Humilhação em público

Cabe indenização por disparo indevido de alarme antifurto

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19 de junho de 2006, 17h04

Estabelecimento que causa constrangimentos e expõe a imagem do cliente frente aos demais tem o dever de indenizar. A decisão foi confirmada pela 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou a rede de supermercados Sonae por abordagem e revista indevida ao cliente que após passar na porta o alarme antifurto disparou.

O hipermercado deixou de destacar a etiqueta magnética da mercadoria adquirida e paga pelo cliente. Por conta da humilhação sofrida em público, o Colegiado aumentou a indenização de R$ 3 mil para R$ 10 mil, corrigidos monetariamente, a contar a data de publicação da sentença.

A rede de supermercados alegou que foi apenas uma situação inconveniente enfrentada pelo cliente que ao sair teve o alarme da loja disparado indevidamente.

Para o relator, o desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, a prova dos autos não confirma a tese defensiva. Uma das testemunhas, que presenciou o ocorrido, afirmou que depois que ecoou o alarme, um funcionário do supermercado foi até a porta e pediu para que fossem abertas todas as sacolas, e parecia que estava acusando o autor de ter roubado alguma coisa.

O desembargador destacou ser evidente o abalo moral sofrido, já que o cliente foi abordado por seguranças de forma agressiva embora tenha pagado a mercadoria adquirida. Além disso, tais fatos chamaram a atenção de terceiros que estavam presentes no local.

O desembargador e Paulo Antônio Kretzmann e a Juíza-Convocada ao TJ Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira acompanharam o voto do relator.

Leia integra da decisão

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME’.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) E DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA.

Porto Alegre, 26 de janeiro de 2006.

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)

Adoto o relatório de fls. 95/96, aditando-o como segue:

Sentenciando, o magistrado singular julgou procedente a demanda, condenado a ré ao pagamento de R$ 3.000,00 ao autor, a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação, e corrigidos monetariamente, pelo IGP-M, desde a data de publicação da sentença, bem como das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, ao qual aderiu o autor.

A demandada, em suas razões, sustenta que possui um corpo especializado de funcionários que recebem diuturnamente treinamentos diversos para buscar a excelência no atendimento a seus clientes. Aduz que se trata apenas de um inconveniente enfrentado pelas partes, em face do disparo de alarme de proteção, localizado nas portas do estabelecimento, sendo este um dos únicos meios de proteção contra o imenso volume de furtos. Ao disparara o alarme, um funcionário da apelante deslocou-se até o apelado e contatou uma tarja magnética em um dos produtos que o autor havia adquirido, providenciando na pronta retirada da tarja e liberação do cliente.

O apelado tinha apenas três produtos nas mãos, sendo rápida e fácil a localização da tarja. Afirma que realmente havia uma etiqueta que ainda constava em um dos três produtos adquiridos pelo autor, o que deu causa ao disparo do alarme, tendo a situação se normalizado rapidamente, não gerando qualquer inconveniente ou maior repercussão que pudesse macular sua moral. Invoca os arts. 186 e 927 do CC, alegando que não merece prosperar o pedido de indenização veiculado, de vez que inexistiu ato ilícito por parte de seus funcionários.

A prova testemunhal trazida teve nítido ar de exagero, não se podendo conceder indenização pelo simples aborrecimento de uma abordagem, não havendo prova contundente quanto ao abuso cometido. Refere que não restaram comprovados os danos morais alegados pelo autor, conforme o disposto no art. 333, I do CPC. Por fim, pede o provimento do apelo (fls. 102/111).

O recorrente adesivo, por sua vez, pugna pela majoração do quantum indenizatório fixado para 50 salários-mínimos, bem como a reforma da sentença quanto ao percentual e termo inicial dos juros moratórios, aduzindo que são devidos a contar do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ, à razão de 12% ao ano, consoante art. 406 do CC (fls. 118/127).

O autor contra-arrazoou.

Subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)


Trata-se de apelação e recurso adesivo interposto pelas partes, em face da sentença de procedência prolatada pelo julgado singular, nos autos da ação de indenização por danos morais que ROQUE KOLLET move contra SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A.

A ré, em suas razões de apelação, pugna pela reforma da sentença e julgamento de improcedência da ação. O autor, por sua vez, pede a majoração do quantum indenizatório arbitrado, insurgindo-se, ainda, quanto ao percentual e termo inicial de incidência dos juros de mora.

Considerando o teor dos recursos interpostos, as inconformidades serão analisadas em conjunto.

No que pertine ao mérito a quaestio, é de ser confirmada a sentença prolatada pelo nobre magistrado de 1º Grau, Dr. Leandro Raul Klippel que, com propriedade e justeza, procedeu à análise dos fatos e da prova oral produzida, motivo porque, a fim de evitar desnecessária tautologia, peço vênia para transcrever parte dos fundamentos por ele utilizados, adotando-os como razões de decidir:

“Cuidam os presentes autos de pedido de indenização pelo dano moral, tendo como fundamento o fato de que o requerente teria sofrido constrangimentos ao ser abordado por seguranças do estabelecimento réu quando saía deste local, por causa do disparo do alarme antifurto. Tal pretensão deve ser julgada procedente”.

Conforme se depreende dos autos, o requerente adquiriu alguns produtos no hipermercado Big de São Leopoldo, tendo efetuado o regular pagamento. Ao se dirigir à saída, a sirene do alarme disparou pelo fato de não ter sido retirada a etiqueta magnética, sendo que seguranças da empresa demandada abordaram o requerente.

Tais fatos são incontroversos nos autos, sendo admitidos pela requerida em sua contestação. Desta simples circunstância se depreende conduta antijurídica da ré, uma vez que, realizado o pagamento da compra feita, tinha o estabelecimento vendedor a obrigação de realizar todas as diligências necessárias para impedir o acionamento do alarme. Tal omissão deu causa aos fatos objeto do presente feito, devendo responder pelos danos causados.

Alegou a empresa-ré que o autor não sofreu qualquer dano de natureza extrapatrimonial que pudesse ser indenizado. Contudo, a prova dos autos não corrobora tal tese defensiva. Ocorre que André Luiz dos Reis, testemunha presencial dos fatos, esclareceu que o requerente sofreu constrangimentos com a situação. Segundo o depoimento deste (fl. 50), quando o alarme disparou, um colaborador do Big foi até o autor. “Pela atitude deste colaborador, parecia que estava acusado o autor de ter roubado alguma coisa. Pediu para abrir todas as sacolas. A forma como abordaram foi constrangedora. O autor e sua esposa estavam apavorados.

A situação foi humilhante, todas as pessoas estavam olhando para ele.” Tal relato atesta os constrangimentos sofridos, os quais representam danos psíquicos de natureza extrapatrimonial passíveis de indenização.

Destarte, deve ser julgado procedente o pedido de indenização pelo dano moral. Revela-se o dano moral como uma dor interior, não apreciável economicamente, que se limita a um sentimento negativo, que não causa modificações no mundo exterior, mas, tão-somente, na esfera íntima do ofendido.

No caso em comento, evidente o abalo moral sofrido pelo autor, que se viu implicitamente acusado de furto, sendo abordado pelos seguranças de forma acintosa, embora tenha pago a mercadoria adquirida. Ademais, tais fatos chamaram a atenção de terceiros que estavam presentes no local.

Tal dano psíquico independe de maiores comprovações, já que este é inerente à natureza humana. Assim, clara a existência de lesão de natureza extrapatrimonial, devendo o requerido ser condenado ao pagamento de indenização pecuniária como forma de ressarcimento por tal fato.

[…]”

Em complementação, cumpre registrar que, ao concreto, o alarme antifurto soou por culpa exclusiva de preposto da ré, que deixou de destacar a etiqueta de mercadoria que já havia sido paga pelo autor. Evidente que a abordagem e conferência das mercadorias adquiridas despertou a atenção de terceiros, causando grande constrangimento ao demandante.

Aliás, é de comezinha compreensão que a simples abordagem feita por seguranças à cliente já é suficiente para atrair atenções e gerar desconfiança.

De outro lado, não se ignora o direito da requerida de defesa de seu patrimônio, mas no exercício de tal mister não lhe é dado praticar excessos, abusos e arbitrariedades, atingindo a esfera dos direitos personalíssimos do autor.

A injusta interpelação de indivíduo, por mera suposição do cometimento de prática delituosa, caracteriza ilícito civil ensejador de dano moral ante a humilhação e sofrimento impostos à vítima, especialmente se ocorrida em público, como no caso dos autos.

Nesse norte, os seguintes precedentes desta Câmara:


“RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPERMERCADO. ABORDAGEM DE CLIENTE NO INTERIOR DA LOJA. SUSPEITA DE FURTO NÃO CONFIRMADA. ABORDAGEM E REVISTA POLICIAL NA SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. PROCEDIMENTO HUMILHANTE QUE COLORE A FIGURA DO DANO MORAL. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.

Se a conduta do preposto do supermercado, suspeitando de furto por parte do cliente, ultrapassa a barreira da observação, dando azo a que fosse o consumidor revistado pela polícia militar após sua saída do supermercado, onde efetivamente adquiriu bens, e nada tendo sido constatado em relação à prática de furto, então resta configurada a figura do dano moral, pelo constrangimento e pelas humilhações infligidas ao cliente. Sentença de parcial procedência mantida. Apelo parcialmente provido”. (Apelação Cível Nº 70011605128, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 04/08/2005)

“AÇÃO ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. ABORDAGEM POR SEGURANÇA NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL SOB ACUSAÇÃO DE FURTO. DANO MORAL. PROVA NÃO HOMOGÊNEA. APRECIAÇÃO PELO MAGISTRADO. Consabido que o juiz é o destinatário da prova, cumprindo-lhe sopesar os elementos probatórios a partir de critérios objetivos e subjetivos. Nestes, destaca-se a percepção do homem comum e a análise do quod prelumque accidit. Situação em que o circunstancial fático aponta, com segurança, à ocorrência do episódio e prática do ato lesivo. Dano moral in re ipsa. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO”. (Apelação Cível Nº 70010765436, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 21/07/2005)

No que se refere ao valor da indenização, objeto de recurso da parte autora, mostra-se reduzido, merecendo majoração.

A reparabilidade do dano moral, alçada ao plano constitucional, no artigo 5º, incisos V e X da Carta Política, e expressamente consagrada na lei substantiva civil, em seus artigos 186 combinado com 927, exige que o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso concreto, arbitre, pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial.

Neste mister, impõe-se que o magistrado atente às condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral do indivíduo deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento sem causa da vítima.

Ao concreto, considerando as condições do autor, qualificado na inicial como gerente de vendas, cujos rendimentos não restaram esclarecidos nos autos; as condições da agressora, empresa de grande porte; e a reprovabilidade da conduta da desta que, através de seus prepostos, deixou de destacar a etiqueta de mercadoria já paga pelo autor, provocando o disparo do alarme antifurto, a abordagem e a conferência dos produtos adquiridos, na presença de terceiros, atos que, sem dúvida, expuseram o autor em situação vexatória; impõe-se a majoração do quantum indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

O valor da indenização deverá ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, a contar da data de publicação da sentença, conforme determinado pelo magistrado a quo no ato sentencial, ante a ausência de recurso das partes, no ponto.

Quanto aos juros de mora, é de ser modificada a sentença, devendo incidir a partir da data do evento danoso, qual seja, 11.06.2004, observada a Súmula 54 do STJ, à razão de 12% ao ano, procedendo a inconformidade manifestada pelo autor, em suas razões recursais.

Vão mantidas as demais disposições sentenciais.

Por derradeiro, apenas consigno que o entendimento ora esposado não implica violação a quaisquer dispositivos, sejam de ordem constitucional ou infraconstitucional.

Ante o exposto, o VOTO é no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO, para efeito de majorar o quantum indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais); e fixar como termo inicial de incidência dos juros de mora, à razão de 12% ao ano, a data do evento danoso, 11.06.2004, nos termos da Súmula 54 do STJ; mantidas as demais disposições sentenciais.

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (REVISORA) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN – Presidente – Apelação Cível nº 70013911342, Comarca de São Leopoldo: “NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME .”

Julgador (a) de 1º Grau: LEANDRO RAUL KLIPPEL

Processo. 70013911342

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