Vácuo da Justiça

Justiça de SP deixa 16 mil ações esquecidas por um ano

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21 de junho de 2006, 16h57

De março a dezembro de 2004, cerca de 16 mil processos enviados do Tribunal de Justiça de São Paulo ao Tribunal de Alçada Criminal ficaram simplesmente esquecidos pelo Poder Judiciário. Muitos desses processos eram de réus presos provisoriamente e outros até com pena cumprida, esperando a decisão que os colocaria em liberdade.

O fato é apontado pelo desembargador Luiz Pantaleão em ofício enviado ao presidente do Tribunal de Justiça paulista, Celso Limongi. O ofício também foi enviado para análise do Conselho Nacional de Justiça.

De acordo com Pantaleão, com a extinção do Tacrim no final de 2004, os milhares de recursos que haviam sido enviados àquele tribunal foram devolvidos sem que ao menos tivessem sido cadastrados no sistema.

Dezenas desses processos devolvidos foram distribuídos ao desembargador Pantaleão. De ofício, ele colocou diversos réus em liberdade por entender que foram submetidos a constrangimento ilegal.

No meio do caminho

Os milhares de processos foram enviados ao hoje extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo depois que ele absorveu parcela da competência do Tribunal de Justiça, em março de 2004.

No final do mesmo ano, a Emenda Constitucional 45 (reforma do Judiciário) extinguiu os Tribunais de Alçada, que foram incorporados aos Tribunais de Justiça. Foi então que se descobriu que cerca de 16 mil processos não haviam sequer sido cadastrados pelo Tacrim paulista.

“Por aproximadamente um ano, ficaram paralisados milhares de processos, em grande número envolvendo o interesse de réus presos e até mesmo pacientes em casos de Habeas Corpus”, afirmou Luiz Pantaleão no ofício enviado à Presidência do TJ paulista.

Segundo o desembargador, entre os 16 mil recursos que retornaram do Tribunal de Alçada Criminal “havia casos de réus presos com pena já, ou quase, cumprida; outros, até progredindo de regime em ‘execução provisória’”. Pantaleão requer ao TJ paulista que acione o Conselho Superior da Magistratura para que as responsabilidades pelo ocorrido sejam apuradas.

Leia o ofício

São Paulo, 19 de junho de 2006.

Senhor Presidente

Em decorrência do disposto nas letras “a” até “e”, do inciso II, do art. 79 da Constituição do Estado de São Paulo, com redação da Emenda Constitucional nº 17 de 02.03.04, publicada no D.O.E. de 03.03.04, parcela da competência do Tribunal de Justiça foi transferida ao Tribunal de Alçada Criminal, atualmente extinto.

Conseqüentemente, milhares de feitos, distribuídos já no Tribunal de Justiça, ou aguardando distribuição, foram remetidos ao Tribunal de Alçada Criminal.

Surpreendentemente descobriu-se, quando da extinção da mencionada Corte, que os autos dos processos que lhe foram encaminhados, nem sequer tinham sido cadastrados. Daí, cerca de 16000 (dezesseis mil) processos passaram à competência do Tribunal de Justiça, única Corte com a absorção dos Tribunais de Alçada.

Em outras palavras, por aproximadamente um ano, ficaram paralisados milhares de processos, em grande número envolvendo o interesse de réus presos e até mesmo pacientes em casos de habeas corpus.

A Constituição Federal admite prisão cautelar e provisória, como medidas excepcionais, desde que não afrontem o princípio da presunção de inocência e da celeridade procedimental. Contudo, por força da gravíssima irregularidade apontada, muitos réus, então apelantes, como se já não fossem insuportáveis as agruras do sistema penitenciário estadual, ainda contando com precárias carceragens de distritos policiais, não estavam obrigados a arcar com os ônus de problemas que, sim, tinham sido criados pelo Poder Judiciário, eis que, por razões a que não tinham dado causa, embora presos provisoriamente, não tiveram suas apelações julgadas, tudo restando paralisado. Em tese, é óbvio, poderiam vir a ser absolvidos. Estavam eles submetidos a constrangimento ilegal indiscutível, correndo, em face dos constantes motins e rebeliões, o risco de, não bastassem as violências à honra, dignidade e liberdade sexual, serem assassinados, talvez tendo, como eventuais vítimas de decapitação, as suas cabeças exibidas ao público por companheiros de presídio.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo não pode permitir que sua tradição de legalidade venha a ser diante de evidentes constrangimentos ilegais não provocados pelos réus, manchada de sangue. Aliás, o Jornal “Folha de São Paulo”, edição de 1º de agosto de 2005, Caderno C, pág. 4, anunciando algumas rebeliões em estabelecimentos penais diversos, estampou, em destaque, a seguinte epígrafe: “Por não pagar pensão alimentícia, homem é preso e morre em rebelião”. Da notícia, essa circunstância: “Ele havia sido preso um dia antes”.

Esclareço a Vossa Excelência que, nos feitos que me foram distribuídos dentre aqueles 16000 (dezesseis mil) que retornaram do Tribunal de Alçada Criminal, havia casos de réus presos com pena já, ou quase, cumprida; outros, até progredindo de regime em “execução provisória”. Impossível esquecer que, por imperativo constitucional, o réu, até o trânsito em julgado de sentença condenatória, presume-se inocente.

Todos esses réus, submetidos a constrangimento ilegal por inexplicável e inaceitável excesso de prazo, foram, por minha decisão, de ofício, postos em liberdade.

Em anexo, apresento a relação de dezenas e dezenas de processos nas circunstâncias referidas.

Requeiro a essa Egrégia Presidência, esclarecendo que estou encaminhando também a matéria ao Egrégio Conselho Nacional de Justiça, para os fins previstos no § 4º, do art. 103-B, da Constituição Federal, iniciativa junto ao Colendo Conselho Superior da Magistratura (até agora não tenho notícia, apesar do longo tempo decorrido, de qualquer providência administrativa tomada por esta Corte), para a apuração das responsabilidades diante da indevida paralisação dos feitos.

Ao ensejo, apresento a Vossa Excelência, protestos de elevado apreço e consideração.

Luiz Pantaleão, Desembargador não integrante do Órgão Especial.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR

CELSO LUIZ LIMONGI

DD. PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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