Liberdade e intimidade

Impossibilidade jurídica não se confunde com improcedência

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9 de junho de 2006, 10h53

Mesmo que um dos fundamentos do pedido do autor possa levar à sua impossibilidade jurídica, mas havendo na inicial alegação de ofensa também à honra, não se deve indeferir a petição e extinguir o processo, sem julgamento do mérito, pois lesão a direito individual é matéria indiscutivelmente ao alcance do Judiciário.

Com esse fundamento a 10ª Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo cassou a extinção do processo em que Wladimir Freire reclama indenização a por danos morais contra o SBT e o apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho. O autor alega que teve sua honra e imagem abalada por causa de reportagem veiculada, sem autorização, sobre a igreja Acalanto que, segundo o programa, seria freqüentada por homossexuais.

Ratinho responde por 16 ações no Fórum Central de São Paulo. Dessas, quatro ações são sobre o caso da igreja Acalanto e apenas essa sentença condenou o SBT e o apresentador. Em Osasco, região metropolitana de São Paulo, Ratinho responde a 11 processos cíveis e seis criminais. Dos criminais, três foram extintos, um foi rejeitado e dois ainda não foram julgados. Ratinho já entrou com 79 recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo e seis recursos no Superior Tribunal de Justiça contra outras condenações.

“Ainda que o apelante descreva fatos que atingiram a reputação da igreja, sendo neste particular, ilegitimado ativo “ad causam”, é certo que diz que foi filmado e que sua figura foi exibida em rede nacional como freqüentador de uma igreja que, segundo a falsa reportagem, seria freqüentada só por homossexuais, o que configuraria lesão à sua honra”, afirmou o relator. Testa Marchi.

Para o relator, o indeferimento sumário do processo destrói a esperança da parte e obstaculiza o acesso à via judicial. Na opinião da turma julgadora, não pode o magistrado, para indeferir de plano a inicial, valer-se de razões de mérito, porquanto a impossibilidade jurídica do pedido não se confunde com a sua improcedência.

Ratinho e o SBT já foram condenados a pagar R$ 150 mil por danos morais a um homem que teve sua imagem veiculada, sem autorização, em uma reportagem sobre a igreja Acalanto. Nesse caso, a decisão foi do juiz Carlos Dias Motta, da 17ª Vara Cível de São Paulo.

O apresentador divulgou imagens feitas na igreja com câmera escondida nos dias 2 e 5 de maio de 2003 e afirmou que a igreja era voltada para homossexuais e fez diversos comentários “jocosos” sobre os freqüentadores e o local. O freqüentador da igreja entrou com pedido de indenização por danos morais porque sua imagem apareceu no programa sem a autorização, o que causou danos à sua vida pessoal.

A emissora e o apresentador alegaram que houve apenas a exibição das imagens da igreja, que está em local público. O apresentador também alegou que agiu no exercício de sua profissão, que não houve intenção de ofender o freqüentador e, por isso, o pedido é excessivo e abusivo. A defesa de Ratinho alegou também que ele é mero apresentador do programa e que não deveria responder pelo processo.

O juiz entendeu que as argumentações da emissora e de Ratinho “são genéricas e não colocam em dúvida a veracidade do conteúdo da fita”. Segundo a decisão, “a alegação de alteração ou montagem da fita é infundada”. Como o programa foi exibido na íntegra diante das duas partes na audiência de instrução, o juiz entendeu que não havia necessidade de mais provas porque ficou evidenciado o dano moral ao freqüentador da igreja, que pode ser facilmente reconhecido na reportagem.

Para o juiz, não se pode alegar que houve mera filmagem de local público porque está evidenciado na fita de que algumas imagens foram captadas da rua em que se encontra a igreja e outras com câmera escondida durante o culto, “com grave violação à intimidade daqueles que dele participavam”. O juiz também não acolheu a argumentação de que Ratinho seria mero apresentador, já que ele fez diversos comentários jocosos, “não se tratando de pessoa inimputável”, afirmou.

A sentença ressalta que cabe ao aplicador do Direito, diante da situação, ver o que prevalece: o direito à intimidade ou a liberdade de imprensa. O juiz entendeu que só é justificável a violação da intimidade se houver um grande interesse público envolvido no caso, o que não aconteceu. O interesse em veicular a reportagem nesse caso, segundo o juiz, se deu “em razão da audiência e dos lucros dela resultantes”.

No seu entendimento, “mesmo programas de natureza notoriamente sensacionalista devem guardar o mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana, pois a liberdade de imprensa, conquistada a alto preço, não pode ser motivo para violação imotivada e injustificada de princípios igualmente contemplados na Constituição Federal. Todo direito deve ser exercido com moderação, boa-fé e sem abuso, sob pena dele próprio com o tempo ser enfraquecido e sacrificado”.

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