Profissão escolada

Supremo decidirá se jornalista precisa de diploma

Autor

20 de junho de 2006, 13h33

Caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar se é obrigatória a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Recurso Extraordinário apresentado pelo Ministério Público Federal foi admitido pelo vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e agora segue para o STF. A decisão do desembargador Baptista Ferreira foi publicada nesta segunda-feira (19/6) no Diário Oficial da União.

A procuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen alega que o Decreto-Lei 972/69 (que regulamenta o exercício da profissão de jornalista) não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porque o artigo 5º, incisos IX e XIII, prevê o direito do livre trabalho, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e, ainda, a liberdade de imprensa.

“O jornalismo constitui uma atividade intelectual, desprovida de especificidade que exija diploma para seu exercício”, diz a procuradora da República no recurso. “Além disso, é de se ressaltar que o jornalismo encontra-se cada vez mais especializado, de forma que pessoas formadas em outras áreas terminam, muitas vezes, por dedicarem-se à elaboração de artigos e matérias jornalísticas específicas sobre os temas de sua formação acadêmica.”

Para justificar seus argumentos, a procuradora cita lição do ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. Em artigo publicado na Revista Trimestral de Direito Público de julho/setembro de 2001, o ministro defendeu que “as disposições do Decreto-lei 972/1969 e seu regulamento, quanto à necessidade de diploma de curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista, não continuam em vigor”.

A procuradora ainda sustenta que a intenção do MPF é “preservar a liberdade de expressão de qualquer cidadão, sem que isto gere qualquer dano para a categoria dos jornalistas”.

Contra o diploma

Em outubro de 2001, a juíza federal Carla Abrantkoski Rister concedeu liminar para suspender a exigência do diploma. Em primeira instância, a decisão foi confirmada. A União e a Federação Nacional dos Jornalistas recorreram.

No ano passado, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região cassou a decisão da primeira instância. O entendimento do relator, desembargador Manoel Álvares, foi o de que o Decreto-Lei 972/69, que instituiu a obrigatoriedade do diploma durante a ditadura militar, foi amparado pela Constituição Federal de 1988. Manoel Álvares ainda ressaltou que já existe jurisprudência sobre a obrigação de diploma para o exercício da profissão.

O relator entendeu ainda que não há divergência entre os pareceres da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a lei nacional, que regulamenta a profissão. As desembargadoras Salette Nascimento e Alda Basto concordaram com o relator. “Imprescindível e extremamente importante que se aprenda jornalismo na faculdade”, salientou Alda.

Registro precário

A decisão do ano passado do TRF-3 obrigou o Ministério do Trabalho a cassar os registros precários dos jornalistas sem diploma. Em fevereiro, o ministro Luiz Marinho editou uma portaria que obrigava as delegacias regionais do trabalho a intimar os profissionais sem diploma para se apresentarem e terem seus registros declarados inválidos.

Em maio deste ano, um pedido de Mandado de Segurança foi ajuizado no Superior Tribunal de Justiça pela Associação de defesa do Trabalhador Discriminado contra a cassação dos registros. O ministro João Otávio de Noronha concedeu liminar que suspendeu a regra.

Dois meses antes, o STJ já havia concedido liminar para manter o registro do jornalista sem diploma Vanderlan Farias de Sousa. Levantamento feito pelas Delegacias Regionais do Trabalho, com exceção de Bahia e Amapá, constatou que entre 2001 e 2005, 13 mil pessoas não formadas em jornalismo obtiveram o registro.

Leia a íntegra do pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VICEPRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Ref.: Apelação Cível n.º 2001.61.00.025946-3

Apelantes: Ministério Público Federal, União Federal, Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

Apelados: Os Mesmos e Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (SERTESP)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, pela Procuradora Regional da República infra assinada, com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea a da Constituição Federal, e nos artigos 541 e seguintes do Código de Processo Civil, interpor, tempestivamente, o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO, consubstanciado pelas razões aduzidas em anexo.

Requer seja ele admitido e, oportunamente, remetido ao E. Supremo Tribunal Federal.

São Paulo, 07 de março de 2006.

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN


Procuradora Regional da República

([email protected])

RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Exmo(a). Ministro(a) Relator(a):

Exmo(a). Subprocurador(a)-Geral da República:

I – DOS FATOS QUE ANTECEDERAM À PROPOSITURA DO PRESENTE RECURSO:

Foram interpostas apelações pelo Ministério Público Federal, pela União Federal, pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e pelo Sindicato contra a r. decisão da Juíza da 16ª Vara Federal, da Subseção Judiciária de São Paulo, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública proposta pelo Parquet.

Em 16.10.2001, o Ministério Público Federal propôs a citada Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, em que requereu:

a) fosse determinado à União Federal não mais registrar ou fornecer qualquer número de inscrição no Ministério do Trabalho para os diplomados em jornalismo, informando aos interessados a desnecessidade do registro e inscrição para o exercício da profissão de jornalista;

b) fosse a União Federal obrigada a não mais executar a fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de curso universitário de jornalismo, bem como a não mais exarar os autos de infração correspondentes;

c) fossem declarados nulos todos os autos de infração lavrados por Auditores Fiscais do Trabalho, em fase de execução ou não, contra indivíduos em razão da prática do jornalismo sem o respectivo diploma;

d) fossem remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação para que houvesse a apreciação da pertinência do trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais em trâmite, cujo objeto se caracterizasse pela apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista;

e) fosse fixada multa de R$ 10.000,00, devendo ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas pela concessão do pedido, e

f) por fim, fosse a União condenada a reparar os danos morais coletivos pela conduta impugnada.

Às fls. 315/326, em 23.10.2001, foi parcialmente deferida a tutela antecipada, sendo determinada a abstenção da União, em todo o país, em exigir “o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto”, bem como em fiscalizar “o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de nível universitário de Jornalismo, assim como exarar os autos de infração correspondentes […], sob pena de cominação de multa diária nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85”.

Inconformadas com a decisão, a FENAJ (fls. 398/476) e a União (fls. 479/492) interpuseram Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, autuados sob os n.ºs 2001.03.00.034677-0 e 2001.03.00.035349-0, respectivamente.

Às fls. 744/747, foi indeferido “o ingresso na lide, na qualidade de litisconsortes ou assistentes do Ministério Público Federal aos cidadãos PEDRO PAULO NOTARO (fls. 495), ANTÔNIO CARLOS ARNONE (fls. 498), ADRIANA CARVALHO (fls. 504), e JOSÉ GOULART QUIRINO (fls. 515)”. Todavia, deferido o ingresso, “no pólo ativo, como assistentes simples do Ministério Público Federal do SINDICATO DAS EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO (SETERSP) (fls. 710); bem como da FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS (FENARJ) e do SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO (fls. 340), no pólo passivo, como assistentes simples da ré UNIÃO FEDERAL […]”.

Transcorrido regularmente o processo, com observância das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, veio aos autos sentença (fls. 883/930), publicada em 10.10.2003, que julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelo Parquet, assim dispôs:

“a) determinar que a ré União Federal, em todo o país, não mais exija o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto, bem assim que não mais execute fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau universitário de Jornalismo, assim como deixe de exarar os autos de infração correspondentes;

b) declarar a nulidade de todos os autos de infração pendentes de execução lavrados por Auditores – Fiscais do Trabalho contra indivíduos em razão da prática do jornalismo sem o correspondente diploma;

c) que sejam remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, de forma a que se aprecie a pertinência de trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais em trâmite, tendo por objeto a apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista;


d) fixar multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, nos termos dos arts. 11 e 13 da Lei nº 7.347/85, para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas neste decisum.”

Inconformadas, a FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo interpuseram recurso de apelação, com razões às fls. 939 a 995, sustentando, preliminarmente, cerceamento do direito de defesa, ilegitimidade do Ministério Público Federal, e necessidade da participação de todos os sindicatos representantes da categoria de jornalistas, e das faculdades particulares de jornalismo como litisconsortes necessários, bem como pelo não cabimento da ação civil pública na presente hipótese. No mérito, alega a recepção do Decreto-lei 972/69 pela atual Constituição Federal.

No mesmo sentido, o apelo da União Federal (fls. 1183/1197).

O Parquet federal, por sua vez, interpôs recurso de apelação (fls. 1158/1159), com razões anexas (fls. 1160/1181), pugnando pela reforma da sentença para que fossem atendidos os pedidos rejeitados pela juíza sentenciante, quais sejam, que União Federal se abstenha de exigir o registro de jornalista, através do Ministério do Trabalho, bem como repare os danos morais coletivos alegados.

Em razão da recusa da FENAJ em emitir as carteiras de identidade funcional aqueles que obtiveram o registro de jornalista pela via judicial noticiada nos autos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 1229/1249), que requereu a tomada de providências no sentido de cessar tal descumprimento judicial, decidiu a magistrada, por meio do despacho de fls. 1274/1277, fossem abertas vistas dos autos respectivamente à FENAJ, ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e à União Federal.

Após as manifestações apresentadas pela FENAJ e pela União, a MM. Juíza, a fim de conferir efetividade à sentença proferida, decidiu, às fls. 1295/1302:

“Defiro parcialmente o pedido do Ministério Público Federal […] fixando desde já, multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à FENAJ por emissão de Carteira Nacional de Identidade de Jornalista com tratamento diferenciado daqueles pedidos feitos por jornalistas diplomados, bem como determino à FENAJ que autorize os Sindicatos de Jornalistas e emitir a Carteira de Identidade de Jornalista para aqueles solicitantes registrados no Ministério do Trabalho amparados na sentença da presente ação civil pública”.

Apresentadas contra-razões pelo SERTESP (fls. 1307/1328), pela FENAJ (fls. 1389/1406).

Irresignadas com a decisão supracitada (fls. 1292/1302), a FENAJ e O SETERSP interpuseram Agravo de Instrumento (n.º 2003.03.00.042570-8), com pedido de efeito suspensivo, em que requereram a total reforma do decisum.

O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 1514/1548 pelo improvimento das apelações da União Federal, da FENAJ, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo e pelo parcial provimento da apelação interposta pelo Parquet Federal, “com a conseqüente reforma da sentença recorrida, no sentido de determinar que a União se abstenha de exigir o registro dos não diplomados em jornalismo, a fim de que possam exercer a profissão e de que não sofram a imposição de qualquer penalidade face à ausência da formação superior”(fl. 34/35).

Então, a Colenda Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região prolatou a decisão recorrida, assim ementada:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REQUISITOS PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. FENÔMENO DA RECEPÇÃO. VIA ADEQUADA. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. JULGAMENTO ANTECIPADO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OUTROS SINDICATOS. DECRETO-LEI N. 972/69. RECEPÇÃO FORMAL E MATERIAL PELA CARTA POLÍTICA DE 1988. EXIGÊNCIA DE CURSO SUPERIOR DE JORNALISMO. AUSÊNCIA DE OFENSA À LIBERDADE DE TRABALHO E DE IMPRENSA E ACESSO À INFORMAÇÃO. PROFISSÃO DE GRANDE RELEVÂNCIA SOCIAL QUE EXIGE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA E FORMAÇÃO ESPECIALIZADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.

1. Legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública, ante o interesse eminentemente de ordem social e pública, indo além dos interesses individuais homogêneos do exercício da profissão de jornalista, alcançando direitos difusos protegidos constitucionalmente, como a liberdade de expressão e acesso à informação.

2. Legítima e adequada a via da ação civil pública, em que se discute a ocorrência ou não do fenômeno da recepção, não se podendo falar em controle de constitucionalidade.

3. Havendo prova documental suficiente para formar o convencimento do julgador e sendo a matéria predominantemente de direito, possível o julgamento antecipado da lide.


4. Todos os Sindicatos da categoria dos jornalistas são legitimados a habilitar-se como litisconsortes facultativos, nos termos do § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85. Não configuração de litisconsórcio necessário.

5. A vigente Constituição Federal garante a todos, indistintamente e sem quaisquer restrições, o direito à livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) e à liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). São direitos difusos, assegurados a cada um e a todos, ao mesmo tempo, sem qualquer barreira de ordem social, econômica, religiosa, política, profissional ou cultural. Contudo, a questão que se coloca de forma específica diz respeito à liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ou, simplesmente, liberdade de profissão. Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII). O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o livre exercício de determinada profissão.

6. O Decreto-Lei n. 972/69, com suas sucessivas alterações e regulamentos, foi recepcionado pela nova ordem constitucional. Inexistência de ofensa às garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos.

7. O inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 atribui ao legislador ordinário a regulamentação de exigência de qualificação para o exercício de determinadas profissões de interesse e relevância pública e social, dentre as quais, notoriamente, se enquadra a de jornalista, ante os reflexos que seu exercício traz à Nação, ao indivíduo e à coletividade.

8. A legislação recepcionada prevê as figuras do provisionado e do colaborador, afastando as alegadas ofensas ao acesso à informação e manifestação de profissionais especializados em áreas diversas.

9. Precedentes jurisprudenciais.

10. Preliminares rejeitadas.

11. Apelações da União, da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas providas. 12. Remessa oficial provida.

13. Apelação do Ministério Público Federal prejudicada.”

Em síntese, verifica-se que o acórdão prolatado, publicado em 30 de novembro de 2005 no Diário de Justiça da União (fl. 1614), deu provimento aos recursos de apelação da União Federal, da FENAJ, do Sindicato dos Jornalistas e à remessa oficial, julgando prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal.

Posteriormente, vieram os autos a esta Procuradoria Regional da República, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.

II – DA TEMPESTIVIDADE NA INTERPOSIÇÃO DO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO:

Dispõe o artigo 188 do Código de Processo Civil :

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

Os autos foram recebidos no Ministério Público Federal em 06.02.2006 (fl. 1617), numa segunda-feira, começando a correr o prazo para interposição do Recurso Extraordinário em 07.02.2006 (Terça-feira), sendo o prazo fatal 08.03.2006 (Quarta-feira), tendo em vista o disposto no artigo 508 do Código de Processo Civil, que concede o prazo legal de 15 (quinze) dias para interposição de Recurso Extraordinário, combinado com o artigo 188 do Código de Processo Civil, aplicável à espécie, que permite ao Ministério Público utilizar-se do prazo em dobro, duplicando-se, portanto, o prazo do Recurso Extraordinário de 15 (quinze) para 30 (trinta) dias.

Sobre o assunto, a jurisprudência manifestou-se reiteradamente:

“O art. 188 se aplica ao Ministério Público, tanto quando é parte, como quando funciona como fiscal da lei.”(1)

Pelo que, tempestiva a apresentação deste recurso nesta data.

III– DO DIREITO:

III-A – Da contrariedade ao artigos 5º, incisos IX e XIII, e 220 da Constituição Federal em razão da suposta recepção do Decreto-Lei n.º 972/69 pela Lei Maior:

Assentou a v. decisão vergastada o entendimento de que “as normas veiculadas pelo Decreto-Lei n.º 972/69, foram integralmente recepcionadas pelo sistema constitucional vigente, sendo legítima a exigência do preenchimento dos requisitos de existência do prévio registro no órgão regional competente e diploma de curso superior de jornalismo para o livre exercício da profissão de jornalista” (fl. 1611).

Diferentemente do ventilado no acórdão recorrido, o diploma legal questionado não foi recepcionado pela atual Constituição Federal.


Ao considerar que o Decreto-Lei n.º 972/69 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o acórdão recorrido terminou por contrariar o disposto nos artigos 5º, incisos IX e XIII, e 220, da Lei Maior.

O artigo 4º, inciso V do mencionado Decreto-Lei, exige o diploma em curso superior de jornalismo para que a pessoa possa exercer tal profissão. Vejamos:

“Art. 4º – O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de:

(…)

V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de ” a ” a ” g ” no artigo 6º.”

Ora, tal regra revela-se incompatível com a Magna Carta de 1988, que declara a liberdade de profissão.

Não se pode defender a recepção desta norma, como fez o acórdão guerreado, em razão da disposição de um único artigo constitucional, isto é, o artigo 5º, incisos IX e XIII, que prevê o direito ao livre trabalho e à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e ainda a liberdade de imprensa.

Por oportuno, transcrevem-se os mencionados dispositivos:

“Art. 5º. […]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; […]” (grifou-se)

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

Deveras, a restrição feita pelo artigo 5o, inciso XIII da Constituição Federal, refere-se somente a determinadas profissões, nas quais se exige conhecimentos técnicos específicos para o regular desempenho na atividade, sem acarretar qualquer dano à coletividade, como os profissionais na área da Saúde, por exemplo. Mas o mesmo não deve ocorrer com relação aos jornalistas.

Deve-se ter em mente que a regulamentação das profissões deve ter como objetivo último a proteção daqueles que são os receptores dos serviços profissionais, os quais devem ter a certeza de receberem serviços de pessoas capacitadas para tanto.

A respeito, a lição de Edmundo Campos Coelho (2):

“(…) o traço importante que distingue as “profissões” em sua dimensão corporativa seria, em primeiro lugar, a capacidade de autoregulação coletiva; em seguida, e estreitamente associada à condição anterior, uma certa capacidade de regular o mercado de prestação de serviços profissionais, sobretudo pelo lado da oferta, oferecendo algum tipo de “proteção” aos seus membros. Um monopólio, enfim. Nestes termos, nem todas as profissões liberais, na acepção do Aurélio, são profissões no sentido socio-lógico convencional, embora as demais características das primeiras (educação superior, prestígio social, natureza técnica do conhecimento) sejam necessárias para a definição das segundas.”

Nesse sentido, vigora no Brasil a regulamentação das profissões por meio dos Conselhos e Ordens Profissionais, que instaura um “monopólio” sobre a atividade profissional.

A função de tais Conselhos e Ordens decorre do poder de polícia do Estado, sendo seu objetivo principal defender a sociedade também do ponto de vista ético, sendo inseridas no Sistema Nacional de Organização e Condições para o Exercício de Profissões, como pessoas jurídicas de Direito Público.

Segundo João Leite de Faria Júnior (3):

“Compete aos Conselhos e Ordens defender a sociedade, pelo ordenamento da profissão, tendo, por função, o controle das atividades profissionais respectivas, zelando o privilégio e controlando a ética. Valorizando a profissão ao impedir que pessoas inabilitadas exercitem as atividades profissionais e, ainda, combatendo a falta de ética profissional, atingem os Conselhos e Ordens o seu desideratum. Os Conselhos e Ordens se organizaram porque a sociedade necessita de um órgão que defenda, impedindo o mau exercício profissional, não só leigos inabilitados, como dos habilitados sem ética. Tanto uns como outros lesam a sociedade. Compete aos Conselhos evitar essa lesão.”

No entanto, tal raciocínio não se aplica à classe dos jornalistas, vez que inexiste, naquele ramo, um Conselho ou uma Ordem Profissional, justamente pelo fato de que tal atividade prescinde de controle ético por um órgão público, o que acaba sendo realizado pelos próprios leitores das matérias jornalísticas e anda por editores e outros responsáveis pelas empresas jornalísticas.


Aliás, importante notar que, também como forma de proteção à sociedade, os jornalistas respondem por eventuais crimes contra a honra, previstos em norma especial, qual seja, a Lei n.º 5.250/67.

De fato, a regulamentação de atividade profissionais decorre do poder de polícia do Estado, mostrando-se irrazoável no caso da profissão de jornalista, pois o jornalismo constitui uma atividade intelectual, desprovida de especificidade que exija diploma para seu exercício.

Além disso, é de se ressaltar que o jornalismo encontra-se cada vez mais especializado, de forma que pessoas formadas em outras áreas terminam, muitas vezes, por dedicarem-se à elaboração de artigos e matérias jornalísticas específicas sobre os temas de sua formação acadêmica. Assim, também por tal razão, não se mostra razoável a exigência da formação específica em jornalismo, pois acabaria sendo cerceada a elaboração de matérias por formados em outras áreas.

A respeito, veja-se trecho de parecer exarado pelo Promotor de Justiça Ricardo Dias Leme, nos autos do Habeas corpus n.º 59/92:

“Como bem acentuado pela impetração, o jornalismo é em essência uma atividade intelectual, que não possui uma especificidade própria e característica, que imponha a obrigatoriedade do diploma para o seu exercício. Trata-se de uma técnica, e não de uma ciência ou uma atividade cujo exercício por pessoas que não portem o diploma, possa colocar em risco qualquer interesse social relevante, de forma a justificar a imposição de uma limitação ao seu exercício pelo poder de polícia.

Tanto isso é verdade, que as maiores expressões do jornalismo brasileiro, como Carlos Castelo Branco, Janio de Freitas, Fernando Pedreira, Paulo Francis, Alberto Dines, Claudio Abramo, Carlos Lacerda, que além de político e intelectual, foi um excepcional jornalista, não possuem ou possuíam diploma de jornalista. Ninguém por certo ousará afirmar que a atividade desses intelectuais que exerceram ou exercem o jornalismo causou algum dano ao interesse público.”

O aspecto da irrazoabilidade na exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão foi bem ressaltado pela MM. Juíza, ao sentenciar a Ação Civil Pública originária deste Recurso Extraordinário:

“Tal se deve à propalada irrazoabilidade do requisito exigido para o exercício da profissão, tendo em vista que a profissão de jornalista não pode ser regulamentada sob o aspecto da técnicas, capacidade técnica, eis que não pressupõe a existência de qualificação profissional específica, indispensável à proteção da coletividade, diferentemente das profissões técnicas (a de Engenharia, por exemplo), em que o profissional que não tenha cumprido os requisitos do curso superior pode vir a colocar em risco a vida das pessoas, como também ocorre com os profissionais da área de saúde (por exemplo, de Medicina ou de Farmácia). O jornalista deve possuir formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade (muito embora seja forçoso reconhecer que aquele que o faz poderá vir a enriquecer tal formação cultural), mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional. Em segundo lugar, porque o exercício dessa atividade, mesmo que exercida por inepto, não prejudicará diretamente direito de terceiro. Quem não conseguir escreve um bom artigo ou escrevêlo de maneira inintelegível não conseguirá leitores, porém, isso a ninguém prejudicará, a não se ao próprio autor. Assim, a regulamentação, pelo que depreendo, não visa ao interesse público, que consiste na garantia do direito à informação, a ser exercido sem qualquer restrição, através da livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, conforme previsto no inciso IX do art. 5º e caput do art. 220, ambos da Constituição Federal “ (fls. 905/906).

Esclarecedora, também, a lição do Ministro Eros Roberto Grau (4):

“Há plena liberdade de trabalho, ofício ou profissão quando não forem imprescindíveis qualificações profissionais específicas para desempenhá-lo; essa exigência se institui nos casos em que o tipo de atividade demanda uma aptidão qualificada e que é requerida para proteção da coletividade, de modo que ela não seja exposta a riscos;

Mas a lei ordinária pode (= deve) exigir somente as qualificações profissionais reclamadas pelo “interesse superior da coletividade”; não se admitem limitações senão em razão do interesse coletivo, pelo qual deve o Estado velar paternalmente.

(…)

Evidenciadissimamente, a profissão de jornalista não reclama de qualificações profissionais específicas. Indispensáveis à proteção da coletividade, de modo que ela não seja exposta a riscos”.

No mesmo sentido são as lições de Geraldo Ataliba em parecer cuja cópia ora se acosta (doc. 01):


“Quer-se saber se foi recebida a norma de nível legal que exige diploma de jornalista, para o exercício dessa profissão. Se tal preceito foi compatível com o Texto Constitucional vigente, foi recebido e integra o novo sistema jurídico, instaurado em 1988. Se incompatível, considera-se perempto, destituído de eficácia. Inaplicável, pois.

(…)

Sendo o sistema uno e incindível, postula consideração harmônica e concomitante de todos seus preceitos, atribuindo a cada qual a força e virtude normativa maior ou menor, conforme os valores que declaram e protegem, segundo hierarquia que o próprio Texto Constitucional estabeleceu e ao hermeneuta cumpre, reverentemente, desvendar.

Os pontos fulcrais estão – no que atina com a preocupação central deste estudo – no art. 200 e no inciso XIII do art. 5º, a que, entre outros, faz referência o mandamento do parágrafo 1º do art. 200 – ao vedar embaraços às informações jornalísticas – mandando, não obstante, observar a exigência de que o exercício das profissões atenda “às qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Duas interpretações, à primeira vista, parecem possíveis, dessa conjunção de normas:

a) só poder exercer o ofício de jornalista quem tenha diploma atestatório de qualificação profissional;

b) ao exercer seus misteres – no transmitir informações específicas e próprias de uma profissão legalmente regulada – o jornalista deverá ouvir quem seja formalmente “qualificado”, de acordo com a lei.

(…)

Na hipótese a, fica parecendo que a Constituição quer que alguém seja “formado” profissionalmente, para profissionalmente colher, interpretar, comentar e transmitir informações variadas. O diploma atestaria tal ‘qualificação’ do seu portador, habilitando-o, com exclusividade a esse mister.

Consequentemente, seriam proibidos de colher, interpretar, comentar e transmitir informação, todos os não portadores de diploma, mesmo que tenham inteligência, cultura, habilidade e comunicabilidade para tanto.

(…)

A segunda interpretação (b) entende que a liberdade ampla da informação jornalística não pode prejudicar o leitor (ouvinte, telespectador) pela transmissão de informações inidôneas, por falta de qualificação profissional das fontes, quando a matéria informada esteja inserida num universo de conhecimentos especializados cujo manejo dependa, legalmente, de qualificação profissional dos seus operadores. Assim, se a saúde é um valor, informação sobre remédios, instrumentos ou processos terapêuticos só pode provir de fonte qualificada formalmente segundo critérios legais; a fonte, nesse caso, será necessariamente um médico (…).

(…)

Enfim, o direito à informação – direito do povo a ser informado, com fidelidade, pelos profissionais do jornalismo – há de ser atendido livremente por pessoas argutas, inteligentes, cultas e dotadas de qualidades comunicativas (escrita, fala, boa expressão), com a condição de que (ao transmitirem notícia sobre fatos e fenômenos objeto de conhecimento específico de profissões regulamentadas) sua interpretação e explicação de provirão de profissionais formalmente qualificados (diplomados), a que deverá reportar-se os jornalistas. É desse modo que se obedece ao art. 5º, XIII da Constituição.”

Corroborando os argumentos já expendidos, é o entendimento do jornalista Maurício Tuffani:

“Nossa conclusão é a de que não há razoabilidade nessa exigência [diploma] para o exercício da profissão. Em outras palavras, cursar uma escola de jornalismo não é apenas desnecessário para que uma pessoa esteja qualificada para exercer plenamente a profissão, mas também não assegura essa qualificação. Dizendo de acordo com os termos da lógica, nosso argumento central é que esse requisito não é condição necessária nem condição suficiente para qualificar alguém para o exercício do jornalismo (5).

(…)

“O acesso à profissão sem a obrigatoriedade de formação específica existe não só nos Estados Unidos, mas também na Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Chile, China […] e em vários outros países. […] Nesses países prevalece a concepção de que a liberdade de expressão, como necessária ao exercício da cidadania, é incompatível com impedimentos para que qualquer cidadão possa, sem desembaraço, não só ingressar na profissão, mas até mesmo ter seu próprio veículo de comunicação”(6)

.

Com efeito, o objeto do presente Recurso Extraordinário é questionar se o Decreto-Lei n.º 972/69 foi ou não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista os bens jurídicos por ela tutelados, quais sejam, a liberdade de profissão, informação e de expressão, relevantes para caso dos autos.

De fato, a regulamentação da profissão do jornalista por meio do Decreto-Lei n.º 972/69 sobreveio em época em que se mostrava interessante dispor legalmente sobre as profissões, mormente a de jornalista, em virtude da necessidade de ser controladas as informações divulgadas pela imprensa. Exigia-se o diploma para o exercício da profissão de jornalista de forma a afastar da imprensa e do exercício cotidiano do jornalismo intelectuais e políticos que se opunham ao regime militar.


Nesse sentido, à luz dos dispositivos da Constituição Federal de 1988 acima transcritos, as restrições impostas pelo Decreto- Lei n.º 972/69 não condizem com as regras constitucionais atualmente em vigor. De fato, vigora a regra da liberdade de profissão, só admitindose restrições legais quando relevantes para o próprio exercício da profissão.

Dessa forma, há de se concluir que os requisitos principais para ser um bom jornalista, quais sejam, bom caráter, ética e o conhecimento sobre o assunto abordado, não são matérias a serem aprendidas na faculdade, mas no cotidiano de cada indivíduo, nas suas relações intersubjetivas, de forma que o exercício da profissão em comento prescinde de formação acadêmica específica. Esse aspecto foi bem ressaltado pelo MM. Juíza Federal, ao proferir a sentença na Ação Civil Pública:

“(…) o argumento de que haveria requisitos de ordem ética ou moral como condições de capacidade que justificariam a regulamentação da profissão não se sustentam, eis que a comum honestidade não é requisito profissional específico para o exercício da profissão de jornalista, mas sim um pressuposto para o exercício de qualquer profissão, pelo que não pode ser considerado como legitimador da exigência do diploma para o caso em tela, até mesmo porque a honestidade e a ética não são atributos que se adquirem somente durante um curso universitário de quatro ou cinco anos, mas sim que compõem o núcleo da personalidade e do caráter do indivíduo, formado durante toda a sua vida, seja pelo exercício da atividade acadêmica (cuja utilidade e benefício ao indivíduo são mais do que reconhecidos pelo presente Juízo), seja pelo exercício profissional propriamente dito, seja pela conveniência familiar e até mesmo pelas demais formas de convivência da sociedade” (fls. 907/908).

Veja-se, também, o que vem entendendo o Supremo Tribunal Federal, em hipótese símile, nos autos do Recurso Extraordinário n.º 414426, cujo julgamento encontra-se suspenso em virtude de pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes:

“A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que, com base no art. 5º, incisos IX e XIII, da CF, entendera que a atividade de músico não depende de registro ou licença e que a sua livre expressão não pode ser impedida por interesses do órgão de classe, haja vista que este dispõe de meios próprios para executar anuidades devidas, sem vincular sua cobrança à proibição do exercício da profissão. A recorrente, Ordem dos Músicos do Brasil/OMB – Conselho Regional de Santa Catarina, sustenta, na espécie, a inadequação do mandamus contra lei em tese e a afronta aos arts. 5º, IX, XIII, e 170, parágrafo único, ambos da CF, sob a alegação de que o livre exercício de qualquer profissão ou trabalho está condicionado pelas referidas normas constitucionais às qualificações específicas de cada profissão e que, no caso dos músicos, a Lei 3.857/60 estabelece essas restrições. Aduz, ainda, que possui poder de polícia. A Min. Ellen Gracie, relatora, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhada pelo Min. Joaquim Barbosa. Inicialmente, considerou adequada a via do mandado de segurança, porquanto os recorridos insurgem-se contra ato concreto de fiscalização emanado da OMB, e que afronta ao art. 170 da CF não fora prequestionada (Súmulas 282 e 356 do STF). No tocante à alegada ofensa aos incisos IX e XIII do art. 5º da CF, asseverando que a liberdade do exercício de profissão neles assegurada pode sofrer limitações com vistas ao interesse público, entendera que as exigências de inscrição na OMB e de o afiliado estar em dia com o pagamento de anuidade ferem o livre exercício da profissão. Afirmou que, na hipótese da música, a livre expressão artística é de sua essência e, por conseguinte, a obrigatoriedade de inscrição na OMB para que os profissionais da música se apresentem profissionalmente equivale à exigência de licença expressamente proibida pelo art. 5º, IX, da CF. Ademais, salientou que a exigência de comprovação de pagamento de anuidade é despropositada, visto que, conforme acentuara o acórdão impugnado, a recorrente possui outros meios legais para efetuar a cobrança. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes. RE 414426/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (RE-414426)” (7)

Logo, a liberdade de profissão, de expressão e de informação é a regra, sendo que eventuais limitações só poderão ser efetuadas se houver interesse público nesse sentido. Não existindo tal interesse, é de se concluir que o artigo 4o, inciso V do Decreto-Lei n.º 972/69 não foi recepcionado pelo Constituição de 1988.

Nessa linha, a lição do Ministro Eros Roberto Grau (8):

“Desde que a profissão de jornalista não reclama qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, de modo que ela não seja exposta a riscos – pode o primeiro quesito proposto na consulta ser prontamente respondido, o que faço afirmando que as disposições do Decreto-lei 972/1969 e seu regulamento, quanto à necessidade de diploma de curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista, não continuam em vigor; essa exigência foi derrogada por não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988”. (grifou-se)


Assim, é forçoso concluir que regulamentação existente para a profissão de jornalista, seja no Decreto-Lei 972/69, seja nas modificações posteriores mencionadas no acórdão recorrido, à luz dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal como regras, mormente a liberdade de profissão, informação e expressão, não foi recepcionada pela Lei Maior de 1988, de forma que a União Federal não deve mais exigir diploma universitário para o registro de jornalista no Ministério do Trabalho.

Veja-se o acertado entendimento exarado nos autos do Recurso Ordinário n.º 3.567/95, no Acórdão n.º 499/95, proferido pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região:

“Não é salutar, não é aconselhável, não é bom para o interesse maior do povo que se reserve o exercício da profissão de jornalista apenas para os que têm o diploma expedido por uma escola superior de jornalismo, oficial ou reconhecida, porque a exigência não se compatibiliza e nem se justifica ante à norma que assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações estabelecidas na lei (inciso XIII do art. 5º da Constituição da República). Para a profissão de jornalista, como para tantas outras que existem, não regulamentadas, e para muitas e muitas regulamentadas, não se justificam tantas exigências, como, dentre elas, a exibição de diploma de 3º grau, que na realidade levam não à liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, mas ao tolhimento, à castração dessa liberdade almejada pelo constituinte, em nome do povo. Essas regulamentações têm servido apenas para a cartelização das profissões, para o estabelecimento dos feudos profissionais.”

E é justamente nesse ponto que se baseia a Ação Civil Pública originária: preservar a liberdade de expressão de qualquer cidadão, sem que isto gere qualquer dano para a categoria dos jornalistas, cuja esfera de atuação não será atingida pela manutenção do decisum.

Por tais razões, evidencia-se, assim, que o acórdão recorrido violou os incisos IX e XIII do artigo 5º e o artigo 220 da Constituição Federal, vez que a obtenção de registro no Ministério do Trabalho exige requisitos inconstitucionais ou desarrazoados, descritos no artigo 4º do Decreto-Lei nº 972/69, in verbis:

“Art 4º O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de:

I – prova de nacionalidade brasileira;

II – folha corrida;

III – carteira profissional;

IV – declaração de cumprimento de estágio em empresa jornalística;

V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de ” a ” a ” g ” no artigo 6º”.

A primeira exigência, nacionalidade brasileira, não foi “recebida pela Constituição Federal de 1988, cujo artigo 5º, caput, e inciso XIII, assegura o livre exercício profissional também aos estrangeiros residentes no país”. (9)

Referido dispositivo prevê a igualdade entre nacionais e estrangeiros, regra essa que somente encontra exceções no próprio texto constitucional.

Por sua vez, basta breve leitura dos outros incisos (II a VI) para se concluir que os pressupostos elencados consubstanciam mera burocratização criada na legislação anterior, que não encontra correspondência na atual Carta Constitucional, como amplamente demonstrado neste Recurso Extraordinário.

Desta feita, conclui-se ser de rigor manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito da recepção do Decreto-Lei n.º 672/69, vez que o entendimento esposado no acórdão guerreado vai de encontro ao preceituado nos incisos IX e XIII do artigo 5º e artigo 220, ambos da Constituição Federal de 1988.

III-B – Da revogação do artigo 4º, V, do Decreto-Lei n.º 972/69 pelo artigo 13 do Decreto n.º 678/92 (Pacto São José da Costa Rica) e o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal:

Ainda, entendeu o acórdão recorrido:

“Por fim, fazem-se necessárias algumas considerações a respeito da possível afronta à norma veiculada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, mais precisamente em seu art. 13, assim redigido:

“Liberdade de pensamento e expressão

1. toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber, e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. o exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a prévia censura além das responsabilidades posteriores que devem estar expressamente estabelecidas pela lei e que sejam necessárias para assegurar o respeito aos direitos ou à reputação dos demais, ou a proteção da segurança nacional, ou a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas.


3. não se pode restringir o direito de informação por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”.

É certo que, com a edição do Decreto nº 678/92 (DJU de 09.11.92), a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, passou a integrar o sistema jurídico nacional.

Contudo, com a devida vênia, não vislumbro incompatibilidades entre essa norma internacional e os direitos e garantias já assegurados em nossa Constituição Federal relacionados com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), com a liberdade de expressão (art. 5º, IX), bem assim com a liberdade de informação (art. 220, § 1º), as quais, repito, não se confundem com liberdade de profissão.

De qualquer forma, não se pode olvidar que, consoante referido pelo próprio autor em sua inicial (fls. 31), o C. Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido no sentido de que essas normas são recebidas com o status de lei ordinária e como tal submetem-se à supremacia da Constituição Federal.” (fls. 1609/1610).

No entanto, melhor entendimento deve prevalaecer.

Dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992 (Decreto nº 678), que prevê em seu artigo 13:

“Art. 13

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.

Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.”

Corroborando todo o exposto, o item 3 do artigo transcrito dispõe que não se pode criar restrições ao direito de exercer a profissão de jornalista, tampouco ao de informação mesmo que por vias e meios indiretos, como ocorre no país, pela exigência de diploma de curso superior de jornalismo para a obtenção de registro no Ministério do Trabalho.

Ocorre que, antes do advento da Emenda Constitucional n.º 45, que incluiu o § 3º ao artigo 5º (10), havia grande discussão sobre a natureza jurídica dos tratados internacionais no direito interno.

Contudo, no presente caso, qualquer posição que se adote – que o tratado tenha força de lei ordinária ou de norma constitucional – nos leva a mesma conclusão: de que o artigo 4º, inciso V do Decreto-Lei n.º 972/69 foi revogado pelo Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, seja pela não recepção desta regra pela Constituição Federal de 1988, seja por sua revogação pela Convenção Americana sobre direitos humanos, ratificada em 1992, a União Federal não deve mais exigir diploma universitário para o registro de jornalista no Ministério do Trabalho.

IV – DO PEDIDO:

Pelo exposto, o Ministério Público Federal requer que o Supremo Tribunal Federal conheça e dê provimento ao presente recurso, nos termos das razões de direito aqui expostas, reformando o v. acórdão impugnado, para que não se considere recepcionado o Decreto- Lei n.º 672/69 pela Constituição Federal de 1988, nos moldes explicitados na sentença monocrática proferida nos autos da Ação Civil Pública n.º 2001.61.00.025946-3.

São Paulo, 07 de março de 2006.

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN

Procuradora Regional da República

CRM

Notas de Rodapé

1- Supremo Tribunal Federal –RTJ 106/217 e RJTJESP 82/196, 4 VOTOS A 1; Supremo Tribunal Federal –RTJ 106/1.036 e RT 578/253, conheceram e deram provimento, v.u.). No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça – 3ª Turma, Resp 2.065-RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter,j. 8.5.90, não conheceram, v.u., DJU 28.5.90, p. 4.732; Superior Tribunal de Justiça 4ª Turma, Resp 65.944-PR, rel. Min. Ruy Rosado, j. 3.10.1995, deram provimento, v.u., DJU 27.11.95, p. 40.896; RT 474/87, RJTJESP 36/59, 40/37, Bol. AASP 858/216.

2- COELHO, Edmundo Campos. A Profissões Imperiais. Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro. 1822-1930, Ed. Record, Rio de Janeiro e São Paulo, 1999, pp. 25-26.

3- FARIA JÚNIOR, João Leite in GOMES DA SILVA, José Luiz. Natureza jurídica e finalidades dos Conselhos e Ordens Profissionais, pp. 3-4.

4- GRAU, Eros Roberto. Exercício da profissão de jornalista; não recepção do Decreto-lei 972/1969 pela Constituição de 1988. Interpretação/aplicação do direito e proporcionalidade in Revista Trimestral de Direito Público, n.º 35, jul-set, 2001, pp. 102-103.

5- TUFFANI, Maurício. Diploma de jornalismo. Regulamentação deve atender ao desenvolvimento humano. Disponível em . Acesso em 24 jun., 2005, p. 03.

6 Op. cit., p. 12.

7- Informativo n.º 406 do Supremo Tribunal Federal, de 17 a 21 de outubro de 2005.

8 Idem, p. 103.

9- TRF 4a Região – MAS 970410724-2/RS – rel. Des. Federal José Germano da Silva – DJ 18/06/1997.

10 “Art 5o – (…) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!