Habilitação sem consentimento

Empresa de celular deve indenizar vítima de fraude em R$ 40 mil

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10 de junho de 2006, 7h00

Mais uma vez, a Justiça condena uma empresa de telefonia por habilitar linha telefônica de celular mediante documentos falsos. A grande questão é que as vítimas só tomam conhecimento do crime, quando os seus nomes aparecem em cadastros de inadimplentes. A 4ª Vara Cível do estado de São Paulo, seguindo entendimentos anteriores, condenou a Telemat Celular a indenizar em R$ 40 mil uma vítima desse golpe, por danos morais.

Em 2001, a pessoa descobriu que o seu nome estava nos cadastros da Serasa e do SPC. A Telemat Celular, que atua em Mato Grosso, pediu a inscrição de seu nome por falta de pagamento de algumas contas de uma linha telefônica habilitada em seu nome, sem o seu consentimento.

Orientada pelo seu advogado, Alexandre Berthe Pinto, do escritório Berthe, Chambel e Montemurro Advogados, ela enviou à operadora, cópias de seus documentos e comprovante de endereço para provar que sempre morou em São Paulo e que não tinha permitido a habilitação de qualquer linha telefônica em Mato Grosso. Além disso, mandou uma carta pedindo que a empresa retirasse o seu nome do cadastro de inadimplentes.

Um ano depois, a empresa pediu a retirada de seu nome do cadastro da Serasa e enviou comunicado informando que a habilitação da linha telefônica foi fruto de fraude. A vítima recorreu à Justiça. Em sua defesa, a Telemat Celular sustentou que não pode ser responsabilizada pela habilitação da linha, porque também foi vítima de ato de terceiros.

O juiz Guilherme Santini Teordoro, da 4ª Vara Cível, entendeu que a empresa, por não tomar os devidos cuidados para aprovação da habilitação da linha, assumiu um risco e, portanto deve ser responsabilizada pelo fato.

“Ainda que a ré não tivesse contribuído com nenhuma culpa para o evento, deve arcar com suas conseqüências inserem-se na esfera normal do risco profissional assumido no desempenho de suas funções.”

O juiz baseou a condenação da empresa nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal. A Telemat Celular recorreu da decisão.

Processo 000.04.084121-9

Leia a íntegra da decisão

4ª Vara Cível Central

Proc. Nº 000.04.084121-9

Autor: S.G.F.R

Ré: TELEMAT CELULAR S/A.

Vistos.

Ação de reparação de danos morais advindos de restrição cadastral indevida.

Em contestação, a ré requer a improcedência. O autor não tomou precauções devidas. A ré não estava obrigada a realizar perícia nos documentos originais apresentados pelo suposto falsário. Não há prova do dano moral.

Réplica anotada.

A SERASA e o SCPC prestaram informações.

É o relatório, em essência.

O julgamento prescinde de outras provas.

A ré não provou por escrito tenha o autor solicitado a habilitação da linha telefônica celular a que vinculados débito e restrição discutidos.

O instrumento contratual a fls. 102 menciona endereços em Mato Grosso, Estado ao qual nega o autor tenha alguma vez comparecido. E a assinatura atribuída ao autor nesse instrumento e nos documentos a fls. 103/105 é manifestamente falsa, como facilmente se constata mediante comparação com a assinatura na procuração judicial a fls. 26.

Desse modo, prevalece a negativa do autor, que não é, então, responsável pelo débito. Daí ser indevida em relação ao autor a subseqüente restrição cadastral.

Cuida-se de fraude com o uso de documentos do autor.

Atribuir a responsabilidade pelo evento ao estelionatário que dificilmente será localizado equivale a deixar sem indenização o lesado que para esse evento em nada contribuiu, solução sobremaneira injusta.

Toda a evolução da teoria da responsabilidade civil é no sentido de garantir à vítima a reparação dos danos que experimentou.

A ré não alega culpa concorrente ou exclusiva do autor. A ré sequer declinou quais seriam as precauções não adotadas pelo autor.

O estelionatário aplicou golpe contra a ré.

A ré, por sua própria atividade empresarial, está normalmente sujeita a golpes desse jaez, que não se equiparam a caso fortuito ou de força maior por estarem relacionados com a sua atividade empresarial e não serem estranhos a ela.

Ainda que a ré não tivesse contribuído com nenhuma culpa para o evento, deve arcar com suas conseqüências porque tanto o golpe como suas conseqüências inserem-se na esfera normal do risco profissional assumido no desempenho de suas funções.

Predomina para a solução do caso a teoria do risco profissional. A trama ou maquinação fraudulenta é concebida contra a ré, que deve sofrer a conseqüência mesmo que não tivesse agido com culpa e desde que, como no caso, o lesado não tenha agido com culpa concorrente ou exclusiva.

A respeito, já se decidiu em caso semelhante o seguinte:

BANCO – Indenização – Danos moral e material – Abertura de conta corrente através de ato fraudulento, consistente na utilização de carteira de identidade que havia sido perdida pelo titular do documento – Fato que culminou no protesto de cheques – Verba devida pela instituição financeira, pois a falsificação foi montada contra ela, decorrendo sua responsabilidade em virtude do risco profissional.

Ementa da Redação: A abertura de conta corrente através de ato fraudulento, consistente na utilização de carteira de identidade, que havia sido perdida pelo titular do documento, sem o seu conhecimento ou participação, que acabou por culminar no protesto de cheques, impõe ao banco o dever de indenizar os danos morais e materiais suportados em decorrência da fraude, pois a falsificação foi montada contra a instituição financeira, decorrendo sua responsabilidade em virtude do risco profissional (TJSP, apelação cível nº 91.204-4/7-00 – 6ª Câmara – j. 02.03.2000 – relator Desembargador OCTAVIO HELENE).

No mesmo sentido, precedente publicado no Boletim da AASP nº 2318, ementário, p. 715, 9 a 15 de junho de 2003, nos seguintes termos:

Responsabilidade Civil – Estabelecimento bancário – Dano moral. Conta corrente aberta com documentos falsificados. Nome do autor levado aos cadastros de inadimplentes e cartórios de protesto. Dever de indenizar caracterizado pela ausência de cautela do banco, ditado ainda pela doutrina do risco profissional. Dano moral que independe da demonstração de prejuízo econômico. Montante da indenização mantido como forma de sancionamento pelo descaso do banco com a situação. Recurso improvido. (1º TACIVIL – 6ª Câm.; AP nº 1.060.492-7 – Piracicaba – SP; Rel. Juiz MARCIANO DA FONSECA; j. 2/4/2002; v.u.)

Nesse contexto, a ré responde pelos danos advindos da inclusão, por sua iniciativa, do nome do autor em cadastros da SERASA por quase vinte vezes como se fosse devedor em atraso (fls. 132/134).

Sendo o autor cumpridor de suas obrigações (fls. 140 e seguintes), experimentou abalo moral ou psicológico pela indevida associação do seu nome ao labéu de mau pagador.

Assim, o dano moral, que segundo WILSON MELO DA SILVA consiste em “lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (O dano moral, pág. 1, apud Clayton Reis, Dano Moral, 3ª ed., ed. Forense, 1994, pág. 6) ou é “aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, que, bem assim a coletividade . sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”, segundo a lição de R. LIMONGI FRANÇA, em artigo doutrinário publicado em RT 631-29, efetivamente ocorreu.

E o STJ já decidiu que “nos termos da jurisprudência a Turma, em se tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, “a exigência de prova de dano moral (extrapartrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular” nesse cadastro”. (4ª Turma; REsp nº 233.076-RJ; Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA; j. 16/11/1999; v.u.) (JSTJ 14/182) (Boletim AASP nº 2347, 29 de dezembro de 2003 a 4 de janeiro de 2004).

Dano moral nunca poderá ser rigorosamente avaliado em dinheiro. Contudo, não pode deixar de ser considerado indenizável, em consonância, aliás, com as regras dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal. Há que se proporcionar algum desafogo, alguma compensação à dor sofrida e, ao mesmo tempo, desestimular o causador do dano a fim de que, agindo com absoluta observância das regras de cautela e de conduta social, não mais viole a esfera jurídica alheia.

A respeito, decidiu-se, com inteira propriedade, que “embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites da forças humanas. O dinheiro não os extinguirá de todo: não os atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que o seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente embora, o suplico moral que os vitimados experimentam” (Supremo Tribunal Federal, RE 69.754-SP, 2ª Turma, j. 11.3.71, v.u., Relator Ministro THOMPSON FLORES) (RT 485/231 e RTJ 57/789-790).

Tormentosa embora a questão atinente à fixação do quantum da indenização por dano moral, no presente caso, à vista da natureza da falha, da sua reiteração e do tempo pelo qual a restrição indevida permaneceu, é adequada a fixação da quantia de R$ 40.000,00.

Ante o exposto, julgo a ação procedente para condenar a ré a pagar para o autor indenização por dano moral na quantia de R$ 40.000,00 com correção monetária pela tabela do TJSP desde o ajuizamento e juros de mora à taxa legal de 1% ao mês (art. 406 do CC e art. 161, § 1º do CTN a contar a citação.

Custas corrigidas e honorários advocatícios arbitrados em dez por cento da condenação serão pagos pela ré.

P.R.I.

São Paulo, 21 de março de 2005.

GUILHERME SANTINI TEODORO

Juiz de Direito

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