Aumento que não é

Para AGU, reestruturação de carreiras públicas não é aumento

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22 de junho de 2006, 20h35

A reestruturação das carreiras do serviço público não se confunde com a revisão geral de salários proibida pela Lei Eleitoral nos 180 dias anteriores à eleições. Este é a conclusão a que chegou a Advocacia-Geral da União, em nota assinada pelo consultor Marcelo de Siqueira Freitas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou, no dia 30 de maio, a Medida Provisória 295, que reestruturou e concedeu gratificação para seis carreiras do funcionalismo público federal. No total, 160 mil servidores federais serão beneficiados. O impacto da MP é de R$ 1,3 bilhão por ano no Orçamento.

A edição da MP colocou em risco a candidatura de Lula à reeleição. Se for confirmada a ilegalidade, seu registro para concorrer nas eleições pode ser cassado.

Segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, reafirmado nesta terça-feira (20/6) por seu presidente, ministro Marco Aurélio, é proibido conceder aumentos reais de salários para os funcionários públicos no período de 180 dias das eleições até a posse dos eleitos.

A decisão derivou da Consulta 1.229, apresentada pelo deputado Átila Lins (PMDB-AM), e reafirma as normas já fixadas pelo tribunal nas Resoluções 22.124 e 22.155, relativas às eleições.

Para a AGU, isso não deve ocorrer porque a reestruturação promovida pelo presidente não é revisão geral, de acordo com a definição desta pela Constituição Federal e com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral.

Leia a íntegra da nota

NOTA AGU/MS S/N de 21.06.2006

INTERESSADO: PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

ASSUNTO: Lei nº 9.504/97, art. 73, VIII. Eleições. Revisão geral da remuneração dos servidores. Prazo e limites. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 1.229. MP nº 295. Efeitos.

Senhor Consultor-Geral da União,

1. O Senhor Deputado Federal Átila Lins apresentou a seguinte consulta ao Tribunal Superior Eleitoral:

“1. O Calendário Eleitoral (RESOLUÇÃO Nº 22.124) estabelece o dia 4 de abril de 2006, como a data a partir da qual é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda à recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, inciso VIII).

2. O inciso VIII, do artigo 73, da Lei 9.504/97 tem a seguinte redação:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(….)

VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

3. Ao comentar este dispositivo, Olivar Coneglian, em sua obra ‘Lei das Eleições Comentada’, ensina que: ‘No final do inciso ficou estabelecida a regra temporal, mas essa regra está capenga, pois se refere ao prazo estabelecido no art. 7º desta lei e o art. 7º não fala de prazo, mas de normas para a escolha e substituição de candidatos e para a formação de coligações. No vácuo da lei, o TSE, em todas as resoluções sobre propagandas nascidas após a Lei 9.504/97 tem entendimento que o prazo é de seis meses antes da eleição (início de abril) até a posse dos eleitos’.

4. E, mais adiante, o reconhecido autor explica: ‘O TSE tem mantido a data limite de começo de abril, porque na verdade o texto do inciso VIII ficou sem uma data inicial, já que a referência ao art. 7º da lei está equivocada. Em realidade a referência deveria ser ao art. 8º da lei, e o prazo escolhido pelo legislador seria 30 de junho, último dia para as convenções de escolha de candidatos. No projeto desta Lei (Projeto de Lei 2.695/97), o atual art. 8º estava como art. 7º… Na revisão do texto, faltou corrigir este inciso VIII do art. 73, que deveria remeter ao art. 8º, e não ao art. 7º’.

(….)

8. Assim, considerando o erro de remissão contido no inciso VIII do artigo 73 da Lei 9.504/97, e que ‘erro material ou tipográfico pode ser suprido pelo interprete’ (STF, RE 81128, Min. Cordeiro Guerra, DJ 19.9.75), pois o ‘erro tipográfico no texto da lei, quando evidente, dispensa lei retificativa’ (STF, AI 17417, Rel. Min. Nelson Hungria, DJ 22.9.55), bem como a resposta das consultas 1083 e 1086 acima, indaga-se:

a) O inciso VIII do artigo 73 da Lei 9.504/97 ao estabelecer sua incidência ‘a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º, desta Lei’ se refere a qual dia? Ao dia 04 de abril ou à data de escolha dos candidatos em convenção (10 de junho a 30 de junho)?”

2. Essa consulta recebeu o nº 1.229 no TSE e seu julgamento foi concluído em 20.06.2006, com a apresentação de voto vista proferido pelo Ministro Marco Aurélio e seguido pela maioria dos Ministros dessa Corte. Este é o teor do referido voto, ainda não publicado:


“VOTO VISTA

SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): A consulta versa sobre o prazo referido na parte final do inciso VIII do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, que tem o seguinte teor, sob o ângulo da vedação:

VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

O relator, com base nos apontamentos de Olívar Coneglian em ‘Lei das Eleições Comentada’, consideradas as modificações surgidas quando da tramitação do projeto que desaguou na lei em tela, deslocando-se a numeração de artigos, conclui que o prazo a ser observado há de ter como marco a data inicial para a realização das convenções, ou seja, 10 de junho, tomando de empréstimo, com isso, não o artigo 7º, mais precisamente o prazo constante do § 1º nele contido – de 180 dias antes das eleições-, mas o que dispõe o artigo 8º. Então, propõe a alteração das Resoluções nºs 22.124 e 22.155, relativas às eleições deste ano.

Descabe potencializar, em termos de prazos relativos a atos a serem praticados, a existência, ou não, de candidatos. Para assim concluir-se, basta levar em conta que a Lei das Inelegibilidades contempla períodos em que, a rigor, não se conta com candidaturas já formalizadas mediante a escolha em convenção. Várias normas impõem o afastamento daqueles que pretendem se apresentar como candidatos em convenção no período de seis meses que antecedem ao pleito.

Cuida-se da problemática da revisão remuneratória dos servidores públicos, e é sabido que os governos em geral não respeitam sequer a reposição do poder aquisitivo da moeda prevista na Constituição Federal. Não obstante, em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível e então pode ocorrer até mesmo o lapso quanto à pratica verificada nos últimos tempos de conferir-se tratamento aos servidores públicos como se fossem os culpados pelas mazelas do Brasil, os bodes expiatórios. A bondade passa a ser uma constante. Esse dado não pode ser desconhecido, no que vem à balha consulta que deve ter origem específica, motivação própria, para lograr o beneplácito do Judiciário eleitoral no tocante à melhoria de vencimentos a ser implementada.

Sob tal óptica, interpreto a legislação em vigor de modo a evitar distorções, desvirtuamento a partir da utilização da coisa pública e visando a objeto individualizado, a obtenção da simpatia da grande parcela de eleitores formada pelos servidores públicos. Faço-o consignando mesmo que o artigo 8º da Lei nº 9.504/97 encerra prazo que, tomado de empréstimo quanto à outorga de melhoria de vencimentos, leva ria à incongruência. Observem o teor do artigo: ‘A escolha dos candidatos pelos partidos e deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 10 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições lavrando-se a respectiva ata em livro aberto e rubricado pela Justiça Eleitoral’. Vale dizer que, conjugado o artigo 8º com o inciso VIII do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, ter-se-á a vedação apenas considerado o período de 10 a 30 de junho que, uma vez ultrapassado, implicará a possibilidade de, em desequilíbrio na disputa, outorgar-se a vantagem tão sedutora aos servidores públicos. O § 1º do artigo 7º, ao contrário do artigo 8º, encerra período mais consentâneo com a ordem natural das coisas, ao prever o prazo de até 180 dias antes das eleições.

Dá-se, no caso, a fixação de termo inicial plausível, ou seja, os 180 dias referidos e, abandonado o termo final contemplado no citado parágrafo – a data das eleições -, porque incompatível com o mencionado no inciso VIII do artigo 73 – até a posse dos eleitos -, passa-se a ter a impossibilidade de a melhoria ser implementada desde os 180 dias anteriores à eleição até a posse dos eleitos, termo final expressamente estabelecido na norma de regência da matéria, isto é, no citado inciso VIII.

Peço vênia ao relator para divergir e, entre as interpretações possíveis, adoto a que mais atende ao objetivo da norma e que foi a prevalecente quando editadas as resoluções visando a explicitar, para as eleições deste ano, os parâmetros de regência.”

(Consulta nº 1.229, TSE, voto vista Ministro Marco Aurélio, julgada

em 20.06.2006)

3. Considerando essa consulta, e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, questiona-se agora se a Medida Provisória nº 295, de 29.05.96, que “dispõe sobre a reestruturação das carreiras de Especialista do Banco Central do Brasil, deMagistério de Ensino Superior e de Magistério de 1º e 2º Graus e da remuneração dessas carreiras, das Carreiras da Área de Ciência e Tecnologia, da Carreira de Fiscal Federal Agropecuário e dos cargos da área de apoio à fiscalização federal agropecuária, estende a Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária – GDATFA aos cargos de Técnico de Laboratório e de Auxiliar de Laboratório do Quadro de Pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cria a ratificação de Desempenho de Atividade de Execução e Apoio Técnico à Auditoria no Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde – GDASUS, e dá outras providências”, violou a lei eleitoral, nos termos da interpretação realizada pelo TSE, porque editada no período de 180 dias que antecede o pleito deste ano.


4. Como visto, o objeto da consulta era obter manifestação do Tribunal Superior Eleitoral à seguinte indagação: “o inciso VIII do artigo 73 da Lei 9.504/97 ao estabelecer sua incidência ‘a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º, desta Lei’ se refere a qual dia? Ao dia 04 de abril ou à data de escolha dos candidatos em convenção (10 de junho a 30 de junho)?”. Vejamos o que prevêem o dispositivo legal citado e a Resolução nº 22.124 do TSE, que define o Calendário Eleitoral das Eleições de 2006:

Lei nº 9.504/97

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

Resolução nº 22.124 – TSE

O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, usando das atribuições que lhe confere o art. 105 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, resolve expedir a seguinte Instrução:

(…)

4 de abril – terça-feira

(180 dias antes)

(…)

2. Data a partir da qual é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda à recomposição da perda do seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, inciso VIII).

5. Ocorre que a revisão geral da remuneração é um conceito constitucional, como se depreende da leitura do artigo 37, X da CF:

Constituição

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela EC nº 19/98)

(…)

X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(…). (Redação dada pela EC nº 19/98)

6. Assim, a revisão geral é aquela que se deve dar anualmente, “sempre na mesma data e sem distinção de índices”, para todos os servidores públicos, não se confundindo com outras formas de alteração da remuneração dos servidores, como pela reestruturação de determinadas carreiras, pela concessão de gratificações a carreiras específicas etc.

Há duas Resoluções do próprio Tribunal Superior Eleitoral que deixam nítida essa distinção:

Resolução nº 21.054 – TSE

A aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei n° 9.504, de 1997.

Resolução nº 21.296 – TSE

Revisão geral de remuneração de servidores públicos – Circunscrição do pleito – Art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97 – Perda do poder aquisitivo – Recomposição – Projeto de lei – Encaminhamento – 6 Aprovação.

1. O ato de revisão geral de remuneração dos servidores públicos, a que se refere o art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97, tem natureza legislativa, em face da exigência contida no texto constitucional.

2. O encaminhamento de projeto de lei de revisão geral de remuneração de servidores públicos que exceda à mera recomposição da perda do poder aquisitivo sofre expressa limitação do art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97, na circunscrição do pleito, não podendo ocorrer a partir do dia 9 de abril de 2002 até a posse dos eleitos, conforme dispõe a Resolução/TSE nº 20.890, de 9.10.2001.

3. A aprovação do projeto de lei que tiver sido encaminhado antes do período vedado pela lei eleitoral não se encontra obstada, desde que se restrinja à mera recomposição do poder aquisitivo no ano eleitoral.

4. A revisão geral de remuneração deve ser entendida como sendo o aumento concedido em razão do poder aquisitivo da moeda e que não tem por objetivo corrigir situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de carreiras específicas.

7. O próprio voto vista do Ministro Marco Aurélio não deixa dúvidas de que a consulta e sua resposta dirigem-se apenas à revisão geral, e não à “reestruturação de carreira”, como expresso na Resolução nº 21.054, ou, ainda, à correção de “situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de carreiras específicas”, como dito na Resolução nº 21.296, ambas do TSE.

Lê-se no voto vista:

“Cuida-se da problemática da revisão remuneratória dos servidores públicos…” – grifo nosso

8. Em verdade, a única vedação legal temporal à que se proceda a uma “reestruturação de carreira”, ou mesmo a uma correção de “situações de injustiça ou de necessidade de revalorização de carreiras específicas”, não possui caráter eleitoral, mas fiscal, porque inserta na Lei Complementar nº 101/2000, a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal:

LC nº 101/2000

Art. 21. Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.

9. Destarte, até 180 dias antes do término do mandato do Presidente da República, pode o mesmo reestruturar carreiras ou corrigir injustiças ou necessidades de revalorização de carreiras específicas do Poder Executivo da União, como regularmente feito pela MP nº 295, de 29.05.2006, prazo esse que, por ainda não estar esgotado, pode ser utilizado em relação a outras carreiras por ela não contempladas, em respeito à legislação vigente e aos julgados do TSE, inclusive à citada Consulta nº 1.229.

Brasília/DF, 21 de junho de 2006

MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS

Consultor da União

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