Magias da mídia

Dogmática jurídica tem de solucionar problema emergente

Autor

  • Liza Bastos Duarte

    é advogada professora da Universidade Luterana do Brasil especialista em Direito Penal e mestre em Gestão de Negócios do Mercosul pela Uces — Universidad de Ciencias Empresariales y Socialies.

19 de junho de 2006, 7h00

Das Mídias

Não podemos pensar o Direito ignorando o contexto social em que ele se insere. Partindo dessa premissa, é interessante discutir a influência da mídia[1] como formadora, produtora e difusora de valores, fomentadores do discurso legislativo, pois não se pode ignorar que os meios de comunicação de massa são elementos definidores das formas na sociabilidade contemporânea. O poder da mídia como formadora de opinião é inegável: vivemos a chamada “revolução das comunicações”, que teve início em meados do século XIX e se intensificou no século XX, determinando profundas mudanças sócio-econômico-político-culturais.

O mundo contemporâneo, tecnológico e globalizado, sofre grande influência das mídias[2], cuja atuação ultrapassa de muito a área econômica, interferindo nos comportamentos sociais, nos valores culturais, e criando novas modalidades discursivas e conceituais[3]. Para muitos, a ação midiática é responsável mesmo pela implementação de novas racionalidades e formas de pensamento, com influência na própria produção de sentido e percepção moral, promovendo, assim, alterações profundas de caráter ético, estético e ideológico.

A publicidade veiculada pela mídia amplia o potencial de transmissão de informações que objetivam a construção de uma consciência do indivíduo enquanto sujeito-consumidor, assumindo a mesma um papel de grande importância na difusão de práticas sociais compatíveis com a venda de produtos midiáticos. Quando a publicidade atinge a sua finalidade, cria novas regras de acumulação, amplia as faixas de consumo e opera a homogeneização necessária à difusão de uma ideologia de valores consumistas.

Os meios de comunicação de massa, além de tornarem públicos os acontecimentos individuais, relativizam os domínios públicos e privados, possibilitando, também, a vivência, sentida como “real”, de acontecimentos produzidos pela mídia. Ainda que a experiência da publicidade não exija a partilha de espaços, ela é vivenciada pelo espectador, muitas vezes, como um acontecimento cotidiano que assume contornos de realidade factual pelo efeito das transferências: todo indivíduo possuidor de um aparelho de televisão, vive como “reais” experiências criadas e mediadas pela mídia.

Evidentemente, existem aspectos positivos, tais como a acessibilidade da informação, que possibilita uma democratização do conhecimento. Entretanto, esse acesso global e indiscriminado à informação sem uma elaboração crítica pode trazer efeitos nefastos àqueles que não possuem meios de processar o material veiculado com uma postura mais crítica.

Os receptores das mensagens produzidas pela mídia são vistos como consumidores passivos a serem hipnotizados e manipulados pelo espetáculo midiático. Cria-se uma nova forma de produção e veiculação da ideologia — não mais fundada num sistema coerente de idéias ou crenças, mas como um sistema de valores introjetados pela sua invasividade, cujo modo de ação é a apresentação de conduta e valores a serem reproduzidos, sustentada pelo fato de a mídia se apresentar como geradora da própria realidade.

Acontece que a realidade apresentada pela mídia é falsa, é fabricada, pois se trata de um simulacro do real. A ideologia perpassada pela mídia, em termos de sentido mobilizado por formas simbólicas para estabelecer e sustentar relações de dominação, responde aos interesses da classe dominante que persuasivamente pretende ditar valores a serem adotados e consumidos. Para Thompson[4], “é apenas com o desenvolvimento da comunicação de massa que os fenômenos ideológicos podem tornar-se fenômenos de massa, capazes de afetar grande número de pessoas”, aplicando em tornar a mídia, na sociedade moderna, o meio mais importante para a operação da ideologia[5].


Com isso, novas linguagens, códigos, posturas e hábitos são difundidos através do discurso midiático[6], que é cuidadosamente produzido para vender serviços e produtos interessantes ao mercado consumidor. Os receptores assumem, nesse contexto, um papel interativo com o texto midiático[7], na medida em que reproduzem os paradigmas projetados, incorporando-os ao seu self e à maneira de perceber a realidade.

O que se deve ter presente é que a mídia e os fenômenos que se representam em seu meio, bem como a ordem lógica, formal, emocional ou moral que encerram, estão articulados num universo próprio, fechado em si mesmo. Trata-se de um mundo industrialmente construído, mundo-mercadoria[8], que, como qualquer produto acabado, é oferecido ao mercado global. A dimensão fundamental dessa construção midiática da realidade não reside no seu caráter instrumental, extensivo dos sentidos e da experiência; tampouco, na sua capacidade manipulatória condicionante da consciência.

Sofisticados aparatos tecnológicos colaboram na construção de uma representação da realidade tecnicamente consumada como real. Essa simulação da realidade é uma representação que retira da percepção sua experiência e devolve expectativas de consumo construídas a partir de uma identificação. É nessa perspectiva que as mídias se definem como produtos introjetados que operam sua função, antes da percepção no plano racional, como construtoras de uma nova ordem social e individual, fundada na identificação de papéis.

Por isso, atualmente, a análise de qualquer discurso deve considerar o impacto dos meios de comunicação de massa na cultura e sua influencia ideológica na psiquê do indivíduo, pois o aumento de seu âmbito de difusão amplia, significativamente, o raio de operação da ideologia nas sociedades modernas, possibilitando que formas simbólicas sejam transmitidas para audiências extensas e potencialmente amplas.

As mídias alteram a identidade pessoal do indivíduo, a todo instante “corrompido” pelos apelos da ideologia subjacentes a publicidade dos produtos oferecidos ao mercado, e o indivíduo despersonalizado, adota, com mais facilidade, as identidades prontas que lhe são oferecidas.

A heterogeneidade de imagens — composições e colagens multimidiais — a multiplicidade de significados, a diversidade de sons, a intertextualidade feita de citações, alusões, as metalinguagens e apropriações, o acúmulo de informações são organizados pelas mídias num grande cenário onde a informação intercambia seus signos com os da ficção, numa totalidade definida a partir de determinados padrões que tudo igualam e banalizam.

Ora, o agente-receptor do produto midiático é o indivíduo que forma o consenso moral valorativo[9] [10] [11], impulsionador da produção do discurso legislativo, pois a norma jurídica não está dissociada do ambiente sócio-cultural que a engendra. Ao contrário, ela não se dissocia da tradição, e do contexto: o mundo contemporâneo do dever-ser globalizado.


A relação do receptor com o texto midiático e, conseqüentemente, com a ideologia a ele subjacente, acaba por definir os papéis a serem por ele adotados, influenciando suas ações cotidianas e suas formas de produção cultural, seja qual for sua área de atuação. Para alcançar seus intentos — vender os seus produtos —, as mídias operam pela construção contínua de mitos, que desempenham funções interessantes ao consumo, pois sustentam-se na criação de narrativas que atraiam a identificação dos consumidores. Esses textos são interpelatórios, estimulando a adoção de posturas e papéis que, direta ou indiretamente, aumentam o consumo, não deixando, porém, de cumprir subsidiariamente seu papel de reiteração ideológica.

Qualquer mensagem comunicativa materializa-se em um texto, lugar de construção da significação e da manifestação de estratégias discursivas de caráter manipulatório[12]. Na publicidade, por exemplo, os sentidos informativos, referentes à excelência do produto, assumem um papel secundário em relação a outros que passam a primeiro plano, materializando com precisão, no mais das vezes, os grandes temas oníricos que constituem o imaginário da humanidade desde que o homem é homem. Tais temas, diz Barthes[13], aludem a experiências de imagens muito antigas, a obscuras sensações corporais, a contatos íntimos entre a natureza e o homem, a formas de aniquilamento e religação, enfim aos grandes mitos da humanidade E a arma da publicidade contemporâneas é utilizá-los para despertar o interesse e fixar a marca e o produto na memória do consumidor.

Mas, ao convocarem certos temas como forma de manipulação, substituindo o aspecto interesseiro pelo espetáculo de um mundo onde comprar é reencontrar a origem — do prazer, do bem-estar, da harmonia —, as publicidades não o podem fazer sem sobre eles se posicionarem. É por isso que toda a manipulação se assenta sobre um sistema de valores: nenhuma publicidade deixa de ser veiculadora de ideologia.

Buitoni[14], ao se manifestar em relação à imprensa feminina, coloca-a como uma das mais “ideologizadas”, se comparada à produção da mídia impressa em geral. Segundo ele, o feminino, enquanto, objeto de venda midiática, reproduz uma mulher que ainda não deixou de pertencer ao espaço eminentemente privado, que, quando não age por delegação masculina, o faz como mais uma faceta para “agradar” o homem.

E, em verdade, também, no caso dos papéis de gênero, a produção midiática vem impondo seus modelos. O feminino, nesse contexto social, é representado de forma caricaturizada. Consiste, antes de tudo, num veículo performático do convencimento. Vejam-se os textos de moda ou as telenovelas. A informação pressupõe um relato — texto referencial com temporariedade representada no qual se salientam papéis mesmo que sejam apenas nas camadas mais profundas do texto. No caso do feminino, geralmente se trata dos papéis tradicionais — esposa, mãe, dona-de-casa, mulher liberada, dificilmente os textos não aludem a esses papéis de forma estereotipada. Em verdade, a imprensa feminina se articula em cima de papéis e, o que é mais grave, só de alguns papéis.

Para Silva[15], mascaram-se as conquistas dos gêneros e propõem-se à sociedade, estática e culturalmente aprisionada, padrões míticos que convertem tudo em natural; surgem, então, comportamentos naturalmente masculinos fundados na força, decisão, racionalidade, liberdade, ou comportamentos femininos sustentados na submissão, fragilidade, dependência. Aparecem, dessa maneira, da forma mais convencional e estereotipada possível, modelos de conduta masculino e feminino.


Para Baudrillard, o modelo masculino é o da exigência e da escolha. Toda a publicidade masculina insiste na regra deontológica da escolha, em termos de rigor, de minúcia inflexível. O homem de qualidade moderna é exigente. Não tolera qualquer fracasso. Não descuida qualquer pormenor. É seleto, não passivamente ou por graça natural, mas pelo exercício da seletividade. Saber escolher e não falhar equivale a virtudes militares e puritanas, tais como intransigência, decisão, energia.

Já o modelo feminino prescreve à mulher a necessidade de se comprazer consigo mesma. Não é mais a seletividade e a exigência, mas a complacência e a solicitude narcisista que são indispensáveis. No fundo, continua-se a convidar os homens a brincar de soldadinhos e as mulheres a servirem de bonecas para si próprias. É possível observar esta estruturação nos comerciais contemporâneos. Naturalmente, hoje, com o desenvolvimento tecnológico ele aparece glamourizado, altamente sofisticado e dissimulado. Muitas vezes, o receptor nem sequer percebe o que está oculto, processando as informações sem as questionar.

Baudrillard[16] ainda enfatiza que a escolha da linha de criação de valores na publicidade masculina é sempre agonística: opta pela agonia pelo desafio, revelando-se como conduta nobre por excelência; a feminina, como valor derivado, por procuração das aspirações de modelo masculino, projetam os papéis esperados pelos homens em relação às mulheres.

É importante ressaltar que a absorção desses papéis e sua a integração ao cotidiano das pessoas se dá através do processo chamado domesticidade. Neste processo, os produtos midiáticos e sua ideologia são consumidos e apropriados pela esfera familiar e absorvidos nas rotinas do dia-a-dia.

Silverstone[17] argumenta que a domesticidade é um processo pelo qual nós nos aproximamos das coisas, sujeitando-as ao nosso controle, imprimindo e exprimindo nossa identidade. É também um princípio de consumo de massa, através do qual o produto é lançado publicamente no mercado. Em certo sentido, esse produto já surge domesticado; a mercadoria, através da ideologia do consumo, é pré-dirigida a ser consumida num processo participativo em que o receptor se apropria dos objetos e da ideologia a eles imanente.

Segundo Guedes & Paula[18], neste processo de domesticidade, existem ansiedades a serem trabalhadas: a revolução tecnológica e, por conseguinte, a “sociedade de informação”, com todas as suas contradições, deve ser vista também com todo seu conteúdo ideológico e sua influência na dimensão do ser.

Pimenta[19] sugere que, para enfrentar os desafios impostos pelo novo ambiente tecnológico, é preciso pensar os processos sígnicos de uma forma radicalmente nova: conceber esse fenômeno sustentado em regularidades externas ao homem, criadas em um espaço virtual, projetado numa perspectiva muito mais ampla e analógica aos eventos que percebemos sem a intermediação técnica.

Mais do que isso, essa mídia permite a expressão de processos sígnicos complexos e autônomos em relação à cultura humana. Esta nova base técnica permite a superação dos meios tradicionais de expressão sígnica que, por sua própria constituição lógica, conduzem a produtos, incluindo os de massa, que reproduzem processos mentais meramente classificatórios e hierarquizantes, estimulando particularidades grupais. A hegemônica globalização capitalista neoliberal propõe a elaboração de novas formas de conduta estética, éticas e políticas como valores universais.


Como, já ressaltado, todo processo manipulatório como o desempenhado pela mídia se funda na recorrência a um sistema de valores[20], a partir do qual os sujeitos agem porque manipulados: sedução, tentação, intimidação, provocação —, a persuasão é construída a partir de um querer ou de um dever fazer.

As sociedades controlam a produção de seus discursos por meio de um certo número de procedimentos que governam e configuram os poderes[21] [22]. E o que norteia esse controle é um o sistema de valores. Aliás, é esse sistema de valores que governa a produção midiática, ao mesmo tempo em que é convocado por ela para dar sustentação aos seus processos manipulatórios.

É por isso que dificilmente virá da mídia a proposição de novos valores. Não lhe cabe afastar os limites ou alterar as convenção sociais. Em princípio, a mídia sempre reitera comportamentos, mesmo quando aparentemente é irreverente ou maliciosa. Emprega formas de expressão sofisticadas para representar valores cristalizados pela sociedade — não há denúncias ou ameaças, mas modelação de gostos, de aspirações —, condicionando a existência privada.

Para que o processo midiático seja eficaz, ele tem que desempenhar aquilo que é sua função precípua: a venda do produto ou idéia. Nesse contexto, reverter um discurso que perpetua os papéis de gênero acarretaria subverter a ordem e sair da dinâmica do consumo, fugindo dos interesses capitalistas. Isso não seria coerente com a lógica que pauta a mídia, que é a lógica de mercado.

A hermenêutica e as mídias

Não há mais espaço na hermenêutica jurídica moderna para interpretações apenas objetificantes[23], que dêem às costas a uma visão interpretativa da realidade, voltada à evolução histórica e social[24], pois o intérprete não está isolado de sua pré-cognição dessa realidade – da qual inexoravelmente faz parte[25]. A compreensão do conteúdo da norma e sua possibilidade de ajustá-la ao caso concreto pressupõem a postura crítica de um sujeito engajado ao ambiente sócio-cultural que deu origem à mesma, ou que pelo menos dela tenha conhecimento[26].

A filosofia hermenêutica não acontece sem se debruçar numa crítica à ideologia[27] subjacente a norma, não podendo o intérprete se colocar à mercê da história efectual, distanciado do objeto, pela impossibilidade imposta por uma análise apenas racional.

As normas jurídicas sendo a expressão do direito positivado, referem-se aos papéis sociais, funcionando como expectativas comportamentais de pessoas concretas, de determinação de papéis ou de relevância de valores. Em assim sendo, estes julgamentos sobre a preferibilidade de certas ações, traduzidas em termos tão abstratos, torna impossível um processo de hierarquização de valores, que, considerados em si mesmos, não podem justificar qualquer ação; é necessário, então, que estejam inseridos em um contexto social, e, conseqüentemente, num contexto ideológico.

Porém, essa “elasticidade” legal que compõe a contemplação da norma com a observância de seu sentido social e ideológico, não se coaduna com a função estabilizadora que se exige do direito[28], pelo que é necessário investigar a existência de outros recursos, ínsitos à dimensão axiológica, que possibilitem o exercício desta função social.

Se o objetivo da lei fosse realmente a harmonia social, a mediação neutra dos conflitos emergentes numa dada sociedade, contraditória seria a assertiva de que o direito, na realidade, representa os valores de determinados grupos, que, por meio do poder, detêm o manus de legislar. Evidente, então, sua característica de ciência comprometida, pois o direito não é imparcial, ele é sempre parcial por traduzir a ideologia do poder[29].


A neutralidade proposta pelo positivismo jurídico ignora o contexto social[30] no qual as normas jurídicas estão inseridas, privilegiando de tal forma o ordenamento, que acaba por relegar a um segundo plano o social. Esse tecnicismo acrítico reafirma o caráter restritivo e limitativo do positivismo jurídico-filosófico, implicando na desconsideração do processo histórico global e sua evolução. Mas, este rigor formal não é por acaso, ele serve aos propósitos dos detentores do poder, na medida em que confirma e legitima a ideologia da norma original, adaptando-a, interpretando-a no mais das vezes em função dos interesses dos detentores do poder[31].

Sustenta Faraco[32] que o positivismo cumpre a função ideológica de congelar e petrificar as instituições e os conceitos jurídicos, consagrando, à sombra da indiferença ética a desconformidade entre o direito e a realidade histórica. Menosprezando a evolução histórica, substitui o intérprete a realidade pelo jogo conceitual, terminando por desconsiderar a realidade social sob o argumento de obediência ao rito metodológico positivista, negando por via de conseqüência o engajamento social e a realização da justiça.

O ato de interpretar implica em ver o direito inserido dentro do processo histórico global, a consideração do contexto histórico-social, em que se insere e se realiza o processo interpretativo, é indispensável para perceber-se (e eventualmente para modificar-se) o substrato teórico e orientar o raciocínio na aplicação das normas jurídicas, o papel ideológico da formação jurídica, e os efeitos satisfatórios e insatisfatórios desse processo[33].

Refletir a respeito da interpretação do direito é considerar um discurso lingüístico onde está implícita uma ideologia, aqui entendida como conjunto de crenças adotadas por um grupo social para justificar seus atos e opiniões, constituindo-se como elemento motivador de determinados comportamentos sociais. Com o objetivo de embasar decisões e opiniões criam-se um conjunto de representações ideologicamente estereotipadas que irão persuadir o receptor da idéia, convencendo-o do argumento apresentado. Faz-se a persuasão sempre a partir de um reconhecimento ideológico: esse efeito de reconhecimento se dá no interior de um raciocínio justificado por uma determinada interpretação do sentido da norma, que, para convencer como argumento, opera a persuasão.

Segundo Warat, a persuasão realiza-se sempre a partir de um reconhecimento ideológico; ora, esse efeito de reconhecimento produz-se no interior de um raciocínio que justifica uma determinada interpretação do sentido da norma, da prova dos fatos ou da aplicação técnico jurídica elaboradas pela dogmática do direito.

Indispensável, então, a consideração e a valoração do condicionamento exercido pelo contexto situacional para que seja realizada uma interpretação autêntica não apenas conceitual, pois a atividade hermenêutica não deve ceder ao automatismo, em que bem se acomodam a deficiência de formação e a docilidade acrítica, na aplicação das normas jurídicas, (…) a função do juiz importa sempre em uma atividade estimativa e, portanto, na realização implícita ou explícita de uma série de valorações[34].

No dizer de Streck[35], interpretar é, pois, compreender; somente pela compreensão é que é possível interpretar. A ontologia hermenêutica da compreensão baseia-se na tradição, na qual reside a pré-compreensão. Esse é o ponto de partida adotado pelo atual processo interpretativo: considerar que o julgador está inserido no acontecer histórico e com ele interage, quando está julgando, através de sua pré-cognição da realidade.

Entende o citado autor que a compreensão, condição de possibilidade de interpretação, pressupõe uma antecipação de sentido, consistindo em processo de aproximação ou direção ao indivíduo, à história e ao contexto das suas tradições sociais. Nesse sentido, é impossível desconsiderar a participação da visão individual do julgador e de seu arcabouço de valores no ato de julgar. É a partir dessa constatação que se conclui que inexiste uma compreensão neutra e imparcial, pois a verdade passa a ser um fenômeno que se mescla com a realidade personalíssima do julgador.


A hermenêutica jurídica deve ser instrumento para uma superação da opressão instituída. Interpretar[36] é pois, considerar que o direito funciona como técnica de controle social, que se mantém com o estabelecimento de certos hábitos de significação. Interpretar o direito é conviver com espaços de dúvidas e ambigüidades e questionar o caráter político e econômico das estratégias mitificadoras, classificadoras, esteriotipantes, criadas pelo capitalismo para serem projetadas em todas as manifestações sociais[37]. O discurso da lei joga estrategicamente com esses “elementos” ocultos para justificar decisões que privilegiam certas camadas sociais e que propagam, dissimuladamente, padrões culpabilizantes, com o objetivo de encobrir uma enorme carga ideológica que atravessa todo o processo de interpretação da lei.

Para Warat[38], interpretar a lei implica a produção de definições eticamente comprometidas, nas quais estão determinadas premissas que adotam critérios de relevância, destinados a convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor. O discurso jurídico é, então, persuasivo[39] e manipulatório, na medida em que carrega consigo toda a proposta ideológica dos seus juízo valorativos, conduzindo o receptor a dirigir o comportamento dos outros de acordo com os seus interesses.

Quando se questiona a relação entre direito e linguagem, aponta-se para o fato de que a linguagem jurídica possui um caráter veladamente ideológico. Diz-se que na base de determinadas interpretações do texto normativo encontra-se, muitas vezes, a pretensão de identificar a realidade como nossos ideais valorativos e que, em se tratando de juízos valorativos, o intérprete, ao recorrer às definições reais, propõe, em termos de essência, aquilo que reputa importante do ponto de vista prático, operando-se um mecanismo de projeção ativada com a finalidade de transformar a subjetividade da posição sustentada em possibilidades objetivas. Todo este trabalho do intérprete é necessário, pois a dinâmica da realidade que não consegue ser aprisionada pelas classificações jurídicas estanques forja um discurso de adaptação da norma à realidade social.

Vale observar que, ao denunciar o substrato ideológico da norma, os aplicadores do direito instauram a reflexibilidade dos valores adotados em sua concepção e em sua aplicação, dispersando o “consenso social” que a fundou. Se o emissor normativo, apesar do emprego de técnicas de neutralização, não conseguir desqualificar o discurso do receptor, haverá a ruptura do sistema, cuja estrutura ter-se-á demonstrado insuficiente para controlar seu elevado grau de contingência[40].

Diante de um discurso persuasivo, é necessário perceber os níveis de significações basilares dessa proposta persuasória que tem como elemento central um sentido designativo contextualmente construído. Assim, se pretendemos definir o direito positivo como um conjunto de normas justas, introduzimos como nota designativa uma propriedade conotativa, um plus de significações emotivas, (…) coincidência ideológica do emissor e do receptor, que é sempre resultante de um processo de persuasão.[41]

Na propaganda[42], os estereótipos dos papéis sexuais-sociais reconhecidos, respeitados e admirados, são reforçados: os produtos são reforçados de modo a manter e legitimar o que “é próprio de mulher”, “próprio de homem”. Não apenas mulheres anunciam produtos para as mulheres, homens para homens, crianças para crianças, mas ainda há trocas de ofertas: mulheres e homens anunciam produtos através da sedução, erotizando o objeto pela mediação de quem o oferece; as crianças são usadas para garantir a veracidade do produto, pois a criança é inocente e sincera e seus atributos se transferem para os objetos, velhos garantem a utilidade e a eficácia porque são experientes e esse atributo é transferido para os objetos (…).

Porém, não é apenas como reforço de papéis ou identidades sexuais que o anúncio funciona. Dissemos haver transferência das qualidades ou atributos, que se supõe pertencerem à essência do anunciante, para os objetos anunciados. Essa transferência decorre da natureza do desejo (ser objeto do desejo alheio), e não apenas torna impossível distinguir gente de coisa (pois a coisa passa a ter qualidades ou atributos humanos, não sendo o casual, por exemplo, o namoro da margarina com o pão), mas ainda deserotiza pessoas e erotiza os objetos.


Neste jogo de significâncias, vale analisar as estratégias elaboradoras como instrumento de controle social, normatizador e disciplinador dos indivíduos[43], como fórmula produtora de consenso, como visualização distorcida do real como a finalidade de legitimar comportamentos. Nessa perspectiva, interpretar, para o novo modelo hermenêutico, é pensar o direito como uma linguagem que considera a tradição sob uma visão crítica. No texto do trabalho em pauta, interpretar é também considerar a influência do poder exercido pelas mídias como agentes transformadores dos princípios e valores que embasam a sociedade e, consequentemente, a própria interpretação, uma vez que toda proposta hermenêutica acontece ditada por interesses econômicos que modificam, sem que o indivíduo social perceba, o próprio consenso moral.

Se a relação humana se funda em interesses, estes, à vista da complexidade e da contingência do sistema social, precisam ser priorizados; para tanto, a sociedade desenvolve uma série de estruturas, que visam a organização dos valores; uma delas é o direito, que, considerado como subsistema, organiza e hierarquiza esses interesses, ora privilegiando determinado valor, ora outro. Contudo[44], para que o sistema possa servir para a estabilização dos conflitos entre os diversos interesses, vistos agora sob o prisma das normas, é necessário que ele neutralize determinados valores, de um ponto de vista aparentemente isento: este é o papel da ideologia.

Como vimos, a ideologia, neste contexto, ocupa papel de mediadora entre a norma jurídica e o estado de desconformidade social por ela gerado, que por meio de estratégias de convencimento, o emissor normativo dispersa, atenuando os comportamentos divergentes, controlando a rejeição à norma[45].

Em assim sendo[46], a lógica da persuasão é que se encarregará de estabelecer o consenso em torno do significado da norma a ser aplicada. No fundo das disputas doutrinárias, obscurecidas por uma rede de conjuntos simbólicos, confrontam-se forças antagônicas, a exemplo do direito oficial e do direito não oficial.

Vale considerar que o produtor da norma legislativa e o seu intérprete são seres integrantes do universo midiático, herdeiros de uma nova filosofia da consciência[47], agora mutável[48] e interativa com a produção cultural em nível global. Não se pode ignorar a existência de conteúdos históricos, ideológicos, sociais, psicológicos que precedem à formulação de um conceito e sua valoração como hipótese. E o direito, como ciência essencialmente humana, não foge à regra: valora comprometido, entre outras coisas, com questões ideológicas subjacentes ao literal sentido da lei.

Ora, se os processos midiáticos estão alterando a compreensão da realidade, influenciando a produção cultural, modificando valores sociais, éticos, estéticos, morais — e alterando comportamentos, é preciso ter presente que a mídia age pela construção de mitos; sua estratégia é transformar em natural o que é cultural. Assim, propõe papéis a serem adotados e estimula a produção de novos costumes, que se transformam em consenso influenciando a norma legislativa e o próprio julgador.

A mídia e o gênero

Diante do exposto, não se pode ignorar a influência da mídia na estruturação das condutas, de padrões comportamentais, das ideologias[49] e direitos maculados por estereótipos de gênero[50]. Talvez o mais indicado seja tentar desvelar os efeitos de sua ação ideológica sobre a sociedade e, conseqüentemente sobre o próprio direito. Esse é o caso dos estereótipos de gênero.

Quando falamos de gênero[51] [52], referimo-nos ao discurso da diferença de sexos; da atribuição de papéis[53], que se reflete na estrutura das instituições, nas práticas quotidianas, nos rituais e em tudo que constitui as relações sociais. Em assim sendo, é necessário evidenciar que questões de gênero não se resumem às diferenças biológicas, mas sim e principalmente a toda a organização social estratificada na atribuição de papéis ao feminino[54] e ao masculino.


Constata-se que em cada cultura, em seus diversos extratos, encontra-se rigidamente normatizado o que se espera da feminilidade ou da masculinidade, através da atribuição de papéis de gênero, assim considerados como um conjunto de comportamentos sociais estereotipadamente designados a serem cumpridos por pessoas de um sexo determinado, funções atribuídas ao homem e à mulher como próprias ou naturais de seus respectivos gêneros.

As atribuições de papéis de gênero são classificações que encerram valorações acerca atributos relegados a um dos gêneros, características fixadas a priori a serem correspondidas pelos membros de uma determinada classe. Segundo Bleichmar[55], o estereótipo do papel feminino em nossa sociedade sanciona como pertinentes ao gênero — quer dizer, como característica positivas — uma série de condutas que, ao mesmo tempo possuem baixa estima social (passividade, temor, dependência); estes estereótipos estão tão profundamente arraigados que são expressão dos fundamentos biológicos do gênero.

Esta mística de valorar negativamente os atributos ditos biologicamente femininos é elaborada com todos os requintes disponíveis às técnicas de comunicação de massa, encarregando-se as próprias ciências sociais de difundi-las e de conferir-lhes legitimidade e prestígio de verdade inconteste; trata-se, então, de estratégia ideológica direcionada para uma cíclica e repetitiva elaboração do mito da vassalagem e inferioridade feminina. Nesse sentido, a perpetuação de certas ideologias no atual estágio da sociedade funciona também como meio de controle econômico, pois a projeção desses estereótipos de gênero privilegia profissionalmente o masculino. O êxito na eleição desses estereótipos ficará na dependência da eficácia com que o sistema legitima e orienta a participação do homem ou da mulher nas duas estruturas em questão.

A ideologia patriarcal adquire o papel de “mediadora das tensões” existentes entre o homem e a mulher quando atribui papéis de gênero, mas na verdade, esses estratagemas são usados como discurso que reforça a ordem estabelecida, imprescindível à conservação do sistema, legitimando a estrutura social como está posta. Representam, pois, uma grande barreira às mudanças sócio-culturais dos papéis estereotipados de gênero.

O delineamento de papéis masculinos como expressão de qualidades positivas e o feminino de qualidades secundárias ou suplementares, influindo em avaliações e valorações maculadas por essa visão projetada pela ideologia patriarcal, irá pautar códigos familiares de conduta, como também, irá direcionar os resultados das escolhas profissionais. Na medida em que o sexo constitui um dos fatores de regulamentação na competição profissional, é urgente a consideração dos estereótipos de gênero. Estes papéis introjetados pelo consenso popular, principalmente no tocante às características de superioridade dos masculinos, são critérios atributivos de status e posição social, privilegiando a carreira dos homens, na medida em que, apesar de todas as modificações, ainda pertencer ao sexo masculino equivale a possuir, inegavelmente, uma vantagem no campo competitivo.

Se todos os seres humanos apresentam peculiaridades que os diferenciam e privilegiam (cor, raça, diferenciação na qualificação profissional), para as mulheres, entretanto, na ausência ou na presença desses fatores, o sexo opera, via de regra, como fator de discriminação que tende a alijá-las da estrutura ocupacional ou a admiti-las em posições que não comprometam as estruturas de poder já ocupadas pelos homens[56].

Ressalte-se que a mídia, ao tratar do trabalho feminino, no mais das vezes reproduz velhos modelos capitalistas ao considerar os arraigados papéis de gênero, tratando como secundário o trabalho feminino remunerado, pois, não integrando “o padrão ideal da personalidade feminina”, ele é veiculado apenas como expressão de possibilidade social nos casos de necessidade econômica, qualquer que seja o grau desta necessidade.


Esta mensagem contraditória da mídia induz a mulher a penetrar na estrutura ocupacional a fim de obter emprego que lhe garanta a sobrevivência e satisfação que a cultura lhe incumbe; entretanto, este papel econômico não traduz mudanças em seu status social, pois, ainda assim, é o masculino que é apresentado pela mídia como chefe da família e da estrutura social, figurando o trabalho feminino como secundário na estrutura social.

À proporção, pois, que a estrutura ocupacional sofre a interferência de um novo elemento — a mulher — em virtude das necessidades que essa própria estrutura cria, a engrenagem social, como está alicerçada, é obrigada a estabelecer novos critérios atributivos do papel feminino na sociedade moderna, o que constitui-se tema de resistência na mídia[57]. A resistência da mídia, dentro da lógica capitalista, cumpre o papel de representar os interesses da classe dominante, pois uma estrutura de classes assentada em um modelo igualitário entre o homem e a mulher, abre um precedente para questionamentos “desinteressantes”, na medida em que poderiam transformar radicalmente as estruturas de poder dentro da organização de toda a estrutura social[58].

Nessa medida, é compreensível o porquê de a preocupação com a aparência física poder tornar-se para a menina uma verdadeira obsessão; pois, segundo se aprende na ideologia veiculada pela mídia, pelos contos de fadas, pela literatura, etc., transmitidos implicitamente, é preciso ser sempre bonita para conquistar o amor e a felicidade; a feiúra associa-se cruelmente à maldade.

Para Eisler[59], o poder ideológico é tão forte que, quando as vicissitudes da vida desabam sobre as feias, não se sabe muito bem se são seus crimes ou sua feiúra que o destino pune. Ainda é esperado da mulher, em todos os desfechos da produção artística humana, que amor e sofrimento nelas se entrelacem de maneira perturbadora: a ideologia ensina que é caindo ao fundo da abjeção que a mulher assegura para si mesma os mais deliciosos triunfos.

Ainda que se trate de Deus ou de um homem, a menina aprende que, aceitando as mais profundas demissões, se tornará todo-poderosa: ela se compraz em um masoquismo que lhe promete supremas conquistas. Santa Blandina, branca e ensangüentada nas garras dos leões, Branca de Neve jazendo como morta em um esquife de vidro, a Bela Adormecida desfalecendo, toda uma coorte de ternas heroínas machucadas, passivas, feridas, ajoelhadas, humilhadas, ensinam à jovem o fascinante prestígio da beleza martirizada, abandonada, resignada. Não é de espantar que, enquanto o irmão brinca de herói, a menina desempenhe de bom grado o papel de mártir: os pagãos deitam-na às feras, Barba Azul arrasta-a pelos cabelos, o esposo-rei exila-a no fundo das florestas: ela se resigna, sofre, morre.

Além disso, algumas dessas figuras femininas, como a boa fada em Cinderela e a feiticeira má em Branca de Neve e em A Bela Adormecida, podem até mesmo fazer mágicas — isto é, façanhas associadas com o poder sobrenatural — mas, apesar desses indícios de tradições pré-históricas, a mensagem primordial dos contos de fadas que contamos para nossas filhas e filhos não é a do poder feminino, mas da impotência feminina.

Este elemento de resistência ocupado pela mídia serve como contraponto mediador de modo a manter o equilíbrio social das sociedades capitalistas, implicando na veiculação da idéia de um certo grau de inconsistência dos papéis femininos, pois o próprio sistema social desenvolve mecanismos através dos quais as tensões possam ser reduzidas ou atenuadas a fim de evitar quer a ruptura do equilíbrio da “personalidade feminina”, quer a ruptura do sistema como está posto.

Segundo Saffioti[60], os mecanismos de motivação desenvolvidos pelo sistema social encontram suas vias de realização nos processos por meio dos quais os indivíduos ou mudam o estado de sua personalidade enquanto sistema — aprendizagem — ou equilibram as tendências às mudanças: processos de defesa e ajustamento, funcionando como processos que permitem ao agente social a escolha do modo de desempenhar os papéis que lhe cabem dentre as alternativas oferecidas pelo sistema social, o que patenteia a incorporação de valores culturais através da socialização.


Uma vez introjetados através da cultura papéis[61] a serem socialmente cumpridos pelos gêneros, as crianças humanas já inscritas em uma das categorias buscam a afirmação de sua identidade na busca de seus pares como modelos do papel com que deveriam se identificar.

Observa-se que as expectativas dos papéis de gênero são concebidas como a mais pura expressão das fontes biológicas do gênero, e segundo Bleichmar[62], o poder da crença coletiva é tão ilimitado que se selou com as marcas do biologicamente determinado.

Se observar com atenção, chegar-se-á à conclusão de que a mídia veicula uma imagem de mulher desempenhando apenas uma função decorativa, da qual se vale para aumentar a audiência. Ao tratar a mulher como objeto, ela subliminarmente projeta um discurso de caráter ideológico e ético que reforça o estereotipo da mulher como objeto ornamental.

Veja-se como exemplo os programas de auditório, nos quais elas se requebram e sacodem em cima de “queijos” em sumaríssimos trajes. O mesmo ocorre em transmissões esportivas, que veiculam imagens de garotas exuberantes intercaladas com a programação, reforçando inconscientemente o estereótipo que traduz o feminino[63] como passividade e subserviência. É claro que esses discursos em relação ao feminino se processam de uma maneira velada, inconsciente, desapercebida; dificilmente ouviremos na televisão um discurso explicitamente machista.

A mídia exerce seu poder sobre o corpo feminino na medida em que o “domestica” a padrões, persuadindo com seu discurso manipulatório a práticas que sustentam posições de dominância e subordinação. Este poder instala-se não por mecanismos repressivos, mas sim por sutis mecanismos constitutivos que geram forças organizacionais voltadas para responder às expectativas criadas por estes processos manipulatórios.

Tratando-se do impacto da mídia na formação de novos valores culturais, é inegável, conforme Thompson[64], que a mídia estimula a criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo. Trazemos à guisa de exemplo a maneira como a mídia aborda a questão da obesidade/magreza: ela veicula um discurso extremamente contraditório que a um só tempo reforça o ideal de magreza e estimula a obesidade através do apelo ao consumo oral. Segundo Stenzel, as propagandas costumam trazer duplas mensagens; incitando-nos a provarmos novos e deliciosos alimentos, em contrapartida, mostram modelos e atrizes, homens e mulheres exibindo corpos esculturais por trás de alimentos saborosos. As propagandas relacionadas a dietas possuem um conteúdo apelativo no que se refere ao ideal de corpo magro, mas também reforçam o consumo de alimentos, mesmo que dietéticos.

Vê-se que a mídia trabalha com estes processos persuasivos, pois a construção dessa feminilidade elaborada (doméstica ao consumo) implica na “voluntária” aceitação de várias normas e práticas que irão gerar e direcionar nossas energias ao consumo do modelo criado pela mídia. É mister, então, desvelar os estratagemas persuasivos, através de análise hermenêutica, que nos permitam, não obstante, confrontar os mecanismos pelos quais o sujeito se torna às vezes enredado, conivente com forças que sustentam sua própria opressão e alheio à compreensão do papel sutil e muitas vezes inconsciente, desempenhado pelo corpo feminino na simbolização e reprodução dos papéis estereotipados de gênero.


Ressalte-se que, com a mídia, as normas ideologicamente padronizadas do papel feminino esperado pela sociedade passaram a ser transmitidas massificadamente como padrão cultural a ser adotado. A mídia transformou a feminilidade num padrão visual a ser adotado, traduzindo-se numa expressão do dever-ser. A sociedade como um todo é ideologicamente manipulada pelo discurso do corpo, por meio de imagens que traduzem mais uma vez o papel esperado da mulher na sociedade. É importante ressaltar que este apelo ideológico e consumista[65] é veiculado de forma precisa, mas subliminarmente, de modo que é adotado por toda a sociedade sem maiores resistências.

Como expressão do estereótipo da feminilidade do século XX, principalmente a partir dos anos 60, temos a mulher que, apesar do franco processo emancipatório, ainda está aprisionada a padrões estéticos e culturais, que incidem de forma tão arrasadora sobre o corpo feminino[66], que o faz adoecer com patologias como a anorexia e a agorafobia. Estas doenças psicológicas revelaram como estão introjetados nas próprias mulheres os conflitos gerados entre os papéis de gênero esperados para o feminino e a exigência de uma parcela da sociedade e da própria psiquê feminina que clama pela conquista de seus espaços. Estes conflitos representam reações ao estereótipo cultural do papel sexual das mulheres no momento vivido.

Este estereótipo cultural esperado das mulheres toma linhas contraditórias, defendendo, por um lado, o padrão nuclear de família, veiculando a imagem da mulher sem filhos selada como um “vazio” atávico; em contrapartida, veicula uma caricatura do ideal contemporâneo do corpo feminino, sempre demasiadamente esbelto[67], mais uma vez objetificando o corpo feminino, que, apesar de ter que servir ideologicamente à perpetuação da espécie, não pode parecer como tal, pois deve cumprir seu “papel erotizador”.

A mídia, neste sentido, é especialmente impiedosa[68], pois ensina a grupos jovens, ao mesmo tempo, a ascensão a “virtudes” tradicionalmente femininas e, ambiguamente, para o ingresso em áreas profissionais, a incorporação da linguagem e de valores ditos eminentemente masculinos: desse âmbito — autocontrole, determinação, calma, disciplina emocional. Esta dupla leitura confundida implica, pelo excesso de paradigmas, na necessidade da configuração corpórea do feminino parcimonioso e controlado, reduzido, enxuto.

Este híbrido processo ideológico exige uma construção da feminilidade associada a tradicionais papéis de gênero com novas exigências no âmbito público da incorporação pelas mulheres de papéis ditos “masculinos”; o enfrentamento dessa realidade dual cria um dilema insolúvel, pois a “masculinidade” e a “feminilidade”, outrora construídas na determinação de papéis de gênero, foram desenhadas por um processo de mútua exclusão. Não se pode agora, com o propósito de criar a mulher “ideologicamente perfeita”, esperar esta fusão, ignorando os papéis historicamente construídos e suas conseqüências na figura do feminino[69].


A histeria feminina é sempre um manifesto inconsciente de recusa a uma cultura que despreza e suprime as necessidades femininas, tornando as mulheres envergonhadas e discriminadas de seus apetites, através da incidência no social do discurso ideológico.

E é visível a incidência desse discurso ideológico, estruturado através das relações de gênero, influenciando o direito. Nesse contexto é inegável a influência da cultura patriarcal ditando normas estruturadas através de um determinado “discurso” — discurso da desigualdade: ele está tão introjetado em nossos valores, que o repetimos mecanicamente, sem o questionamento necessário que permite perceber seu conteúdo ideológico. Então, buscar um posicionamento crítico é permitir-se perceber que é justamente nas diferenças existentes entre os dois sexos que repousa o fundamento jurídico da igualdade; a diferença que pesava para as mulheres enquanto marca de inferioridade em razão de discriminação, no que se convencionou chamar de diferença-exclusão, vem agora assumida como fundamento de reivindicação de direitos, no que se denomina de diferença-especificidade.

É claro que esses discursos em relação ao feminino se processam de uma maneira velada. Dificilmente ouviremos na televisão um discurso explicitamente machista: veremos apenas estas mensagens veiculadas de maneira subliminar, na exploração do corpo feminino como adorno. Podemos citar como exemplo o que ocorre em transmissões esportivas, que veiculam imagens de garotas exuberantes intercaladas com a programação, reforçando inconscientemente o estereótipo que traduz o feminino como passividade e subserviência.

Os modelos comportamentais, na sociedade moderna, não se restringem apenas á matriz familiar. Devido ao advento das novas tecnologias, em especial a mídia televisiva, a quantidade de modelos a observar se ampliou em proporções inusitadas. Se a valoração da conduta a ser adotada provém de experiências vicárias, da observância dos efeitos que se derivam do comportamento de outras pessoas, por observação, identificação ou modelamento[70], não há dúvidas sobre a influência dessa aprendizagem por modelagem simbólica sobre o código de valores do indivíduo. É nessa medida que a apresentação estereotipada de papéis de gênero influencia todo o comportamento social alterando a produção cultural, conseqüentemente, o direito.

Sabe-se que as conseqüências das condutas observadas são decisivas na adoção de certos modelos e na inibição de tantos outros. É facilitada a adesão a modelos que recebem recompensas e inibida àqueles que recebem castigos. Assim, trabalhar recompensando os modelos interessantes a serem adotados, sob o ponto de vista comercial, cria inconscientemente a interiorização de pautas de condutas destes modelos.

Como elemento de aprendizagem, a mídia motiva certas posturas, incentivando ou legitimando alguns tipos de comportamento e reprimindo outros. Segundo Ferrés[71], os modelos observados criariam expectativas de benefício para determinados tipos de comportamento e antecipariam conseqüências negativas para outros; e é nesta seara que é especialmente gravoso para a sociedade a criação de estereótipos.


O estereótipo é, pois, uma construção estratégica empregada como um mecanismo de defesa. Essa estratégia é também empregada pela mídia com o propósito de veicular uma realidade, sem ambigüidades nem contradições, com vistas a reduzir a incerteza sobre a realidade e, com isso, melhor vender seus produtos. As mídias figuram, então, como grandes impérios da simplificação, respondendo a necessidades primárias, tanto cognitivas como emotivas; mas, ao assim fazer, em contra-partida, contribuem para criar ou para reforçar idéias e valores.

Todo ser humano tem tendências — conscientes ou inconscientes — a consumir estereótipos, pela redução de gasto de energia que representa o fato de os aceitar, pois interpretar uma realidade complexa, difícil de ser compreendida, exige esforço. Os estereótipos criados pela mídia operam essa simplificação: facilitam a interpretação da realidade, reduzem sua complexidade para melhor envolver emocionalmente o receptor, e, assim procedendo, oferecem, nessa lógica, uma realidade ideologicamente representada em função dos interesses do emissor.

É interessante ressaltar que a mídia, quando apresenta modelos comportamentais distanciados dos modelos clássicos, indiretamente opera um discurso moralista, punindo os personagens transgressores. Dito de outro modo, quando a mídia pretende inovar e apresenta, por exemplo, modelos de família diferentes da família clássica, o desfecho do drama recupera ideologicamente o modelo clássico, voltando às relações como outrora instituídas ou punindo os protagonista que arriscaram-se a transgredir.

Como enfatiza Buonanno[72]: “Sin dudar ni sacar situaciones límite — todo o repertorio de cambios de la realidad y de la vida familiar, las historias de los años noventa han mantenido firmes dos requisitos que estruturan la definición y la identidad del modelo tradicional de la familia nuclear estable: el binomio casa-familia”.

O que se conclui é que esses estereótipos formados pela mídia dão as costas ao fenômeno social da mudança dos contornos do conceito de família, com o objetivo de manter a máxima capitalista da tradição-família-propriedade e dar à sociedade uma certa seguridade “moral”. Essa resistência à evolução social, sem dúvidas, reflete-se no direito, formando estereótipos normativos e posturas discriminatórias.

O direito trabalha com os estereótipos, servindo os mesmos para perpetuar juízos valorativos eternos e imutáveis. Para Warat, os estereótipos constituem um elemento nuclear da transmissão de conteúdos ideológicos. São termos empregados para obter a consolidação e a aceitação dos valores dominantes da sociedade. (…). Desta forma, mediante a utilização de uma linguagem impregnada de significações estereotipadas, consegue-se introduzir, sob a suposta aparência de uma descrição objetiva, uma dimensão ideológica não formulada na linguagem jurídica.

Os estereótipos normativos, desta forma, servem como instrumento de segurança da ordem social e da manutenção do status quo. Estudando as figuras estereotipadas do direito veremos que todas perpetuam um estado de segurança ideológico. Warat ao comparar o mito dos super-heróis com o direito diz que aqueles salvam e resgatam o homem de suas vicissitudes naturais; e o direito mantém o Estado através dos estereótipos normativos que prezam sempre pela ordem jurídica da segurança. Reitera Warat que na medida que cresce o grau de civilização de um estado, seu direito torna-se mais requintado e multiplicam-se os estereótipos; os sistemas jurídicos então afirmam-se como realizadores de uma eficiente justiça material, guardiã do compromisso de segurança.


Com os estereótipos de gêneros, reitera-se uma postura que ressalta e privilegia, de algum modo, a diferença dos sexos, não só a partir de uma ideologia manifesta, não só em certos comportamentos seletivos, mas também a partir da estratificação das instituições, das estruturas, da cultura e de toda construção social interpessoal.

A valoração positiva dos atributos masculinos e a negativa de atributos femininos relegados ao âmbito de interesses iminentemente domésticos, organizou a sociedade durante séculos, trazendo como conseqüências um direito positivado em valores que prezam a excelência da masculinidade. O próprio discurso da ciência sempre foi construído a partir de uma perspectiva masculina.

Nessa distribuição estereotipada de papéis que ainda vigora, a mídia exerce uma significativa participação, classificando atributos positivos e negativos, a cada um dos gêneros. Certamente ela não costuma ser neutra na representação dos papéis sexuais, destinando às mulheres papéis “secundários” no contexto capitalista (dependência, afetuosidade, sensibilidade, passividade, submissão), e aos homens, papéis de “relevância positiva”, como força, decisão, independência, responsabilidade.

No que concerne à opção sexual, independentemente dos sujeitos e dos papéis esperados por uma sociedade, tem-se antes de tudo a pessoa humana na sua imensidão e diversidade, com seus afetos e desafetos, seus sonhos e desejos, direitos e deveres. Cabe, então, ao direito, regular as relações de forma a permitir que esses sonhos e afetos se entrelacem com outros tipos de interesses comuns juridicamente relevantes[73].

Se é verdade que estes papéis construídos durante séculos e perpetuados na vigência de uma sociedade patriarcal continuam arraigados até hoje, mesmo depois do advento da “revolução feminina”, pós-pílula anticoncepcional, também o é a assertiva de que qualquer pessoa que transgrida o papel esperado é discriminada. Nessa medida, as mulheres e os homossexuais representam gênero ainda colocado em segundo plano pela tutela legislativa. À guisa de exemplo, pois, refere-se a união estável homossexual, fato social não regulado pelo direito, sob o argumento de que a família heterossexual é a base central da sociedade moderna.

Se a norma justa tem por fundamento um conceito positivo de dever-ser, não há como não aceitar, por exemplo, a união estável homossexual[74]. A opção sexual homossexual, por exemplo, manifestada através de uma união estável, situa-se no exercício do direito à intimidade, garantia constitucional prevista pelo inciso X, art. 5º da Constituição Federal. Nessa perspectiva, ainda que fosse intenção do legislador desconsiderar os vínculos afetivos que aproximam as pessoas, ele não pode ignorar que esses laços dão origem a relacionamentos que embasam relações jurídicas com o status de família.

Inexiste justificativa para o estabelecimento da distinção entre os sexos como condição para a identificação da união estável, pois essa desequiparação estabelece exigência nitidamente discriminatória. Segundo a desembargadora Dias[75], o legislador constituinte ao reconhecer a união estável como entidade familiar, merecedora da proteção do estado, alargou seu âmbito conceitual. É descabida, por via de conseqüência, a ressalva feita no sentido de só ver como entidade familiar a união estável entre pessoas de sexos opostos.


Dessa forma, para ingressar na discussão a respeito do direito de gênero necessariamente há que se descortinarem os mecanismos de geração do texto legislativo aqui compreendido como texto que sistematiza as regras que devem nortear a convivência dos homens numa dada cultura, e que, portanto devem estar em sintonia com o sistema de valores que pauta sua ação. No direito, a ideologia de gênero[76] transparece sutilmente na norma jurídica constitucional que apesar de genérica e supostamente indiscriminatória, faz negativamente a diferenciação entre os sexos.

Apesar dos preceitos constitucionais garantirem a igualdade entre os sexos, esta desigualdade no tratamento do feminino/masculino é visível. Nos principais ramos do direito há um julgamento acessório, realizado pela própria norma jurídica, que comunica o papel social da mulher.

Diz Faraco[77] que a norma jurídica é um pedaço de vida humana objetivada, que, enquanto esteja vigente, é revivida de modo atual pelas pessoas que a cumprem ou aplicam, e que, ao ser revivida, deve experimentar modificações para ajustar-se às novas realidades em que e para que é revivida.

Considerações finais

A criação cultural em todas as áreas do conhecimento nem sempre acompanha a evolução social. A eficácia e validade[78] da norma jurídica está diretamente ligada à sua capacidade de acompanhar a evolução social.

Se as normas jurídicas positivadas são indispensáveis para a construção de uma ciência jurídica que ofereça soluções às controvérsias sociais, induvidoso também o é a necessidade de pensar dogmática voltado à realidade social. Ao refletir sobre a norma jurídica e seu processo hermenêutico, imperioso um pensamento dogmático jurídico distanciado da simples sacralização da norma ou de sua mecânica aplicação à realidade.

Válido, isto sim, um pensar orientado para a releitura da norma em função das necessidades historicamente configuradas, sua reconstrução e reavaliação a cada fato social.

A dogmática jurídica não pode ser o estudo da estática jurídica, das leis pelas leis, um engodo garantista do positivismo jurídico impregnado pela segurança sutil da lógica formal, pois sua tarefa ao interpretar a norma consiste em efetivamente alcançar solução a problemas humanos emergentes, não podendo perder de vista a perspectiva social a que se destina exaurindo-se na busca da lógica ou do formalismo conceitual.

Nessa medida, os operadores do direito estão desatentos para um fato social incontestável: as transformações inegáveis por que passaram as relações de gênero neste final de milênio, marcadas, até então, por posturas éticas, comportamentos e papéis secularmente introduzidos, mas que hoje caíram em desuso apesar da mídia e do próprio Direito insistirem em perpetuar.

Nessa perspectiva, hoje existe uma considerável parcela social a descoberto do texto legislativo, que não o tutela, preferindo ignorar fatos sociais inegáveis no contexto da sociedade brasileira e planetária.

A despeito da iminente necessidade social por um direito que cumpra seu real papel social, não podemos ter como resposta um formalismo lógico-jurídico imune aos problemas sociais reais. Num mundo em mutação e ebulição, com desigualdades sociais tão patentes, imperiosa nova configuração política-jurídica e um intérprete engajado às necessidades sociais e à negação de uma interpretação jurídica enclausurado a técnicas analíticas-descritivas, acríticas e alheias aos dramas humanos.

Por fim, parafraseando Azevedo[79], se é induvidosa a importância das normas jurídicas positivistas para a construção de uma ciência do direito (…), há de se estabelecer-se que não pode o pensar dogmático converter-se em um pensar necessariamente anti-investigador do direito, isto é, não reelaborador do direito, cingindo-se à repetição de fórmulas (normas) mecanicamente aplicadas através de meras subsunções silogístico-dedutivas.

Essa igualdade, fruto da aspiração de homens e mulheres, reporta o desejo da pessoa humana por igualdade e liberdade como caminho único da justiça. Se assim o for, necessário considerar as questões de gênero como questionamento em pauta, pois no momento em que se persegue o justo, o equânime, o certo, o lógico, certamente ele virá. Todas as coisas passam debaixo do céu segundo um tempo a elas prescrito, e é chegado o tempo do reconhecimento das diferenças entre os sexos enquanto valores relevantes, é chegado o tempo da igualdade entre eles. (…) A estrada que conduz à igualdade entre os indivíduos é longa e repleta de percalços, passa pelas transformações sociais, pela consciência coletiva e deve ser trilhada palmo a palmo, denodada e corajosamente.


Bibliografia

1 – AZEVEDO, Plauto Faraco de. Juiz e direito: rumo a uma hermenêutica material. Revista da Ajuris, n.º 31;

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13 – SILVA, Kelly Susane Alflen da. Hermenêutica Jurídica e Concretização Judicial. Porto Alegre: SafE, 2000;

14 – STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(M) Crise. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1999;

15 – WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito. Interpretação da Lei. Temas para uma Reformulação. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1994;

16 – WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984;

17 – WARAT, Luiz Alberto. Por quien cantan las sirenas. UNOESC/CPGD-UFSC,1996;

18 – THOMPSON, John B. Ideologia E Cultura Moderna: Teoria Social Crítica Na Era Dos Meios De Comunicações De Massa. Petrópolis, Vozes, 1995.


[1] THOMPSON, John B. Ideologia E Cultura Moderna: Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicações de Massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 285: “O surgimento da comunicação de massa, e especialmente o surgimento da circulação em massa de jornais no século XIX e a emergência da difusão por ondas no século XX, teve um impacto profundo no tipo de experiência e nos padrões de interação característicos das sociedades modernas. Para a maioria das pessoas hoje, o conhecimento que nós temos dos fatos que acontecem além do nosso meio imediato é, em grande parte, derivado de nossa recepção das formas simbólicas mediadas pela mídia”.


[2] No Brasil, a partir de 1964, intensificou-se o modelo sócio-econômico de produção industrial, abarcando a existência da concentração do consumo em camadas sociais de altos níveis, tendo o crescimento econômico brasileiro passado por um processo de estimulação.

[3] PAIVA, Raquel. Histeria na mídia: a simulação da sexualidade na era virtual. Prefácio de CHEBABI, Wilson de Lyra. Rio de Janeiro: MAUAD, 2000, p.13. “Desabam a comunicação e o social em favor do espetáculo do funcionamento de seus instrumentos midiáticos. O real fica abolido do hiper-real. O processo fica marcado pela circularidade, pela supressão da dimensão referenciadora constituída pela dimensão humana do trabalho, da dor, e de tudo que possa indicar o sofrimento e a frustração. A bajulação da mídia a seus consumidores destina-se a amortecê-los. Ela é agora outra forma de religião, propondo-se a ser o ópio do povo com seus Deus maquínicos. Quanto maior o empenho hercúleo de significar, mais entra em crise a representação e se esvazia o sentido. Baudrillard fala da ‘implosão do sentido’. (…) Revela de modo nítido e insofismável a estratégia de oferecimento de uma ficção que não coloca o ser humano frente a suas necessidades e direitos, mas age como anestesia para a dor de ter de se avir com o abismo que existe entre o que deveria ser e o que é. Pela ficção alienante posso compor uma história que eu pretendo que seja a minha: unificada, previsível, sob controle e com início, meio e fim.”

[4] THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. p.285.

[5] Idem, ibidem. “A comunicação de massa se tornou um fator principal de transmissão da ideologia nas sociedades modernas, mas ela não é, de modo algum, o único meio. É importante acentuar que a ideologia – entendida de forma ampla como sentido a serviço do poder – opera numa variedade de contextos da vida cotidiana, desde as conversações cotidianas entre amigos até as declarações ministeriais no espaço nobre da televisão. Aqueles que estão interessados na teoria e na análise da ideologia enganar-se-iam se focalizassem exclusivamente a comunicação de massa, como também estariam equivocados se a ignorassem.”

[6] SODRÉ, Muniz. A máquina de Narciso. “Na maioria dos países periféricos, entretanto, a inovação ao nível dos meios de informação (jornais, revistas, discos, radiodifusão) acompanha o processo internacionalista de modernização econômica, ou seja, a transformação estrita do sistema produtivo, sob o controle de grupos de poder tradicionais e sem mudanças na situação de pobreza da quase totalidade da população. (…) A televisão vem liderando por toda parte o processo de penetração horizontal e vertical da indústria da comunicação nas diferentes camadas sociais, fazendo coexistir sofisticação tecnológica com miséria absoluta. No Brasil, por exemplo, no início dos anos 80 – quando numa população de 120 milhões se contavam 16 milhões de analfabetos com mais de 15 anos, 22 milhões sem acesso ao ensino suplementar, 5 milhões de favelados e cerca de 40 milhões de pessoas que não se beneficiavam sequer de eletricidade – havia mais de 90 canais de tevê em funcionamento, 19 milhões de receptores instalados (35% a cores), um mercado real (audiência regular, embora de composição variável) de 47 milhões de telespectadores e um potencial de 90 milhões.”

[7] PAIVA, Raquel. Histeria na mídia: a simulação da sexualidade na era virtual. Prefácio de CHEBABI, Wilson de Lyra. Rio de Janeiro: MAUAD, 2000, p.13. “A televisão, por exemplo, fala o tempo todo, ensina tudo, desde como proceder ante a tentativa de um seqüestro, até os detalhes de um abraço afetuoso. Como é dirigido esse discuros, senão como uma fórmula evidenciada principalmente pelo desconhecimento do modo de produção? Diante de uma cena romântica, a sonoplastia, para dar um item apenas, oferece ao clima mais veracidade, a virtualidade de um momento que pode e está prestes a acontecer a qualquer um. Mas, ele não acontece… e não acontece porque, mesmo sendo fato no real, nunca se parecerá ao desejo criado. A total transparência do mundo virtual rechaça toda a intimidade, todo o mistério, bem como a possibilidade de intercâmbio simbólico.”


[8] SODRÉ, Muniz. A máquina de Narciso. Entenda-se: os bens de consumo difundem-se através de padrões homogeneizantes (a ilusória igualdade universal da sociedade de consumo), mas buscando a diversidade dos grupos sociais e dos territórios nacionais, assim como a diversificação contínua da oferta. Através desses mecanismos, discriminam-se os consumidores por níveis de renda (as minorias consomem os produtos mais sofisticados, alguns dos quais serão difundidos para faixas mais amplas), o que gera investimentos em pesquisa, publicidade, etc., incentivando a acumulação. Conforme Marx já observava, pouco importa que a produção atenda a um consumo produtivo (caso da acumulação clássica), desde que ela seja capaz de gerar capital, isto é, a lei estrutural do valor, uma forma específica de produzir/reproduzir (não há realmente distinção essencial entre um e outro destes termos) um sistema de poder.

[9] CHAUÍ, p.352. “Para os seres humanos, satisfazer as necessidades é fonte de satisfação. O desejo parte da satisfação das necessidades, mas acrescenta a elas um sentimento de prazer, dando às coisas, às pessoas e às situações novas qualidades e sentidos. No desejo, nossa imaginação busca o prazer e foge da dor pelo significado atribuído ao que é desejado ou indesejado. A maneira como imaginamos a satisfação, o prazer, o contentamento que alguma coisa ou alguém nos dão, transforma essa coisa ou este alguém em objeto de desejo e o procuramos sempre, mesmo quando não conseguimos possuí-lo ou alcançá-lo. O desejo é, pois, a busca de fruição daquilo que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido à nossa vida, determina nossos sentimentos e nossas ações. Se, como os animais, temos necessidades, somente como seres humanos temos desejos. Por isso muitos filósofos afirmam que a essência dos seres humanos é desejar, e que somos seres desejantes: não apenas desejamos, mas sobretudo desejamos ser desejados pelos outros.”

[10] Idem, p.354. “Marx afirmava que os valores da moral vigente – liberdade, felicidade, racionalidade, respeito à subjetividade e humanidade de cada um, etc. – eram hipócritas, não eram em si mesmos (como julgava Nietzsche), porque irrealizáveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma parte da sociedade dos direitos políticos e culturais. A moral burguesa, dizia Marx, pretende ser um racionalismo humanista, mas as condições materiais concretas em que vive a maioria da sociedade impedem a existência plena de um ser humano que realize os valores éticos. Para Marx, tratava-se de mudar a sociedade para que a ética pudesse concretizar-se.”

[11] Em primeiro lugar, lembremos que a ética nasce com o trabalho de uma sociedade para delimitar e controlar a violência, isto é, o uso da força contra outrem. Vimos que a filosofia moral se ergue como reflexão contra a violência e em nome de um ser humano concebido como racional, desejante, voluntário e livre, que, sendo sujeito, não pode ser tratado como coisa. A ética se propunha a instituir valores, meios e fins que nos libertassem dessa violência. Os críticos da moral racionalista, porém, afirmam que a própria ética, transformada em costume, preconceitos cristalizados e sobretudo na capacidade apaziguadora da razão, tornou-se a forma perfeita de violência. Contra ela, os anti-racionalistas defendem o valor de uma violência nova e purificadora.

[12] SODRÉ, Muniz. A máquina de Narciso. p.119-121. “Expressões como ‘Era da Comunicação’ ou Sociedade da Informação designam um processo de substituição do controle disciplinar (oitocentista) pelo controle à base da persuasão e do consenso. Os diferentes conteúdos culturais convertem-se, como na gestão de um sistema qualquer, em matérias de fluxo de informação (destinados a viabilizar a auto-regulamentação sistêmica) através dos quais se comunicam a maioria das decisões tomadas em esferas especializadas. A informação tecnoproduzida transforma-se em ação social dirigida. (…) A família – instituição formadora de sujeitos – e a sociedade vêem seus discursos redefinidos por novas matrizes mais adequadas às relações sociais requeridas pela organização. Surgem daí dispositivos narcísicos, como conseqüência da necessidade de se mascarar o aniquilamento da individualidade livre (simulação da liberdade individual através do individualismo tecnodirigido), de se compatibilizar realidade e prazer e de se produzir as identificações dos indivíduos com o espelho organizacional. (…) Em suma, para os especialistas em gestão tecnoburocrática avançada, sutileza, ambigüidade, irresponsabilidade individual e consenso interligam-se no processo de aumento de produtividade e, conseqüentemente, da acumulação. Ora, o espaço social urbano da pós-modernidade vem sendo afetado pelas regras avançadas da grande organização. A motivação, a persuasão (próprias do consumo), a passividade generalizada que cola uma máscara sorridente na velha carranca do poder, substituem progressivamente as formas autoritárias de controle social, baseadas na disciplina para a produção.”


[13] BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1987.

[14] BUITONI, Dulcilia Helena Shoroeder. Mulher de papel. São Paulo: Cortez, 1981.

[15] SILVA, Merli Leal. Publicidade e os papéis de gênero. Revista da FAMECOS. Porto Alegre, nº 12, junho 2000, p.17.

[16] BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa, 1995.

[17] SILVERSTONE, R. Television and everyday life. London: Routledge, 1994.

[18] GUEDES, Olga & PAULA, Silas de. Sociedade de informação: o futuro (im)perfeito. Revista Fronteiras -Estudos Midiáticos. Unisinos, Vol. 1 nº1. dezembro de 1999, p.139.

[19] PIMENTA, Francisco José Paoliello. Novo Conservadorismo e o Ambiente Hipermídia. Revista Fronteiras -Estudos Midiáticos, Unisinos, Vol. 1 nº1. dezembro de 1999.

[20] A concepção da linguagem como fenômeno representativo da organização do mundo, bem como das representações do mundo e das condições que presidem sua construção, invoca a existência da ordem social. Neste âmbito, algumas propostas evidenciam seu caráter ideológico.

[21] BORDO, Susan R. O corpo e a reprodução da feminilidade: uma apropriação feminista de Foucault. In: Gênero, corpo, conhecimento (Coleção Gênero). vol.1. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. “O corpo – o que comemos, o que vestimos, os rituais diários através dos quais cuidamos dele – é um agente da cultura. (…) É uma poderosa forma simbólica, uma superfície na qual as normas centrais, as hierarquias e até os comprometimentos metafísicos de uma cultura são inscritos e assim reforçados através da linguagem corporal concreta. O corpo também pode funcionar como uma metáfora da cultura. Em autores tão diversos como Platão, Hobbes ou a feminista Luce Irigaray, uma imagem mental da morfologia corporal tem fornecido um esquema para o diagnóstico e/ou visão da vida social e política.”

[22] Op. cit. “O corpo não é apenas um texto da cultura. É também, como sustentam o antropólogo Pierre Bourdieu e o filósofo Michel Foucault, entre outros, um lugar prático direto de controle social. De forma banal (…), a cultura ‘se faz corpo’, como coloca Bourdieu. Assim, ela é colocada ‘além do alcance da consciência’, inatingível – por transformação voluntária, deliberada. Nos princípios políticos conscientes, nossos engajamentos sociais, nossos esforços de mudança podem ser solapados e traídos pela vida de nossos corpos – não só o corpo instintivo e desejante concebido por Platão, Santo Agostinho e Freud, mas o corpo dócil e regulado, colocado a serviço das normas da vida cultural e habituado às mesmas.”


[23] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p.234. “A autenticidade da interpretação exsurgirá da possibilidade de o jurista/intérprete apropriar-se deste compreendido. A apropriação do compreedimento passa a ser a sua condição de possibilidade de poder fazer uma interpretação que supere o conteúdo reprodutor/reprodutivo e objetificante representado por esse habitus dogmaticus que é o sentido comum teórico dos juristas. O poder apropriar-se é a chave para escancarar as portas do mundo inautêntico do Direito, abrindo-se o para as múltiplas possibilidades de desvelamento do ser dos entes (jurídicos)”.

[24] SILVA, Kelly Susane Alflen da. Hermenêutica Jurídica e Concretização Judicial. Porto Alegre: SafE, 2000, p. 444-445:“Enquanto a compreensão, a interpretação e a exploração hermenêutica permanecerem limitadas ao âmbito dos enunciados lingüisticos, por meio de um processo dedutivo de justificação que se completa na norma-decisão, estar-se-á possibilitando a legitimação da rejeição da responsabilidade políticas e função de decisões cada vez mais anautênticas em relação em relação à coletividade e à sociedade e das conseqüências efetivas destas decisões na realidade social”.

[25] AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito, poder e opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. “Ora, se assim encararmos, veremos que quem legisla é o grupo social que detém o poder, por deter o controle da vida econômica e, conseqüentemente, política de uma sociedade. O grupo social ou grupos sociais no poder se instauram como legisladores. Ora, um grupo social, para subsistir, desenvolve um ‘ideário’, um fundamento para sua coesão, continuidade e mesmo para justificar sua conduta, internamente, em relação a si mesmo, e, externamente, em relação a outros grupos; em termos mais simples, tem de desenvolver uma ideologia, uma visão do mundo segundo a ‘ética de sua situação’. Será essa a ideologia que será transfundida e destilada no teor das normas jurídicas emanadas desse grupo? Pelo que foi dito, parece ter ficado claro que qualquer dos ‘legisladores’ mencionados na primeira resposta, nada mais é senão porta-voz do grupo a que pertence. Mesmo se tomarmos os denominados órgãos colegiados, ainda assim, será o grupo majoritário nos colégios que imporá sua visão de mundo, sua moralidade como padrão fundamental da lei.”

[26] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p.234. “O interprete do Direito é um sujeito inserido/jogado, de forma inexorável, em um (meio) ambiente cultural-histórico, é dizer, em uma tradição. Quem interpreta é sempre um sujeito histórico concreto mergulhado em uma tradição. Para se ter acesso a um texto (e compreendê-lo), é impossível ao interprete fazê-lo como se fosse uma mônoda psíquica, utilizando o herdado da filosofia da consciência. O interprete é já, desde sempre, integrante de um mundo lingüístico”.

[27] AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito, poder e opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. p.XVII. “Se tomarmos a expressão bem comum, sem qualquer esforço poderemos entende-la como bem de todos, como bem de todos os membros de uma sociedade. Mas a observação dos fatos não possibilita chegar-se a essa conclusão, pois, sendo a lei a emanação normativa de um poder, e sendo esse poder instrumento de domínio de grupos sociais sobre outros, dificilmente esses grupos iriam legislar contra si mesmos, sob pena de se constituírem, pela primeira vez na História, em detentores suicidas do poder. Por isso, os grupos detentores do poder não vão permitir uma normatividade que venha ferir seus interesses, sua ideologia, seu modus vivendi. Ora, uma normatividade que favoreça dados grupos ou classes, necessariamente irá ferir os interesses, a ideologia e o modo de viver de outros grupos ou classes; logo, o bem legal não pode ser comum, pois emana de grupos para incidir sobre outros grupos. O bem comum, empiricamente observável, é o bem particular dos detentores das decisões.”


[28] SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. O papel da ideologia no preenchimento das lacunas do direito. Editora Revista dos Tribunais, p.204.

[29] AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito, poder e opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. p.VII.

[30] Op. cit., p.29. “Se tomarmos o art.380 do Código Civil brasileiro, que dá ao casal a responsabilidade de prover e educar seus filhos, veremos que novas normas, dentro dos parâmetros da legalidade, emergirão da sociedade conjugal. Assim, se tomarmos como exemplo uma família fundada no patriarcalismo, na superioridade masculina, na conseqüente divisão de funções entre homem e mulher, além da tão estudada dupla moralidade, se este casal tiver um filho homem e uma filha mulher, uma teia de normas proibições, sanções e transgressões será estabelecida, constituindo-se no ‘código’ que vai reger aquela família e que vai determinar a ‘criação’ dos filhos do casal. Nessa medida, o discurso do poder, o discurso disciplinador se instila em vários níveis da sociedade, estabelecendo um ‘jogo’ de confirmações do teor normativo e de transgressões permitidas, enquanto não ferem os parâmetros estabelecidos.”

[31] AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito, poder e opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. p.33. “Mas, dentro dos parâmetros estabelecidos, o microlegislador pode desenvolver uma tarefa normativa que chega a desfigurar o teor normativo original, ultrapassando os parâmetros estabelecidos. Essa ultrapassagem pode-se dar ou no sentido da radicalização do teor normativo ou no sentido de libertação do conteúdo legal; é, pois, um duplo movimento de exacerbação ou libertação do que a lei geral dispõe e é sempre um ato político, pois está interimplicado com o exercício do próprio poder ou do próprio saber enquanto poder.”

[32] AZEVEDO, Plauto Faraco. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989. p.62.

[33] Op. cit., p.16.

[34] AZEVEDO, Plauto Faraco. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989. p.17.

[35] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

[36] WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito: interpretação da lei – temas para uma reformulação. Porto Alegre: Fabris, 1994. p.22. “É pouco plausível o uso do Direito como formador do sentido democrático de uma sociedade, se o mesmo não admite o valor positivo do conflito, se escamoteia, em nome de uma igualdade formal e perfeita, as desigualdades econômicas e culturais, se esquece que a lei é sempre expressão de interesses e práticas de poder”.


[37] Op. cit., p.25. “Os indivíduos se adequam psicologicamente às relações de dominação muito mais pelos efeitos culpabilizadores da ideologia jurídica do que pelo temor das sanções legais”.

[38] Id. ibid., p.31-6.

[39] Id. ibid. p.35. “Assim, as definições persuasivas têm a finalidade de cobrir com um manto descritivo um desacordo valorativo, que fica encoberto pela utilização de uma definição com pretensões persuasivas. A definição persuasiva, diz Carrió, é uma armadilha verbal dirigida ao receptor da mensagem”.

[40] SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. O papel da ideologia no preenchimento das lacunas do direito. Editora Revista dos Tribunais, p.206.

[41] WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguaguem. Porto Alegre: Fabris, 1984.

[42] CHAUÍ, Maria Helena. Repressão sexual, essa nossa (des)conhecida. São Paulo: Brasiliense, (s.d.).

[43] AGUIAR, Roberto A. R. de. Direito, poder e opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. p.105. “Tomando a lei brasileira como exemplo, observaremos que, no que tange ao sexo, privilegia-se o corpo masculino, dando-lhe mais direitos que obrigações. Em verdade, o atributo da virgindade só e exigido do corpo feminino, e sua não presença determinará sua desclassificação para a ordem jurídica, ensejando, por exemplo, a anulação do casamento. Mas a mulher que se casar com um homem ‘deflorado’, contumaz na prática sexual, não poderá vir a juízo postular por sua anulação, pois, legalmente, o homem pode desenvolver tais práticas. Ademais, neste ponto o nosso Código Civil é fisiologista, na medida em que o atributo da virgindade pode ser verificado pela ‘inteireza’ do corpo feminino, enquanto o corpo masculino é infenso a tal verificação. O que fica claro é a dominação patriarcal traduzida nesse aspecto da lei, pois, com o crescimento do saber científico, cremos, seria possível algum tipo de ‘teste’ para configurar a virgindade ou não do corpo masculino. Mas isso não interessa à lei, pois o controle deve ser feito com a prevalência masculina, instaurando hoje uma ambigüidade muito interessante: as amarras legais para a mulher estão ainda constrangendo seu corpo, mas ele mesmo é necessário para a produção, até porque o corpo feminino vende um trabalho barato, daí algumas das vantagens formais da mulher trabalhadora, como a denominada ‘estabilidade’ durante a gravidez. Mas, se se abre o direito ao trabalho fora de casa, continua-se a exigir da mulher as mesmas obrigações domésticas, duplicando sua jornada de trabalho, e é de se lembrar que a quebra dessas obrigações matrimoniais pode vir a suscitar a separação judicial, mesmo com o advento de uma legislação mais flexível.”

[44] SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. O papel da ideologia no preenchimento das lacunas do direito. Revista dos Tribunais, p.206.


[45] Op. cit., p.207. “Para tanto, o jurista se utiliza de determinadas falácias, despertando no receptor normativo uma disposição em aceitar certas imposições de sentido da norma, com vistas à obtenção do consenso social. Isto se mostra importante sobretudo quando se tem uma visão incremental do direito. O recente plano econômico é pródigo em exemplos. A proibição de medidas liminares, em ações propostas para a liberação das quantias expressas em cruzados novos, foi vista, por alguns, como forma de cerceamento do Poder Judiciário por parte do Poder Executivo, o que ‘é vedado expressamente por norma constitucional’. Não obstante, houve quem argumentasse com a inexistência de limitação do conteúdo das medidas provisórias ou mesmo com a parêmia segundo a qual ‘quem dá fins tem de conceder os meios’, o que justificaria a legalidade da proibição. Vê-se que, no exemplo mencionado, o desacordo de atitudes é apresentado como divergência de convicções.”

[46] Op. cit., p.241.

[47] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. “(…) o jurista conformará uma nova compreensão, com o que não (re)produzirá o sentido inautêntico, e sim, um novo sentido que possibilitará a aplicação/concreção do texto jurídico de acordo com os objetivos e o cânones do Estado Democrático de Direito, que funciona como a nova linguagem (condição de possibilidade) a qual, ao se fundir com o (velho) horizonte oriundo da tradição (sentido comum teórico), proporciona o desvelar do ser do (daquele) ente (o texto jurídico e sua inserção no mundo)”.

[48] AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989. p.75. “Acresce que, em nossa época, notadamente nas últimas décadas, a rapidez e o inesperado das transformações imprimem uma aceleração tal ao processo histórico, que a marcha do direito, por mais rápida que seja, não lhe pode acompanhar o ritmo. Por outro lado, legislar não pode ser obra da irreflexão, mas, ao contrário, longo trabalho de aferição dos contornos dos fatos sociais e das forças sociais que os suscitam, refreiam ou por qualquer forma por eles se interessam. Legislar é trabalho difícil, envolvendo discussões, confrontos e transação de opiniões, afrouxamento de visões de mundo, tudo demandando tempo, enquanto o fluxo da vida não se detém. E nada nos assegura que a esse descompasso ocasionado pela lentidão com que se elaboram as leis e à urgência das razoes que asreclamam, não se venha somar a sua inadequação maior ou menor aos fatos a que são prepostas.”

[49] SODRÉ, Muniz. “A audiência televisiva da URSS, por exemplo, é francamente comparável à dos Estados Unidos: há cerca de 90 milhões de televisores (98 para 100 famílias), com 85% dos aparelhos ligados entre as 18h00 e as 18h30. E se os programas ocidentais organizam a vida do indivíduo em função do consumo de massa, a programação soviética igualmente organiza o real do seu telespectador, mas em função de objetivos explicitamente políticos. A televisão ocidental é o espelho de uma ordem consumista; a soviética é o espelho de um Estado ou de um Partido, que se reconhece no espetáculo de seu próprio normativismo.”

[50] BETSER, Maria Gisela. Gênero e ciência: reflexões sobre uma epistemologia jurídica feminina na obra waratiana. Revista Estudos Jurídicos, vol. 31, nº 83, 1998, p. 92. A autora, ao comentar a obra de Evelyn Foz Keller, diz que “tanto o gênero (o masculino e o feminino) quanto as ciências são categorias socialmente construídas pela cultura”, ressalta que “a neutralidade científica reflete ideologia, sugerindo existirem forças político-sociais que afetam o desenvolvimento do conhecimento científico. A divisão do trabalho em emocional e intelectual tem como conseqüência a exclusão das mulheres da prática da ciência, sendo que uma perspectiva feminista leva a identificar as divisões público-privado, pessoal-impessoal, masculino-feminino, objetivo-subjetivo, poder-amor (que asseguram a autonomia da Ciência) como algo central para a estrutura básica da ciência e das sociedades modernas”.


[51] DIAS, Maria Berenice. Jornal Mulher. Ano IV, nº 34, Fev: 2000 “Na sociedade ocidental existe um modelo preestabelecido. (…) Os padrões de comportamento instituídos distintamente para homens e mulheres levam à geração de um função código de honra. A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais limitas em suas aspirações e desejos”.

[52] A ideología do século XIX, repetida pela psicanálise de Freud, vê uma mulher que encontra na maternidade sua identidade, na casa, nos filhos e no marido suas gratificações narcísicas, seus emblemas fálicos. Vê-se como a extensão do próprio marido, que com ela se relaciona como se a mesma fosse uma boneca-fetiche que ele pode manipular e exibir. Trata-se da mulher “feminina” por excelência, que, embora seja uma figura sonhada e adorada, necessita de controle e orientação. Ainda assim, esse ideal intocado de mulher cai por terra quando ela se dá conta de seu falso brilho, de que não passa de um ornamento para obscurecer o real valor atribuído a essa mulher. Sabe-se que não é possível abrir mão de uma insígnia identificatória sem suportar a angústia e a dor do desamparo, e são estas as sensações vivenciadas pelas mulheres que tentam se enquadrar nos estereótipos de gênero.

[53] MURARO, Rose Marie. Breve introdução histórica. In: KRAMER, Heinrich & SPRENGER, James. Malleus maleficarum: o martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. p.7-8. “Para poder arar a terra, os grupamentos humanos deixam de ser nômades. São obrigados a se tornarem sedentários. Dividem a terra e formam as primeiras plantações. Começam a se estabelecer as primeiras aldeias,

[54] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p.496. “Em verdade, o homem é, como a mulher, uma carne, logo uma passividade, joguete de seus hormônios e da espécie, presa inquieta de seu desejo; e ela é, como ele, consentimento, dom voluntário, atividade em meio a sua febre carnal; vivem cada qual à sua maneira da existência feita corpo. Nesses combates em que acreditam enfrentar-se mutuamente, é contra si que cada um luta, projetando no parceiro essa parte de si mesmo que repudia; ao invés de viver a ambigüidade de sua situação, cada um se esforça por ter a honra dela e fazer com que o outro lhe suporte a abjeção. Se, entretanto, ambos assumissem, com lúcida modéstia correlativa, um autêntico orgulho, reconhecer-se-iam como semelhantes e viveriam com amizade o drama erótico. O fato de ser um ser humano é infinitamente mais importante do que todas as singularidades que distinguem os seres humanos. (…) Em ambos os sexos representa-se o mesmo drama da carne e do espírito, da finalidade e da transcendência; ambos são corroídos pelo tempo, vigiados pela morte, têm uma mesma necessidade essencial do outro; podem tirar de sua liberdade a mesma glória; se soubessem apreciá-la, não seriam mais tentados a disputar privilégios falazes; e a fraternidade poderia então nascer entre ambos.”

[55] BLEICHMAR, Emilce Dio. O feminismo espontâneo da histeria: estudos dos transtornos narcisistas da feminilidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p.38.

[56] SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. p.306.


[57] Idem, ibidem, p.307. “O limite de compatibilidade reside exatamente na impossibilidade do fator sexo enquanto princípio classificatório. Assim, impelida pelas condições econômicas, a mulher rompe a barreira e penetra no mundo da profissão; fá-lo, entretanto, sob o signo da inferioridade que o sexo feminino representa em relação ao masculino. É ocupando as posições inferiores, recebendo salários menos compensadores, não aspirando aos postos de mando que a mulher resolve ou alivia as tensões que a inconsistência de seus papéis origina. São essas as soluções que o equilíbrio do sistema social permite e estimula através de mecanismos motivacionais.”

[58] Op. cit., p.308. “A história mostra que a hierarquização dos sexos, favorável ao homem, acompanha a propriedade privada, não sendo verdadeiro o inverso. O fator condicionante é a própria propriedade privada, não a estratificação a partir do sexo, existindo sociedades de economia coletiva que, pela persistência da tradição cultural, conservam, embora atenuada, a antiga discriminação que inferiorizava a mulher.”

[59] EISLER, Riane. O prazer sagrado: sexo, mito e política do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. p.322.

[60] SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. p.309.

[61] Idem, ibidem, p.309. “Quando os processos de motivação do indivíduo falham em orientá-lo segundo os padrões vigentes para a categoria de pessoas na qual ele se insere, quando eles não operam eficazmente, o sistema social lança mão, para evitar um comportamento divergente, dos mecanismos de controle social, que nada mais são do que processos de um ou mais atores sociais envolvidos na situação; se o que acaba de ser exposto não vige apenas para a mulher, mas para todos os membros de uma sociedade, serve para mostrar, no caso específico do comportamento feminino, o papel relevante que a educação formal, o processo de socialização em geral, os mecanismos de controle social e a persistência de valores tradicionais desempenham, a fim de manter uma única ligação entre a estrutura de parentesco e a estrutura ocupacional: através do chefe de família.”

[62] BLEICHMAR, Emilce Dio. O feminismo espontâneo da histeria: estudos dos transtornos narcisistas da feminilidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p.38.

[63] FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através da comunicação despercebida. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p.145. “Conforme outro estudo, realizado pela UNAE (União Cívica Nacional de Consumidores e Donas de Casa da Espanha), os anúncios de brinquedos também reforçam os estereótipos sexistas. 46% dos brinquedos são destinados às meninas, 32% aos meninos, e os 21% restantes aos dois grupos. Os comerciais para meninos destacam os valores tradicionalmente atribuídos aos papéis masculinos: força, coragem, competitividade e agressividade. Os destinados ao público feminino mostram as crianças ocupando um papel muito mais passivo e reproduzem os estereótipos sociais, com claras referências ao instinto maternal.”

[64] THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa.


[65] NOGUEIRA, Alcântara. Poder e humanismo: o humanismo em B. Spinoza, o humanismo em Feuerbach, o humanismo em K. Marx. Porto Alegre: Fabris, 1989. p.57. “Na realidade, é exato dizer que o espírito do homem age como força que impele a sociedade a realizar suas transformações. Mas estas, bem consideradas, são o fruto do crescimento e do desenvolvimento econômico. Este é que é o grande motor que possibilita as múltiplas transformações sociais que se operam, dando-lhes origem, levando o espírito humano a alcançar outras etapas de progresso. A vontade humana não é querer, é poder, ou, melhor dizendo, ela não é criadora auto-suficiente, geradora dos grandes feitos ou das realizações que representam a ciência, a técnica, as artes e tudo o mais que o poder da inteligência do homem possa atingir, visando o seu próprio bem-estar. Por mais penetrante e genial que seja o espírito humano, ele não é livre pela sua simples vontade de querer ou pelo poder de sua natureza, embora seja indispensável sua presença no processo, cuja finalidade é efetivamente transformação social. Mas a atuação se exerce em consonância com as mudanças sócio-econômicas; é que o poder do espírito será de tal modo essencial no jogo das realizações, que estará fazendo ou construindo a história e, por isso, não permanecerá à espera de que esta se realize, conforme pretendeu Bismarck. (…) Equivocam-se, por completo, os que não entendem a realidade histórica explicada em termos de desenvolvimento econômico e julgam que é o engenho humano que age como fator privilegiado de criação, e assim, é de todo o responsável decisivo para que se verifique a evolução da sociedade. Essa interpretação, longe de colocar, como possa parecer à primeira vista, a atividade do espírito humano em plano secundário, define o verdadeiro processo através do qual a sua natureza se faz realidade presente e contínua, agindo segundo a dinamicidade que preside as transformações em que este próprio espírito é considerado indispensável para formular o progresso social.”

[66] BORDO, Susan R. O corpo e a reprodução da feminilidade: uma apropriação feminista de Foucault. In: Gênero, corpo, conhecimento (Coleção Gênero). vol.1. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. “Através de seus últimos trabalhos ‘genealógicos’, Vigiar e punir e História da sexualidade, Foucault salienta constantemente a primazia da prática sobre a crença. Não essencialmente através da ‘ideologia’, mas por meio da organização e da regulamentação do tempo, do espaço e dos movimentos de nossas vidas cotidianas, nossos corpos são treinados, moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantes de individualidade, desejo, masculinidade e feminilidade.”

[67] JAGGAR, Alison M. & BORDO, Susan R. Gênero, corpo e conhecimento. (Coleção Gênero). vol.1. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. p.25. “Às mulheres jovens de hoje de hoje ainda se ensina essa construção do ser; na televisao, os comerciais de Betty Crocker falam simbolicamente aos homens da legitimidade de seus desejos mais desvairados e devassos (…); a fome feminina, no entanto, é retratada como algo que precisa ser refreado e controlado, e o comer feminino é visto como um ato furtivo, vergonhoso, ilícito, como nos comerciais de Andes Candies e Mon Chéri, onde um ‘minúsculo pedacinho’ de chocolate, saboreado em particular, vem a ser a generosa recompensa por um dia de cuidados dedicados aos outros. (…) O controle do apetite feminino é meramente a expressão mais concreta da norma geral que rege a construção da feminilidade, de que a fome feminina, independência, gratificação sexual, deve ser contida, e o espaço público que se permite às mulheres deve ser circunscrito, limitado.”

[68] JAGGAR, Alison M. & BORDO, Susan R. Gênero, corpo e conhecimento. (Coleção Gênero). vol.1. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. p.26. “O ideal de esbeltez, junto com a dieta e os exercícios emagrecedores que se tornaram inseparáveis da mesma, oferece a ilusão de cumprir, através do corpo, as exigências contraditórias da ideologia contemporânea da feminilidade. As imagens populares refletem essa exigência dual. Numa só edição de Complete Woman, aparecem dois artigos, um sobre ‘Intuição feminina’ e outro perguntando ‘Você é a nova mulher-macho?’ Em Vision Quest, o jovem herói masculino apaixona-se pela heroína porque, como ele diz, ‘Ela tem todas as melhores características que aprecio nas moças e todas as melhores características que aprecio nos rapazes’; isto é, ela é firme, calma, calorosa e atraente. Em Aliens, filme que fez muito sucesso, a personalidade da heroína foi deliberadamente construída, com um grau de explicitação comparável ao das histórias em quadrinhos, para incorporar feminilidade tradicional acalentadora, ao lado de empolgante e viril intrepidez e autocontrole; Sigourney Weaver, atriz que a interpreta, chamou a personagem de ‘Rambolina’”.


[69] Mesmo no palco ou na televisão, corporificadas em personagens criadas, como a heroína de Aliens, o resultado é uma paródia. Infelizmente, nesta cultura deslumbrada por imagens, temos dificuldades crescentes em distinguir entre paródias e possibilidades do ser. Explorado como uma possibilidade, o ideal “andrógino” expõe, em última análise, sua contradição interna e transforma-se num conflito que dilacera o sujeito em dois – uma guerra tematizada explicitamente por muitas anoréxicas, como uma batalha entre os aspectos masculinos e femininos de ser. (Bordo, 1985)

[70] BORDO, Susan R. O corpo e a reprodução da feminilidade: uma apropriação feminista de Foucault. In: Gênero, corpo, conhecimento (Coleção Gênero). vol.1. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. “Vistos historicamente, o disciplinamento e a normatização do corpo feminino têm de ser reconhecidos como uma estratégia espantosamente durável e flexível de controle social. Em nossa própria época, é difícil evitar o reconhecimento de que a preocupação contemporânea com a aparência, que ainda afeta as mulheres de maneira muito mais acentuada que os homens, mesmo em nossa cultura narcisista e visualmente orientada, isso pode ocorrer como um fenômeno de ‘recuo’, reafirmando as configurações de gênero existentes contra quaisquer tentativas de substituir ou transformar relações de poder. (…) Em jornais e revistas, encontramos diariamente matérias que promovem relações de gênero tradicionais e atacam os anseios por mudanças: histórias sobre crianças entregues a si mesmas na ausência dos pais, abusos nas creches, problemas da ‘nova mulher’ com os homens e com suas poucas chances de casar, etc. Um tema visual dominante em revistas para adolescentes envolve mulheres que se escondem nas sombras dos homens, procurando conforto em seus braços, limitando voluntariamente o espaço que ocupam. Um outro tema é, naturalmente, o da descrição do ideal estético contemporâneo para as mulheres, objetivo cuja busca obsessiva se tornou o tormento central das vidas de muitas delas. Numa época como esta, necessitamos desesperadamente de um discurso político eficaz sobre o corpo feminino, um discurso adequado a uma análise dos caminhos insidiosos e muitas vezes paradoxais do moderno controle social.”

[71] FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através da comunicação despercebidas. Porto Alegre: ArtMed, Porto Alegre, 1998, p.54.

[72] BUONANNO, Milly. El drama televisivo: identidad y contenidos sociales. Barcelona: Gedisa, 1999. p.125.

[73] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para interpretação pluralista e procedimental da Constituição. (s.l.): Fabris, (s.d.). p.46. “Existem leis (…) que despertam grande interesse da opinião pública. Essas leis provocam discussões permanentes e são aprovadas com o controle rigoroso da opinião pública. Ao examinar essas leias, a Corte deveria levar em conta a peculiar legitimação democrática que as orna, decorrente da participação democrática de inúmeros segmentos no processo democrático de interpretação constitucional (…am demokrastischen prozess der verfassungsauslegund). (…) Peculiar reflexão às leis que provocam profundas controvérsias no seio da comunidade. Nesses casos deve a Corte exercer um controle rigoroso, (…) no caso de uma profunda divisão da opinião pública, cabe ao Tribunal zelar para que não se perca o mínimo indispensável da função integrativa da Constituição. Ademais, a Corte Constitucional deve controlar a participação leal (faire beteilingung) dos diferentes grupos na interpretação da Constituição, de forma que, na sua decisão, se levem em conta, interpretativamente, os interesses daqueles que não participam do processo (interesses não representados ou não representáveis).”


[74] DIAS, Maria Berenice. União estável homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.74. “Não há como reconhecer a possibilidade de, no mesmo feixe normativo, conviverem normas que elejam a diferenciação do sexo, como elemento discriminante para merecer a proteção estatatal. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída a opção sexual que se tenha. (…). Desarrazoada a eleição de fator sexista para subtrair dos homossexuais os direitos deferidos aos heterossexuais, postura que evidencia discriminação, infringência ao princípio da isonomia e desrespeito à cláusula constitucional de respeito à dignidade humana, bem como, de forma reflexa, afronta à liberdade pessoal e sexual.”

[75] Id. ibid., p.70.

[76] Alessandro, op. cit., nota nº 16, p.21. “As pessoas do sexo feminino tornam-se membros de um gênero subordinado, na medida em que, em uma sociedade e cultura determinadas, a posse certas qualidades e o acesso a certos papéis vêm percebidos como naturalmente ligados a um sexo biológico, e não a outro. Esta conexão ideológica e não “natural” (ontológica) entre os dois sexos condiciona a repartição dos recursos e a posição mais vantajosa de um dos dois gêneros. Portanto, a luta pela igualdade dos gêneros não deveria como objetivo estratégico uma repartição mais igualitária dos recursos e das posições entre os dois sexos, mas sim a “desconstrução” daquela conexão ideológica, bem como uma reconstrução social do gênero que superasse as dicotomias artificiais que estão na base do modelo androcêntrico da ciência e do poder masculino”.

[77] AZEVEDO, Plauto Faraco. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. (s.l.): Fabris, 1989. p.17.

[78] KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.5.

[79] AZEVEDO, Plauto Faraco. Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica. Editora Antonio Fabris Editor. 1989, p, 31

Autores

  • Brave

    é advogada, professora da Universidade Luterana do Brasil, especialista em Direito Penal e mestre em Gestão de Negócios do Mercosul pela Uces — Universidad de Ciencias Empresariales y Socialies.

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