Linha desconhecida

Brasil Telecom deve indenizar por nome negativado na Serasa

Autor

15 de junho de 2006, 7h00

A 25ª Vara do Fórum Central de São Paulo condenou a Brasil Telecom por cobrar por linha telefônica sem ter instalado. Além da cobrança, o nome do suposto cliente foi inserido no cadastro de órgãos de proteção ao crédito. A decisão determina o pagamento de R$ 3 mil, por danos morais. Cabe recurso.

A defesa de Alexandre Roberto da Silva, feita pelo advogado Robson Orgaide, alegou que recebeu cobrança de contas referentes a linha de telefone totalmente desconhecida. Por isso, pediu indenização por danos morais e a declaração de inexistência de relação jurídica com a empresa.

A Brasil Telecom sustentou que as cobranças eram regulares, porque a solicitação de linha telefônica teria sido feita e o serviço prestado. Alegou, também, que tomou todas as cautelas necessárias para evitar fraude por terceiro.

O juiz observou que a empresa não conseguiu comprovar que o telefone foi instalado na casa de Alexandre Roberto da Silva, “prova que lhe cabia fazer”. Já o autor da ação, segundo o juiz, comprovou que o seu nome foi enviado para os cadastros da Serasa.

“Evidente, portanto, a negligencia da ré. Ao que parece, ela segue a política de vender o maior número possível de linhas telefônicas, descuidando-se, entretanto, do processo de verificação dos dados pessoais dos adquirentes e do saneamento das reclamações que lhe chegam”, concluiu o juiz.

Para o juiz, a condenação da empresa por dano moral independe de provas. “A sensação de ser humilhado, de ser visto como mau pagador, quando não se é, constitui violação do patrimônio ideal que é a imagem idônea, a dignidade do nome, a virtude de ser honesto”, citando o entendimento do desembargador Ruy Camilo, em questão semelhante.

O advogado do cliente recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo o aumento do valor da indenização. Segundo ele, o valor determinado não vai fazer com que a Brasil Telecom tenha maior cautela para evitar fraudes.

Processo 583.00.2005.063947-6

Leia a íntegra da decisão

Texto integral da Sentença

Vistos.

1 – ALEXANDRE ROBERTO DA SILVA moveu a presente ação de rito ordinário contra BRASIL TELECOM S/A alegando, em suma, que recebeu cobrança de contas referentes a linha telefônica totalmente desconhecida pelo autor.

Não bastasse a cobrança, a ré lançou o nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, causando-lhe enormes prejuízos. Requereu a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais e a declaração de inexistência de relação jurídica com a ré.

2 – Em contestação (fls. 48/62) alegou, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou a ré, em síntese, regularidade das cobranças, pois a solicitação da linha telefônica foi feita e o serviço prestado, sendo certo que a ré tomado todas as cautelas necessárias para evitar fraude por terceiro.

3 – Réplica às fls. 84/91. É o relatório. DECIDO.

4 – Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, pois a questão se confunde com o mérito.

5 – No mérito, a ação é procedente.

6 – A ré não comprovou a instalação da linha telefônica na residência do autor, prova que lhe cabia fazer.

7 – Já o autor comprovou que seu nome foi enviado ao SERASA pela ré (fls. 14), sem que esta tenha se certificado antes de que o autor era realmente o devedor.

8 – Evidente, portanto, a negligência da ré. Ao que parece, ela segue a política de vender o maior número possível de linhas telefônicas, descuindo-se, entretanto, do processo de verificação dos dados pessoais dos adquirentes e do saneamento das reclamações que lhe chegam.

9 – Quanto à prova, Carlos Alberto Bittar sustenta que o dano moral dispensa prova em concreto (“Reparação civil por danos morais”, Revista dos Tribunais, 1993, p. 204) Da mesma forma, Antonio Jeová Santos afirma que “O prejuízo moral que alguém diz ter sofrido, é provado in re ipsa. Acredita que ele existe porque houve a ocorrência do ato ilícito. Quando a vítima sofre um dano que pela sua dimensão é impossível ao homem comum não imaginar que o prejuízo aconteceu. (…). A só consumação de ilícito que faz surgir fatos desta natureza, mostra o prejuízo, a prova é in re ipsa.”

(“Dano Moral Indenizável”, Lejus, 1.997, pág. 234) Yussef Said Cahali ensina que, em geral, “no plano do dano moral não basta o fato em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral” (7a. Câmara do TJSP, 11.11.1992, JTJ 143/89).

Ressalta, todavia, que “esta regra não tem sido aplicada em termos absolutos pela jurisprudência, pois “há danos morais que se presumem, de modo que ao autor basta a alegação, ficando a cargo da outra parte a produção de provas em contrário; assim, os danos sofridos pelos pais por decorrência da perda dos filhos e vice-versa, (…), também os danos sofridos pelo próprio ofendido, em certas circunstâncias especiais, reveladoras da existência da dor para o comum dos homens.” (“Dano Moral”, 2a. edição, 1.998, editora Revista dos Tribunais) – grifei


10 – No caso em tela, é natural o sentimento de humilhação e vergonha experimentados pelo autor que teve seu nome indevidamente inscrito no SERASA. O dano moral neste caso é presumido, independe de prova, pois se trata exatamente de uma circunstância reveladora da existência da dor para o comum dos homens.

A jurisprudência é pacífica no reconhecimento da existência de dano moral nestas circunstâncias: Dano moral. Cadastramento do nome do autor no Serviço de Proteção ao Crédito. A sensação de ser humilhado, de ser visto como mau pagador, quando não se é, constitui violação do patrimônio ideal que é a imagem idônea, a dignidade do nome, a virtude de ser honesto (RTJ-LEX 176/177, rel. Des. Ruy Camilo) Dano moral advindo de exigência indevida de crédito por estabelecimento bancário. Reconhecimento, por este, de inclusão do nome do autor no SERASA. Dano moral positivado, ainda que a restrito círculo próximo a ele. Aplicação do art. 1.531 do Código Civil (JTJ-LEX 177/84, rel. Des. Toledo Cesar).

11 – A propósito, torno a transcrever as sábias palavras de Yussef Said Cahali que assim leciona: “O crédito, na conjuntura atual, representa um bem imaterial que integra o patrimônio econômico e moral das pessoas, sejam elas comerciantes ou não, profissionais ou não, de modo que a sua proteção não pode ficar restrita àqueles que dele fazem uso em suas atividades especulativas; o abalo da credibilidade molesta igualmente o particular, no que vê empenhada a sua honorabilidade, a sua imagem, reduzindo o seu conceito perante os concidadãos; o crédito (em sentido amplo) representa um cartão que estampa a nossa personalidade, e em razão de cujo conteúdo seremos bem ou mal recebidos pelas pessoas que conosco se relacionam na diutumidade da vida privada.

A reputação integra-se no direito da personalidade, como atributo da honra do ser humano, merecendo, assim, a proteção das normas penais e das leis civis reparatórias. Sob a égide dessa proteção devida, acentua-se cada vez mais na jurisprudência a condenação daqueles atos que molestam o conceito honrado da pessoa, colocando em dúvida a sua probidade e seu crédito.

Definem-se como tais aqueles atos que, de alguma forma, mostram-se hábeis para macular o prestígio moral da pessoa, sua imagem, sua honradez e dignidade, postos como condição não apenas para atividades comerciais, como também para o exercício de qualquer outra atividade lícita.

A partir da ofensa provocada pelo ato injurioso, a pessoa sente-se menosprezada no convívio do agrupamento social em que se encontra integrada, ao mesmo tempo que pressente que, nas relações negociais a que se proponha, já não mais desfrutará da credibilidade que antes lhe era concedida; no espírito do empresário prudente ou de qualquer particular, instaura-se a eiva de suspeição contra a mesma, que o leva a suspender ou restringir a confiança ou o crédito agora abalado.

Portanto, no chamado “abalo de crédito”, embora única a sua causa geradora, produzem-se lesões indiscriminadas ao patrimônio pessoal e material do ofendido, de modo a ensejar, se ilícita aquela causa, uma indenização compreensiva de todo o prejuízo. E considerando o prejuízo como um todo, nada obsta a que se dê preferência à reparação do dano moral, estimado por arbitramento, se de difícil comprovação os danos patrimoniais também pretendidos.” – grifei (“Dano Moral”, 2a. edição, 1.998, editora Revista dos Tribunais, págs. 358/359)

12 – Exemplica Wladimir Valler, por sua vez, “que o abalo de crédito, tanto das pessoas físicas como das jurídicas, pode decorrer de diversas causas e dentre estas se destacam o protesto indevido de títulos, a errônea inscrição do nome da pessoa no chamado Serviço de Proteção ao Crédito, na devolução de cheque pelo banco sacado sob a equivacada alegação da insuficiência de fundos, na entrega de talonários de cheque a terceiros, que deles se utilizam emitindo cheques sem fundos, etc.” – grifei (A reparação do dano moral no Direito Brasileiro, E. V. Editora Ltda., Campinas, S. Paulo, 2a. ed., 1994, p. 143).

13 – Assente, agora, a autonomia do dano moral que resulta do abalo de crédito em razão de inscrição indevida do nome da pessoa nos órgãos de proteção ao crédito ou de protesto indevido de título, concede-se a sua reparação “sem necessidade de comprovação de prejuízo patrimonial”, também verificado este, nada impede a concessão das duas indenizações decorrentes do mesmo fato, a teor da Súmula 37 do STJ. A jurisprudência tem admitido, desse modo, em casos de abalo de crédito que ainda que inexistente dano material a ser ressarcido, considera-se reparável o dano moral existente (TJSP, 3a. Câmara de Direito Privado, apel. 268.805-1, 13.08.1996).

14 – Finalmente, passo a analisar a questão do valor da indenização. Consoante Carlos Roberto Gonçalves, “à falta de regulamentação específica, a jurisprudência tem-se utilizado do critério estabelecido pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117, de 27-8-1962), que prevê a reparação do dano moral causado por calúnia, difamação ou injúria divulgadas pela imprensa, dispondo que o montante da reparação não será inferior a cinco nem superior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país (arts. 81 e 84), variando de acordo com a natureza do dano e as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor (c f. 1o. TACSP, 6a. Câm., Ap. 412.813-4, Suzano; Ap. 404.563-6, São José dos Campos)” (“Responsabilidade Civil”, editora Saraiva, 6a. edição, 1995, p. 413)


Além disso, nessa espécie de dano, sendo relevante a repercussão da ofensa, adquire particular relevo informativo na fixação do quantum indenizatório a posição familiar, cultural, política, social e econômico-financeira do ofendido, bem como o valor do débito inscrito, o grau de culpa da requerida, a concorrência do autor para que a inscrição se verificasse e as agruras que ele vem sofrendo e sofrerá até que consiga limpar dos registros públicos e privados a pecha de “mau pagador”.

A propósito, trago à colação as seguintes ementas: Dano moral. Indenização. Arbitramento. Como se realiza – “No Direito Brasileiro, o arbitramento da indenização do dano moral ficou entregue ao prudente arbítrio do Juiz. Portanto, em sendo assim, desinfluente será o parâmetro por ele usado na fixação da mesma, desde que leve em conta a repercussão social do dano e seja compatível com a situação econômica das partes e, portanto, razoável” (TJRJ – 1o. Gr. Câms. – Einfrs. 78/93 – Rel. Marlan de Moraes Marinho – j. 10.11.93)

Indenização – Protesto indevido de duplicata – Verba a ser fixada em quantia correspondente a cem vezes o valor do título, corrigido desde o ato – Critério que proporciona à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, em contra-partida, no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado – Reparação de dano material indireto (RT, 675:100; RJTSJP, 145:106)

No caso em apreço, o autor é casado e exerce a profissão de auxiliar de escritório. O valor total da cobrança indevida é de R$ 1.032,00. A requerida, por sua vez, é uma empresa de grande portes que conta com uma grande estrutura jurídica e administrativa para cuidar de seus negócios, de forma que poderia ter facilmente evitado todo este transtorno ao autor.

Ao invés, fez pouco caso e nem verificou se o autor efetivamente devia algo antes de levar o nome dele ao SERASA. Assim, tendo em vista a natureza do dano, as condições econômicas e a atividade desenvolvida pelo ofensor e a dor do ofendido, fixo o valor indenizatório em R$3.000,00 (três mil reais).

15 – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação, tornando definitiva a liminar concedida, e declaro a inexistência da relação jurídica entre as partes que ensejou a negativação do nome do autor.

Condeno a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) ao autor, corrigidos desde a data da propositura da ação, com juros de 0,5% ao mês desde a citação.

Finalmente, condeno a requerida ao pagamento das custas, despesas processuais, corrigidas desde a data de seu efetivo desembolso, e honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor total da condenação. P.R.I. Certifico e dou fé que conforme Lei Estadual n.º 11.608/03 o valor do preparo (2% do valor da causa observados os limites estabelecidos no artigo. 4º, § 1º) a ser recolhido em GARE é R$1.026,18.

CERTIFICO mais que conforme Prov. 833/04 o valor do porte de remessa dos autos à Segunda Instância a ser recolhido ao Fundo Especial de Despesa do TJ -F.E.D.T.J. é de R$ 17,78, por volume de autos, totalizando o valor de R$17,78.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!