para integrar uma chapa encabeçada por mim. Eu estou muito orgulhoso e ao mesmo tempo tenho consciência da grande responsabilidade de agregar tanta gente boa da advocacia.

ConJur — Essa união de forças favorece a oposição?

Rui Celso Reali Fragoso — Acredito que sim. E isso se deve menos às minhas qualidades e mais a uma indignação geral da advocacia politizada com o modelo imposto nesta gestão. Esse modelo midiático de exposição permanente do presidente da Ordem em todos os meios de comunicação e falta de valorização da figura do advogado no seu cotidiano causa certa revolta aos advogados. Esses foram os motivos para que se escolhesse um único candidato de oposição. Todas as forças se uniram de forma inédita.

ConJur — Qual a data limite para as chapas se inscreverem?

Rui Celso Reali Fragoso — O prazo para a inscrição deve ser terminar em torno do dia 20 de outubro. A eleição da OAB-SP é sempre na segunda quinzena de novembro.

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