Bancos X CDC

STF deve estabelecer que BC conduza política monetária

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

7 de junho de 2006, 11h28

A Constituição Brasileira é dividida em 10 títulos, sendo nove deles de normas permanentes e um destinado às disposições transitórias.

O título XII é dividido em duas partes: a ordem econômica, que vai dos artigos 170 a 191, e a ordem financeira, à qual foi dedicado um único artigo (192). Os direitos do consumidor estão claramente delineados na ordem econômica (artigo 170 inciso V), como um dos princípios relevantes do sistema. A política monetária e cambial por outro lado, encontra-se na ordem financeira, em seu artigo 192, intitulado “Do sistema financeiro nacional”. O Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1991, e até 2000 vinha sendo cumprido por todos os segmentos da economia, inclusive pelos bancos.

Não se colocava em dúvida, até então, que caberia ao Banco Central tratar de matérias relativas à formulação das políticas monetária e cambial e que os abusos praticados pelos bancos no atendimento a clientes deveriam ser coibidos pelos mecanismos próprios do CDC.

Em fins da década de 90 e princípios do milênio, magistrados de algumas unidades da Federação Brasileira passaram a entender que à magistratura caberia o poder de fixar o custo do dinheiro.

Coincidentemente, neste período, o Banco Central baixou resoluções, que foram entendidas pelo mercado como um “Código de Defesa do Consumidor Bancário”, ficando o segmento sem saber se deveria obedecer a estas ou às disposições do CDC, no relacionamento com os usuários.

Em 26 de dezembro de 2001, a Consif — Confederação Nacional das Instituições Financeiras — ingressou com a ADI 2.591 no STF pleiteando ver declarada a inconstitucionalidade, sem redução do texto, do artigo 3º do CDC, para dele excluir interpretação de que as operações ativas e passivas vinculadas ao custo do dinheiro estariam abrangidas pelas disposições do CDC. Houve por bem, outrossim, valer-se da mesma ação para afastar a perplexidade gerada pela concomitância das disciplinas das resoluções do Banco Central e do CDC — em alguns aspectos em conflito — quanto às relações entre bancos e usuários.

Logo, de início, ao manifestar-se no processo, o próprio Banco Central reconheceu que o CDC seria a legislação aplicável nas relações entre os bancos e os usuários, com o que a primeira parte do objeto da ação terminou por ser superada.

Remanesceu a questão da política monetária e cambial, tendo, na sustentação oral que produziram perante o Plenário do Pretório Excelso, o advogado da Consif, o advogado-geral da União e o procurador-geral da República, defendido, unanimemente, que, nos termos da Constituição, as políticas monetária e cambial estariam fora das relações de consumo.

Votou o Ministro Carlos Velloso pela procedência da Ação Direta, no que diz respeito à impossibilidade de o CDC alcançar política monetária. Votou pela improcedência da ação o Ministro Néri da Silveira, fundamentado em que, não sendo a política monetária e cambial matéria do CDC, não poderia ser objeto da ação.

Pediu vista, o ministro Nelson Jobim e, neste ínterim, a Emenda Constitucional 40 revogou o parágrafo 3º do artigo 192 sobre os juros, mas impôs futura lei complementar para regular o sistema. O ministro Nelson Jobim entendeu que a política monetária e cambial, nos termos dos votos anteriores, estava excluída do CDC, dando pela procedência da ação em parte. Sobreveio pedido de vista do ministro Eros Grau, declarou que a ordem econômica não se confunde com a financeira, estando excluído do conceito de serviço atividades concernentes à determinação do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas pelas instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro. Seu voto foi seguido pelos votos dos ministros Joaquim Barbosa, Pertence, Aires Britto e por argumentos no mesmo sentido dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio que, embora ainda não tenham votado, manifestaram seu entendimento por ocasião do voto do ministro Eros.

Novo pedido vista foi formulado, esta vez pelo ministro César Peluso. Dos oito votos já proferidos, pode-se deduzir que o STF tende a declarar a improcedência da ação, preservando o direito do consumidor em todas as operações tidas por de consumo, afastando, todavia, por estar fora da ordem econômica, as relações ativas e passivas concernentes ao custo do dinheiro, que pertencem à ordem financeira, com o que se permite, de um lado, que a Justiça assegure os direitos do consumidor aplicando o CDC, e, de outro, que o Banco Central continue a conduzir a definição da melhor política monetária.

A tendência do Tribunal, dada a adesão de nove ministros sem exceção, pode ser consubstanciada na notícia do próprio Informativo do STF, que transcreve o voto do ministro Eros: Asseverou que as instituições financeiras sujeitam-se às normas do CDC, haja vista que a relação entre banco e cliente configura uma relação de consumo, estando, entretanto, excluída dessa sujeição, sob pena de comprometimento dos objetivos do artigo 192 da CF, a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por essas instituições no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, matéria sobre a qual deve dispor o Poder Executivo, ao qual compete a fiscalização das operações financeiras e a fixação da taxa base de juros praticável no mercado financeiro (…). O julgamento continuará hoje.

Artigo originalmente publicado no jornal Gazeta Mercantil, na edição desta quarta-feira (7/6).

Autores

  • é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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