Pela culatra

TSE bloqueia publicidade de Lula às vésperas de eleição

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15 de junho de 2006, 15h32

A tentativa do governo federal de empreender uma grande campanha pela TV para anunciar o fim das filas de aposentados para atendimento no INSS não deu certo. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio, negou nesta quinta-feira (15/6) o pedido de autorização feito pela Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto.

A legislação impõe que toda campanha publicitária do governo federal, três meses antes das eleições, só pode ser empreendida mediante autorização do presidente do TSE. Resolução do próprio tribunal, baixada em 2002, regulamentou o assunto. As campanhas, mandam as regras, só podem ser levadas ao ar mediante “grave e urgente necessidade pública”. A decisão do ministro Marco Aurélio é inédita. Até hoje, todas as campanhas do gênero foram homologadas quase que automaticamente.

No entendimento do ministro, a iniciativa de divulgar o canal de atendimento, pelo telefone 135, é extemporânea, já que as filas do INSS existem há décadas, assim como as promessas e medidas anunciadas para a melhora do atendimento. A publicidade que se pretendia desencadear a poucas semanas da data em que o presidente da República tentará a sua reeleição, entendeu o titular do Tribunal, não se justifica.

Para divulgar o novo serviço, a Previdência Social chegou a elaborar uma ampla campanha de publicidade, com distribuição de cartazes, filipetas, móbiles, adesivos, coletes, entre outros materiais, e a produção de um jingle em um VT para veiculação na segunda quinzena dos meses de junho, julho e agosto de 2006.

O pedido negado é o primeiro de uma fila de oito campanhas publicitárias planejadas pelo Planalto para o período pré-eleitoral. Para fundamentar sua decisão, Marco Aurélio fez um estudo etimológico do significado dos termos que impõem o balizamento da questão. A excepcionalidade que permitiria a propaganda, segundo a decisão, só pode ser autorizada se as suas razões forem mais relevantes que as normas que proíbem a vantagem eleitoral indevida e o desequilíbrio na disputa.

Leia a íntegra da decisão

PETIÇÃO Nº 1876-DISTRITO FEDERAL (BRASÍLIA)

Relator: Ministro MARCO AURÉLIO

REQUERENTE: SUBSECRETARIA DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Por seu Subsecretário

DECISÃO

PUBLICIDADE INSTITUCIONAL – ANS – PROGRAMAS – OBRAS – SERVIÇOS E CAMPANHAS – ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA – PREVIDÊNCIA – ATENDIMENTO – ORIENTAÇÃO AOS BENEFICIÁRIOS – PERÍODO CRÍTICO DE TRÊS MESES ANTES DAS ELEIÇÕES – GRAVE E URGENTE NECESSIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO.

1.A Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República requer pronunciamento da Justiça Eleitoral sobre a configuração da grave e urgente necessidade pública a respaldar a seguinte publicidade institucional:

Campanha de utilidade pública sobre o novo canal de atendimento da Previdência Social – o 135.

A título de justificativa, consta ressaltado que:

Uma das metas da atual gestão é exatamente melhorar o atendimento ao beneficiário, trabalhando, para isso, com medidas adequadas para reduzir as filas nas Agências da Previdência Social. Pesquisa realizada em janeiro deste ano apontou que 63% das pessoas que estavam nas filas das Agências pretendiam solicitar o auxílio-doença ou realizar a perícia médica; outros 10% dos segurados estavam em busca de aposentadorias e 9% queriam requerer salário-maternidade.

Assim, estabeleceu-se uma estratégia que acatasse sob vários ângulos o problema, principalmente em relação ao auxílio-doença e à perícia médica, que representassem a maior parte da demanda atual. Uma das ações adotadas foi justamente a criação do novo canal de atendimento 135, pelo qual o segurado poderá agendar o local, dia e hora para atendimento por uma das nossas Agências.

Para divulgar esse novo serviço, a Previdência Social elaborou uma ampla Campanha de Publicidade, que contará com distribuição de cartazes, filipetas, móbiles, adesivos, coletes, entre outros materiais, e a produção de um jingle em um Vt para veiculação na segunda quinzena dos meses de junho, julho e agosto de 2006.

Este processo veio-me concluso ante o disposto no artigo 36, § 6º, da Resolução nº 22.158/TSE:

Art. 36. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/97, art. 73, caput, I a VIII):

§ 6º As exceções referidas nas alíneas b e c do inciso VI deste artigo serão examinadas e reconhecidas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral quando se tratar de órgão ou entidade federal, ou pelo presidente do respectivo Tribunal Regional Eleitoral quando se tratar de órgão ou entidade estadual; dessas decisões caberá agravo para o Tribunal pleno.


A Assessoria Especial da Presidência emitiu o parecer de folhas 26 e 27.

2.O certame eleitoral tem como medula o tratamento igualitário dos candidatos. Hão de concorrer, tanto quanto possível, no mesmo patamar, sem a adoção de enfoques que acabem gerando privilégio, vantagem indevida para alguns em detrimento de outros, ferindo de morte o princípio democrático da igualdade. Hoje, convive-se com instituto estranho à tradição republicana brasileira – a reeleição. Daí o sistema legal revelar balizas rígidas norteadoras da caminhada a ser empreendida, incumbindo ao Judiciário Eleitoral torná-las efetivas.

O detentor de mandato que busque a reeleição, investido no cargo sem necessidade do afastamento, já dispõe de uma maior valia. O exercício da boa administração o credencia, por si só, perante os eleitores. Então, o contexto direciona ao abandono da tentação de vir a reforçar, à margem da lei, a caminhada natural rumo ao novo mandato. São latentes os riscos de uma representação na Justiça Eleitoral, considerado o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade e a utilização imprópria de veículos de comunicação social – artigo 22 da Lei de Inelegibilidade, Lei Complementar nº 64/90. O antagonismo inerente ao fenômeno da eleição conduz a todos que se apresentem às urnas, visando a um novo mandato, ao apego aos princípios que lastreiam a administração pública – da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – evitando percalços, acidentes de percurso que acabem por obstaculizar a seqüência da candidatura e, ocorrido o pleito com sucesso, por fulminar o próprio mandato obtido, em face de vício por natureza insanável. Então, mais do que nunca, os freios inibitórios devem atuar, a cautela há de ser a tônica na condução dos trabalhos administrativos, adotada, em última análise, postura exemplar, expungida a prática de atos ambíguos e que se mostrem capazes de servir de base a impugnações, não a eles próprios, mas a algo mais importante, à candidatura já de início fortalecida pelo mandato até então cumprido.

O período de três meses que antecedem às eleições é realmente crítico, reclamando atenção maior do Judiciário Eleitoral, do Ministério Público, das coligações, dos partidos políticos, dos candidatos.

Eis a óptica que, em termos de noções primárias, norteia o exame do pedido formulado.

Vale rememorar o preceito de regência da Lei nº 9.504/97, que surge como fator de equilíbrio nas eleições:

Artigo 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

a) (…)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

A toda evidência, surge como regra a proibição de implementar, nessa undécima hora das eleições, publicidade institucional e, como exceção, o lançamento de tais peças publicitárias, considerado o gênero comunicação. É sabença geral que preceitos a encerrarem exceção são merecedores de interpretação estrita. Isso mais se evidencia quando a norma em comento direciona ao necessário, inafastável, reconhecimento da Justiça Eleitoral. Observem o envolvimento de formalidade essencial à valia do ato. Vale dizer que, realizada publicidade institucional no período de três meses que antecedem o pleito sem o crivo da Justiça Eleitoral, o ato se mostra conflitante com o texto legal, afetando a igualdade de oportunidades entre candidatos e passando a desafiar representação capaz de levar à suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, à sujeição dos responsáveis à multa no valor de cinco a cem mil UFIR, e – atentem para a cláusula “sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior” – à cassação do registro ou do diploma do candidato – inteligência do artigo 75, inciso VI, alínea b e dos § 4º e § 5º nele contidos.

Cabe o exame, sob o ângulo etimológico, da condição indispensável a passar-se da regra – que é a proibição da publicidade institucional no citado período – à exceção, realizando-a, uma vez verificada a “grave e urgente necessidade pública”.

De acordo com o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, o vocábulo “grave” vem do latim gràvis,e, cujo significado tem a ver com ‘pesado, grave, carregado, pejado, grávido, prenhe, duro; forte, molesto; oneroso, importuno, circunspecto, sério, severo, rigoroso’. Em latim, é radical de expressiva cognação: gravìtas,átis ‘peso, gravidez; fraqueza, languidez’, gravìdus,a,um ‘carregado, pesado; prenhe’, gravìdo,as,ávi, átum,áre ’emprenhar’, gravo,as ‘pesar sobre, sobrecarregar, agravar, gravesco,is,ère ‘estar sobrecarregado; engravidar’, gravatìo,ónis ‘peso (do corpo)’, gravitúdo,ìnis ‘coriza; peso da cabeça’, agravo,as ‘sobrecarregar, oprimir’; em português, tanto a forma. vulgar. grau (= ‘pesado’), quanto a forma grave, que vai prevalecer, ocorrem no século XIII.


Nos dicionários consultados – Houaiss, Aurélio, Michaelis, Caudas Aulete e Língua Portuguesa

On-line -, no sentido usado na legislação em foco, prevalecem as seguintes acepções:

a) extremamente sério, preocupante, que pode ter conseqüências nefastas ou fatais;

b) de efeito extremamente penoso, difícil, doloroso, duro;

c) de grande intensidade, profundo;

d) importante, sério, ponderoso;

e) perigoso, fatal (ex: infecção grave);

f) suscetível de conseqüências sérias, trágicas;

g) considerável, em número, em grandeza;

h) o que tem peso, ponderação, seriedade, graveza;

i) rígido, severo;

j) intenso, vivo, profundo.

Assim, deflui que “grave” toma o sentido, no texto pesquisado, de algo que merece consideração especial, de real importância, sério. “Grave” e “sério” configuram-se, no caso, como termos sinônimos, como se depreende das acepções encontradas para este último adjetivo:

Sério (etimologia: serius,a,um ‘sério, grave):

a) aquilo que merece consideração especial; cujas conseqüências podem ser grandes e/ou perigosas;

b) importante, grave;

c) positivo, real, verdadeiro;

d) que constitui perigo, ameaça, perigoso, inquietante, grave;

e) que tem grande importância, valor, mérito – Ex: um trabalho sério;

f) levar a sério (derivação: por extensão de sentido) – praticar uma ação não habitual ou extraordinária.

Em síntese, da confluência dos dois sinônimos, conclui-se que, para ser grave, o fenômeno deve se revestir de caráter realmente excepcional, a resultar em conseqüências de grande importância, inquietantes, ameaçadoras.

O outro adjetivo – urgente – vem do latim urgens,entis, particípio passado do latim urgére ‘apertar, comprimir, impelir, perseguir, ameaçar; apressar; insistir. De acordo com os dicionários pesquisados, preponderam as seguintes acepções:

a) que é necessário ser atendido ou feito com rapidez; que não pode ser retardado. Exemplo: ela precisa de um tratamento urgente da sua doença ;

b) de que não se pode prescindir; indispensável ;

c) que indica necessidade imediata ou pressa. Exemplo: um toque urgente de campainha;

d) que não demora; iminente. Exemplo: seria impossível escaparmos daquela chuva ;

e) que é urgente, que não admite delongas;

f) que é necessário fazer-se rapidamente, inadiável;

g) que se deve fazer com brevidade, rapidez,que não se pode adiar;

h) indispensável, imprescindível.

Já o substantivo “necessidade” deriva do latim necessìtas,átis ‘necessidade (inelutável, inevitável), destino, fatalidade’ e tem como principais acepções:

a) qualidade ou caráter de necessário;

b) aquilo que é absolutamente necessário; exigência;

c) aquilo que é inevitável, inelutável, fatal;

d) aquilo que constrange, compele ou obriga de modo absoluto;

e) privação dos bens necessários; indigência, míngua, pobreza, precisão;

f) o que não se pode evitar; inevitável;

g) o que é imprescindível;

h) coacção, coerção,constrangimento;

i) aperto, apuro, carência de coisas necessárias, precisão.

Quando se juntam os três vocábulos num só texto, como no preceito em tela, formando a expressão “salvo em caso de grave e urgente necessidade”, os significados se agudecem, potencializando-se. Revelam então a hipótese de caso de excepcional premência, a direcionar para providências que não podem ser proteladas sob pena de nefastas conseqüências, principalmente em se tratando de “necessidade pública”. O contexto que se extrai do preceito aponta para situação em que a atitude demandada mostra-se obrigatória, imprescindível, inevitável, sem o que não se pode passar, verdadeiramente muito importante, absolutamente indispensável para atingir um objetivo essencial. Nessas circunstâncias, é pertinente enxergar o cabimento de medidas graves e urgentes, por exemplo, no caso de uma epidemia avassaladora – como da gripe aviária que se anuncia –, de uma catástrofe iminente, de um fenômeno devastador que se pode evitar com atitudes eficazes e imediatas, improrrogáveis.

O caso concreto tem como móvel problema crônico do setor de saúde pública. À época da criação do Imposto Provisório sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – IPMF, decorrente da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, o então Ministro de Estado da Saúde proclamou, com pureza ímpar, que o tributo objetivava salvar a saúde pública, viabilizando o atendimento – a tempo e a hora – aos mais necessitados. Ledo engano, porquanto tantos anos se passaram e persistem, até hoje, as filas daqueles que aguardam tal atendimento. Beneficiários da Previdência são compelidos a madrugar, buscando a senha – muitas vezes não obtida – que lhes permita o almejado socorro. Os cidadãos são submetidos diuturnamente a uma série de humilhações, a exemplo do malfadado recadastramento presencial dos mais idosos vislumbrado nos idos de 2003 – e lá se vão quase três anos. Desde essa época, ficou escancarada a mais não poder, – já que o sacrifício gerou um escândalo nacional –, a necessidade de medidas profiláticas que erradicassem os dissabores causados não por confusão gerada pelo povo, mas ante a falta de infra-estrutura notada em relação aos serviços oferecidos pela Previdência Social. Com o crescimento da população e a permanência da mesma estrutura, é cada vez maior o número de pessoas que, de uma forma ou de outra, dependem do serviço e, ao procurá-lo na via direta, pessoal, têm a desventura de não o alcançar como conviria, ou seja, de forma minimamente satisfatória.

Está-se a ver, então, que o pleito de veiculação de publicidade institucional nos meses de junho, julho e agosto de 2006, em especial nos meses de julho e agosto, compreendidos nos três meses versados na legislação em comento, visando à instrução de como procurar o serviço via ligação telefônica, não decorre de acontecimento que autorize a abertura da exceção à norma proibitiva. Houve tempo suficiente para fazer a campanha pretendida, aliás isoladamente inócua, mas a lembrança somente ocorreu às vésperas das eleições. Cabe atentar para o fato de o bom atendimento pela Previdência Social depender muito mais da referida estruturação dos serviços do que da educação direcional dos cidadãos que deles necessitam. Por mais que se compreenda que já tarda a tomada de providências, objetivando, até mesmo, nesse campo tão caro à vida dos brasileiros, preservar a dignidade do homem, não há como placitar a iniciativa, considerado – é de repetir – o problema existente há muitos e muitos anos – isso se fosse possível acreditar que simples orientação àqueles que acorrem à Previdência Social, aos estabelecimentos voltados à atividade no campo da saúde pública, pudesse implicar dias melhores.

3.Indefiro o endosso pretendido.

4.Publiquem.

Brasília, 14 de junho de 2006.

Ministro Marco Aurélio

Presidente

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