Conseqüências do parto

Depois de 32 anos, hospital é condenado por infecção no parto

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5 de junho de 2006, 14h09

Depois de 32 anos, o Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, foi condenado a indenizar um paciente que sofreu infecção hospitalar ao nascer, o que lhe casou lesões irreversíveis. O hospital foi condenado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a pagar R$ 150 mil por danos morais e materiais, além de arcar com todos os gastos médico-hospitalares e tratamentos necessários para a correção ou redução dos problemas físicos e estéticos que vierem a ser comprovados. As informações são do site Espaço Vital.

Há poucos dias, o hospital recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça. O Recurso Especial está em fase de juízo de admissibilidade.

O autor da ação nasceu naquele hospital em novembro de 1974, mas só processou a instituição em 1995, quando já tinha 21 anos. A infecção generalizada de que foi vítima comprometeu o movimento de diversos membros e articulações, como cotovelo, punhos, dedos e quadril, inclusive com encurtamento de 14 centímetros no ombro direito. Documentos da época e a oitiva de testemunhas comprovaram que a infecção se deu a partir de uma incisão feita no corpo do bebê, para a coleta de sangue.

Em sua defesa, o hospital alegou que o recém-nascido já apresentava anomalias capazes de justificar o problema ocorrido e as seqüelas mantidas 30 anos depois. Acrescentou que “a doutrina médica é unânime em reconhecer que a infecção em neonato é imediata devido ao estágio frágil da criança” e que “a suspeita de infecção ocorreu 15 dias após o parto, não havendo uma relação direta entre a punção no fêmur, apontada como a causa da contaminação, e a doença”.

A juíza convocada Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, com base em informações do processo e na literatura médica, observou que “qualquer infecção ocorrida até o 28º dia de vida é classificada como hospitalar”. E concluiu pela “culpa do hospital por negligência e ausência do necessário controle de infecção, não sendo observadas condutas e procedimentos atualmente obrigatórios para prevenir doenças infecciosas nos pacientes”.

A 9ª Câmara Cível negou provimento à apelação do Hospital Moinhos de Vento, mantendo na íntegra a decisão proferida pala juíza Maria Thereza Barbieri, da 4ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. O autor da ação também recorreu ao tribunal gaúcho, pedindo o aumento do valor da indenização, que foi negado. Ele alegou “a grande capacidade econômico-financeira do hospital, cujo faturamento anual supera R$ 150 milhões, como também a superlativa culpa que teve no evento”.

Além da indenização por danos morais e materiais, a instituição foi condenada a pagar 70% das custas processuais e honorários advocatícios de 15% ao advogado Francisco Antonio Fresina Neto, que atua em nome do autor da ação.

Processo 700.106.916-65

Leia a decisão

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INFECÇÃO HOSPITALAR. PUNÇÃO FEMORAL EM NEONATO. CULPA. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E PSÍQUICOS. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Demonstrado que o réu, por não adotar as cautelas necessárias e esperadas diante das circunstâncias, no que tange ao necessário controle da infecção hospitalar, deu causa ao desfecho lesivo, assente a obrigação de indenizar.

NEXO CAUSAL. Considerando o histórico do recém-nascido até o momento crítico da infecção, apreende-se como causa eficiente ao resultado danoso aquela imputada ao réu – seja porque foi a causa predominante do resultado, seja porque, com seu advento, favoreceu-se a consumação do dano.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. A denunciação da lide não é instituto que se preste para corrigir ou complementar o equivocado endereçamento da ação. O denunciado não é réu; é obrigado de regresso, respondendo pela garantia ao denunciante (nos casos em que a denunciação estiver a cargo do réu) daquilo que ele (o denunciante) houver de despender ao autor da ação no caso de este sagrar-se vitorioso.

Destarte, o denunciado é mero garante, não se travando litígio entre o mesmo e o autor da ação, contrariamente ao que ocorre no caso vertente.

OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. Valor deferido considerando abarcados os danos experimentados, de ordem estética e psicológica, sopesando-se a intensidade do sofrimento psíquico. Obrigação de reparar todas as despesas médico-hospitalares e tratamentos que se fizerem necessários para correção ou diminuição dos problemas físicos e estéticos que vierem a ser comprovados em liquidação de sentença.

EXTENSÃO TEMPORAL DA CONDENAÇÃO. Não obstante a lei determine “até o fim da convalescença”, nada obsta que o juiz, dentro do poder de cautela que lhe é inerente e já se adiantando a tumultos processuais certamente ocorrentes se não delimitada a matéria, estabeleça, pelo menos, um ponto de partida para a obrigação de reparar o dano. O ponto de partida encontrado na sentença foi a fase de liquidação, onde se apurará o estado atual do autor, os tratamentos necessários e possíveis para abrandar o mal impingido, suas conveniências e possibilidades, sem o risco de que, na hipótese de ser deixado em aberto o período da convalescença, terminasse o réu suportando além do que se obrigou, seja pelo advento de outras mazelas, seja pelo decurso do tempo, seja pela própria acentuação da idade do demandante.


JUROS DE MORA. MARCO INICIAL. Os juros de mora anteriores à data da sentença e posteriores ao evento danoso, em princípio, já estão embutidos no montante arbitrado, devendo incidir somente a partir da decisão, razão pela qual não se está negando vigência à Súmula n.º 54, do STJ.

SUCUMBÊNCIA. Não sendo mínimo o decaimento do autor, justificada a partição proporcional dos encargos sucumbenciais.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Não desbordando a causa, embora sua importância, do contexto factual, inexistindo conflitos processuais intensos, tampouco teses de rara abordagem, adequada a sucumbência honorária disposta na sentença, pontuada entre o percentual mínimo e o máximo, consoante regras do art. 20, § 3º, do CPC.

SENTENÇA MANTIDA. APELOS DESPROVIDOS.

APELAÇÃO CÍVEL

NONA CÂMARA CÍVEL – REGIME DE EXCEÇÃO

Nº 70010691665

COMARCA DE PORTO ALEGRE

HOSPITAL MOINHOS DE VENTO

APELANTE/APELADO

FABRICIO KICHALOWSKY DE OLIVEIRA

APELANTE/APELADO

MANOEL PITREZ FILHO

APELADO

LABORATORIO WEINMANN LTDA

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível – Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento aos apelos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI E DES. ODONE SANGUINÉ.

Porto Alegre, 28 de dezembro de 2005.

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA, Relatora.

RELATÓRIO

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (RELATORA)

Trata-se de apelações interpostas por Hospital Moinhos de Vento e Fabrício Kichalowsky de Oliveira, respectivamente, contra a sentença que, nos autos da ação de indenização por danos materiais e pessoais promovida pelo segundo contra o primeiro, condenou o réu a pagar ao autor, a título de indenização por danos morais – aqui incluídos os danos estéticos e psíquicos referidos na inicial – a importância de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), a ser corrigida pelo IGP-M até a data do efetivo pagamento, com juros de mora na base legal (0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando passarão a 1% ao mês, na forma do art. 406 desse diploma), desde a citação, e, a título de ressarcimento de despesas, a arcar com todas as despesas médico-hospitalares e tratamentos que se fizerem necessários para correção ou diminuição dos problemas físicos e estéticos que vierem a ser comprovados em liquidação de sentença, devidamente corrigidos.

A denunciação da lide intentada pelo Hospital Moinhos de Vento em face de Manoel Luiz Soares Pitrez Filho e Laboratório Weinmann foi julgada improcedente.

Ao réu foi carreado o pagamento de 70% das custas do processo e honorários advocatícios ao patrono do autor, fixados em 15% sobre o montante da condenação.

O autor suportará os restantes 30% das custas do processo e verba honorária do procurador da ré, fixada em R$ 10.000,00, atentando-se aos critérios do art. 20, § 3º e alíneas, do CPC.

Ante a sucumbência na lide regressiva, o hospital litisdenunciante responderá pelas custas processuais dessa demanda e verba honorária devida ao procurador de cada litisdenunciado, fixada em R$ 10.000,00, valor a ser atualizado monetariamente pelo IGP-M até o efetivo pagamento.

Relativamente ao autor, a exigibilidade do pagamento da sucumbência restou suspensa, considerando a gratuidade judiciária concedida.

Argúi o primeiro apelante que a sentença deverá ser reformada. Primeiro, porque não é incidente o Código de Defesa do Consumidor, considerando tratar-se de fato ocorrido em 1974. Portanto, a espécie se rege pelo art. 1.545 do Código Civil revogado. Depois, os autos apenas fornecem incerteza quanto a fatos substanciais, o que milita contra o autor da ação, que não logrou se desincumbir do encargo probatório.

Refere que a realidade dos fatos aponta a anomalias apresentadas pelo autor já ao nascer. A sentença fez uma leitura da prova de forma equivocada. Quando o autor nasceu, já apresentava uma série de indicativos de problemas de saúde, reveladores de anormalidades, o que demonstra o grande equívoco em que incorreu a sentenciante.

Sustenta que nem toda a infecção adquirida no hospital decorre de ato ou omissão culposos. No caso, considerando que a doutrina médica é unânime em reconhecer que a infecção em neonato se dá em caráter imediato, ou seja, há uma imediatidade sintomotológica, o que se justifica em decorrência do estado frágil do bebê, de se estranhar que a punção femoral – fato apontado como causador da infecção e desencadeador da condenação do réu – tenha ocorrido no dia 20.11.74, e só no dia 04.12 houve suspeita de septicemia hospitalar.


Assim, pretende demonstrar que não se estabelece a necessária costura etiológica entre o procedimento do réu, dito culposo, e o resultado.

Lista farto material jurisprudencial.

Combate o veredicto no que tange à improcedência das denunciações da lide, argumentando que, se não houver forma de expungir-se a condenação, deverão as lides de regresso serem procedentes. Com efeito, se o fato gerador da infecção generalizada no autor foi a punção femoral ocorrida no dia de seu nascimento, tal procedimento foi determinado pelo pediatra, facultativo da família e sem vínculo com o Hospital. Quanto ao Laboratório, é pessoa jurídica diversa, devendo reembolsar o réu naquilo que restou condenado.

No que concerne à condenação imposta, deverá ser mitigada, uma vez que é exagerada, a partir dos critérios que têm norteado esta Corte. Destarte, como pretensão subsidiária, requer a redução da condenação para valor não superior a R$ 65.000,00, representativos de 250 salários mínimos na data da sentença.

Outrossim, quanto aos tratamentos vincendos, desde logo postula que o critério de correção seja o IGP-M, indexador esse que deverá nortear, igualmente, a condenação em honorários.

O segundo apelante requer a majoração da indenização arbitrada, sopesando a grande capacidade econômico-financeira do réu, cujo faturamento anual supera cento e cinqüenta milhões de reais, como também a superlativa culpa do réu no evento.

Requer que os juros de mora sejam contados desde a data do fato, aplicando-se o disposto nas Súmulas 43 e 54 do STJ.

Sustenta, também, que foi mínimo o seu decaimento, tornando incidente a regra do Parágrafo único do art. 21 do CPC. É que, do extenso rol das pretensões, indeferiu-se apenas um dos pedidos do autor, que se trata de pedido menor diante do todo, não gerando sucumbência, porquanto implica 3% do valor postulado e cerca de 6% do valor deferido, justificando a aplicação da regra comentada.

Nestes termos, pugna que se aumente a condenação imposta ao réu, ou que se alterem os critérios de liquidação, aplicando-se as Súmulas 43 e 54 do STJ, de modo que se aumente a indenização final; que se aplique a multa prevista no art. 1538, bem como se conceda a pensão disposta no art. 1539; que se altere a parte final do dispositivo, no sentido de que os danos vincendos não sejam limitados à fase da liquidação de sentença, devendo ser estendidos por toda a vida do autor; que se isente o autor da sucumbência e se majore a verba honorária devida pelo réu ao procurador do autor, considerando a complexidade da matéria.

Ambas as partes ofereceram contra-razões de apelo.

Recebi os autos por redistribuição.

É o relatório.

VOTOS

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (RELATORA)

Eminentes Colegas. Ambas as partes devolvem suas desconformidades ao conhecimento desta Corte. Parto do exame do apelo da ré, na medida em que gravita, basicamente, em torno da culpa.

A demandada, em extensas razões, busca precipuamente demonstrar: primeiro, que o autor já apresentava, ao nascer, anomalias capazes de justificar o quadro posterior e as seqüelas mantidas no momento presente, não podendo se vincular tal resultado, portanto, a qualquer omissão ou ação culposa por parte do hospital; segundo, que não há o indispensável nexo etiológico entre a conduta dita lesiva (punção femoral) e o referido resultado. Portanto, apenas uma leitura equivocada dos fatos e da prova poderia justificar a conclusão a que chegou a sentença.

Malgrado a excelência da abordagem recursal da ré, a r. sentença vergastada, da lavra da Dra. Maria Thereza Barbieri, é irretocável em todos os aspectos que tangem a questão de fundo da lide.

A sentenciante, a partir de minuciosa análise do contexto factual e louvável precisão como adentrou o histórico dos autos, com silogismos que transitam desde o dia 20 de novembro de 1974 – nascimento do autor – até a data em que assentada a causa eficiente ao resultado lesivo – punção femoral que teria dado causa (ou favorecido) à infecção hospitalar depois diagnosticada, concluiu pela culpa do réu, na modalidade da negligência – ausência do necessário controle de infecção naquele nosocômio –, pronunciando o dever de indenizar.

As críticas feitas à sentença não se sustentam.

Como referido, os silogismos são precisos e conduzem à inarredável conclusão da culpa do réu.

Em nenhum momento a Magistrada valorou, para o veredicto, disposições do diploma consumeirista, cuja não-incidência é postulada em preliminar pelo réu.

A sentença sequer releva o Código de Defesa do Consumidor, louvando-se na regra básica do neminem laedere, inserta no art. 159 do Código Civil de 1916, apenas comentando que, já antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, se adotava a teoria do risco no trato da responsabilidade civil decorrente de infecção hospitalar.


As considerações trazidas pela Magistrada, no que tange ao trato hodierno da responsabilidade civil em tal rubrica não direcionam, em absoluto, o veredicto. São apenas pinçados acerca da matéria, para que se reflita que o tema está presente na discussão jurídica e seus reflexos indenizatórios desde muito tempo.

Transcrevo as razões expendidas pela Magistrada, adotando-as como razões de decidir neste voto, porquanto tudo o que houvesse por ser dito além delas representaria desnecessária tautologia.

Segue excerto da sentença:

“Busca o autor, através da presente demanda, indenização por danos materiais, morais, estéticos, psíquicos, alegando ter sido vítima, em seus primeiros dias de vida, quando recém-nascido junto ao Hospital Moinhos de Vento, de infecção hospitalar que lhe causou as graves e permanentes e irreversíveis seqüelas de que padece.

“Fabrício nasceu no dia 20 de novembro de 1974, aproximadamente às 7 horas, parto normal. Segundo o laudo pericial, o recém-nascido não era normal (fl. 754). Isso porque da ficha clínica do recém-nascido (fl. 721) constam registradas anormalidades descritas pelo seu pediatra, Dr. Manoel Luiz Soares Pitrez Filho, ora litisdenunciado: ‘criança com grande quantidade de petéquias no tórax e algumas em membros inferiores; hepato-esplenomegalia; dedo extranumerário no pé D e reflexos um pouco diminuídos (anestésico)?’ Assim, o recém-nascido apresentava nas primeiras horas de vida bilirrubina elevada – porém, dentro do esperado em um recém-nascido –, mas isso fez com que o médico pediatra, Dr. Pitrez, ainda na manhã do nascimento, solicitasse exame de sangue para avaliação e controle da hiperbilirrubina, também em decorrência de petéquias, e ainda havia suspeita de anomalia congênita mal definida (pernas cambotas). Consta do laudo (fl. 667), informou o pediatra que o quadro de icterícia estava dentro do considerado aceitável. O recém-nascido não necessitou de fototerapia.

“Diante desse quadro, embora não se possa afirmar, como alegado na exordial, que o recém-nascido fosse absolutamente sadio, não havia quadro de sepsis neonatal. Segundo o Dr. Pitrez, o quadro clínico apresentado pelo recém-nascido inspirava inquietação, mas não significava infecção grave, ‘não é uma criança séptica’ (fl. 971). Ou seja, o recém-nascido, nas primeiras horas de vida, não apresentava sinais de infecção bacteriana precoce. Apgar 8 (1º min), peso adequado, não fazia febre, mamava bem, evacuações normais, petéquias sem plaquetopenia e bilirrubina direto normal, regressiva, não preocupante, tanto que não houve indicação de fototerapia. Consoante registrado no laudo, a ‘Expert’ analisou o resultado do hemograma com outros elementos que há alguns anos eram desconhecidos e se instruiu com pediatras, concluindo que o hemograma foi considerado normal (laudo, fl. 668). Concluiu, também, que a indicação médica para realização de exames laboratoriais foi adequada e necessária.

“O recém-nascido permaneceu sob observação, no berçário, por cinco dias. Esclareceu o médico pediatra, Dr. Pitrez, que o estado de saúde do recém-nascido lhe causava certa preocupação, e na época era rotina permanecer em observação alguns dias no berçário. Afirmou que durante o tempo em que o bebê permaneceu no hospital não fez febre, ‘senão não teria liberado’ (fl. 963).

“As pernas do recém-nascido foram engessadas, embora não haja nenhum registro do ortopedista (já falecido), pois diz-se que nasceu com ‘pernas cambotas’. Segundo depoimento da genitora, o aparelho gessado deveria permanecer por uns 10 dias, mas foi retirado antes, cerca de 3 dias após a colocação. Por certo, o gesso causava desconforto ao bebê.

“A genitora, Lúcia Kichalowski de Oliveira, era uma moça saudável (Dr. Pitrez, fl. 963). Os dados constantes dos autos permitem concluir tenha levado a termo uma gestação normal, sem problemas de saúde, com acompanhamento médico. O parto transcorreu normal, a bolsa foi rompida no momento do parto, o líquido era claro, não tinha sinais de infecção, o bebê nasceu com Apgar 8, é uma criança que nasceu bem (Dra. Eda Maria Ruzicki, fl. 1.005). Foram descartadas suspeitas de Lues (sífilis congênita), toxoplasmose e rubéola – o hemograma do recém-nascido revelou leucócitos em 17.100 p.mm3; Wasserman e VDRL negativos (hemograma, fls. 27/28).

“Registra o laudo pericial (fl. 755) que os exames pré-natais realizados pela mãe do autor contidos nos autos (fl. 22 a 26) se referem a exames comuns, sendo desconhecido se a mãe era portadora de alguma doença infecciosa prévia que pudesse ser transmitida ao recém-nascido. O quadro clínico decorrente da rubéola congênita – como sustenta o assistente da parte ré –, não se configurou no caso, haja vista não apresentou o recém-nascido os vários sinais e sintomas dessa doença, mas apenas uns poucos sintomas foram observados e, nessa medida, insuficientes para configurar o quadro clínico de rubéola congênita, conforme bem analisado pela Perita (fl. 754). Também, é de salientar-se não houve intervenção com antibióticos nos primeiros cinco dias de vida do recém-nascido, o que dá conta ter havido positiva evolução daquele quadro inicial (preocupante) constatado pelo médico pediatra.


“Desse quadro conclui-se que, embora não fosse absolutamente sadio o recém-nascido, este não apresentava sinais de infecção bacteriana nas primeiras 24 horas de vida, tampouco infecção bacteriana neonatal, uma vez que ausentes circunstâncias comprovadas de risco durante a gestação e peri-parto. Se a criança nasce com septicemia, ‘ou os sinais são aparentes logo após o parto ou se desenvolvem nas 24 horas até 48 horas após o nascimento, se chama isso de infecção neonatal’ (Dr. Nilton Brandão da Silva, fl. 1.011).

“Emerge incontroverso dos autos que a coleta de sangue foi feita através de punção femoral, procedimento adotado na época. Consta do laudo pericial (fl. 667), através do relato do pediatra, este, no dia seguinte ao nascimento, ao fazer a visita de rotina, soube que a coleta havido sido realizada na veia femoral, que inclusive apresentava no local um sítio de punção (onde foi penetrada a agulha) e um pequeno hematoma. Nada há nos autos a dar certeza tenha sido realizada mais de uma coleta de sangue, como alegado na inicial.

“O bebê recebeu alta hospitalar em 25 de novembro de 1974. Foi para casa chorando muito, inquieto. Em casa, consoante relato da mãe, embora o bebê se alimentasse no peito, chorava muito, sempre chorava quando era tocado no local da punção, ali o bebê sentia dor, ‘sempre doía’, havia um sinal vermelho no local, ‘ele só ficava quietinho quando era amamentado’ (Lúcia, fls. 977, 978).

“No dia seguinte, 26 de novembro, o recém-nascido foi levado ao consultório do pediatra, Dr. Pitrez. O bebê fazia febre e foi prescrito ‘AAS infantil’, tendo os pais sido orientados a aguardar a melhora do recém-nascido.

“Em casa o bebê permaneceu, por orientação do pediatra, no período de 26 de novembro a 4 de dezembro. Nesse período, a tentativa de interná-lo no Hospital Moinhos de Vento foi sem êxito, justificando o nosocômio a negativa por não dispor de UTI neonatal. No dia 4 de dezembro, pelo pediatra foi o recém-nascido encaminhado para internação junto ao Hospital Nossa Senhora Conceição, já com suspeita de septicemia hospitalar.

Durante 16 dias de hospitalização no Hospital Nossa Senhora Conceição, o bebê piorou sensivelmente, apesar do tratamento com antibióticos. Com alta, ‘desenganado’, foi internado na UTI-isolamento do Hospital da Criança Santo Antônio, em 20 de dezembro, passando a apresentar sinais de melhora após a cirurgia ortopédica (lavagem da cabeça do fêmur deteriorada), antibioticoterapia, soro, transfusão.

“Ainda, segundo o laudo pericial, somente foi detectada a presença do germe causador do quadro infeccioso – ‘staphilococcus aureus’ – quando o recém-nascido encontrava-se internado no Hospital da Criança Santo Antônio – em 21-12-74, foi feito exame cultural, com crescimento de ‘staphilococcus aureus’, sensível a oxacilina, ampicilina, kanamicna, celafosporina, gentamicina e fofocina. Em seu laudo, comentou a Dra.

Perita lhe causou estranheza que o ‘staphilococcus aureus’ isolado no paciente apresentava um comportamento de sensibilidade aos antimicrobianos absolutamente benigno, diferente dos ‘staphilococcus aureus’ hospitalares, pois sensível a todos os antibióticos testados. Chamou sua atenção, também, que o tratamento do recém-nascido com antibioticoterapia adequada (fl. 523 dos autos) não tenha tido resposta satisfatória durante a internação no Hospital Nossa Senhora Conceição, somente explicável pela necessidade de drenagem do foco infeccioso, procedimento a que foi submetido o recém-nascido no Hospital Criança Santo Antônio.

“Sobreleva anotar o prequestionamento da Sra. Perita: ‘Nas discussões informais com pediatras, chamou a atenção, também, o tempo decorrido entre o suposto foco inicial da infecção (sítio da punção femoral, realizada no dia do nascimento, 20-11-74) e o início do tratamento em 04-12-74, após o diagnóstico de septicemia hospitalar, ou seja, 14 dias após, tempo demasiadamente prolongando para sobrevivência de um RN com infecção por S aureus hospitalar. As infecções por este agente infeccioso costumam ser muito agressivas e evoluem rapidamente para o êxito letal, se não tratadas adequadamente’ (fl. 670).

“Após examinar, confrontar e debater os dados recolhidos, a conclusão da ‘Expert’ é que o recém-nascido apresentou infecção hospitalar, inclusive diagnosticada pelo seu pediatra quando o encaminhou à hospitalização em 4-12-74. O diagnóstico final, também, é bem definido: seqüela de patologia ortopédica, artrite séptica e osteomielite, polifocal, secundária a septicemia (diagnóstico emitido em 21-11-94 pelo Dr. Celso Jacobus). Com lastro na bibliografia médica, concluiu: ‘independentemente do foco infeccioso inicial ou do hospital onde a tenha adquirido, o RN foi acometido de uma infecção hospitalar. Por definição: qualquer infecção do neonato ocorrida até o 28º dia de vida é classificada como hospitalar, desde que a via de aquisição não seja transplacentária.’ (fl. 755). Conceituação, laudo, fl. 675. (sublinhei)


“Afirmou o pediatra Dr. Silvio Drebes (fl. 1.001) que o ‘staphilococcus aureus’ é uma das bactérias mais comuns em ambiente hospitalar, e indagado acerca do período de incubação desse estafilococo, respondeu: ‘2 dias, 3, dias, 5 dias. De 2 a 5 dias, quer dizer, com 2 dias eu teria os primeiros sinais e no outro dia já teria um outro sinal.’

“Retornando às conclusões da Perita infectologista (fl. 670), assentou não é possível afirmar, com exatidão, a cronologia dos fatos, o que ocorreu primeiro: a septicemia e a partir daí disseminou-se para a cabeça do fêmur e outras articulações, ou se houve um foco infeccioso primário e a partir deste tenha se disseminado na corrente sanguínea atingindo outras articulações.

Se a segunda hipótese for a verdadeira, também não é possível afirmar qual foi o foco primário que provocou os outros eventos. Prossegue a Dra. Perita: ‘uma única prova poderia esclarecer os fatos: se nos primeiros dias de vida, quando o RN ainda encontrava-se hospitalizado no HMV, tivesse sido coletado pelo menos 3 amostras de sangue para hemoculturas, e em todas ou pelo menos em 2 amostras tivesse crescido S. Aureus, confirmando a bacteremia por este germe, a partir de um foco, presumivelmente o sítio da punção femoral, mas esta prova inexiste, pois naqueles dias, provavelmente, não houve, sequer, a suspeita desta hipótese diagnóstica’ (fl. 670).

“A essa parte final das conclusões, precipuamente com base na conclusão de que presumivelmente tenha havido um foco infeccioso primário (o sítio da punção), a partir do qual se disseminou a septicemia, hão de agregar-se outros elementos da prova produzida que, cotejados e analisados conjuntamente e nas circunstâncias em que ocorreram, autorizam concluir foi o recém-nascido infectado por ‘staphilococcus aureus’ no hospital demandado.

“Por primeiro, como acima registrado, a punção femoral ocorreu ainda no dia do nascimento. No segundo dia, o médico pediatra constatou um pequeno hematoma na região inguinal do recém-nascido, sítio da punção. Após permanecer cinco dias no berçário do hospital (período de incubação do estafilococo), em casa, o bebê passou a fazer febre, chorava muito, não dormia à noite, havia um sinal vermelho no local da punção e nessa região sentia dor quando tocado; em estado febril foi levado no dia seguinte à alta hospitalar ao consultório do pediatra.

Continuou chorando muito, tendo sido negada a internação do bebê pelo Hospital Moinhos de Vento. Pelo médico pediatra, foi então encaminhado para internação junto ao Hospital Nossa Senhora Conceição, já com suspeita de septicemia hospitalar. Nesse nosocômio, onde permaneceu 16 dias, embora tenha sido ministrado tratamento com antibióticos, o estado do bebê piorou, agravando-se seu estado clínico, emagreceu, com feridas em todo o corpo.

Com alta, ‘desenganado’, foi internado no Hospital Criança Santo Antônio, na UTI-isolamento, vindo a melhorar somente após a cirurgia ortopédica (lavagem da cabeça do fêmur, deteriorada), passando então a surtir efeito a antibioticoterapia, com soro e transfusão. Constatado no exame cultural o crescimento do ‘staphilococcus aureus’.

“Ora, esses dados evidenciam que a partir do foco infeccioso contraído no nosocômio demandado – sítio da punção femoral – teve início um processo infeccioso disseminado pela corrente sanguínea. Tanto que a criança só apresentou melhora após a cirurgia ortopédica (lavagem da cabeça do fêmur), passando o organismo a reagir à antibioticoterapia.

Mais, o conjunto da prova autoriza dizer que o recém-nascido não sucumbiu porque se tratava de um ‘bebê resistente, um menino muito forte’ (pediatra, fls. 964/965), tendo sido amamentado ao peito, recebido sempre todos os cuidados e afeto da mãe, além de cuidados médicos e tratamento específico com antibióticos.

Esses são fatores preponderantes que exsurgem quando se pergunta por que o recém-nascido não sucumbiu à insidiosa infecção. Nesse passo, sem delirar, tem-se a resposta do Dr. Nilton Brandão da Silva, especialista na área de infectologia, ao ser perguntado se um recém-nascido que sofre infecção hospitalar pelo estafilococo áureo poderia sobreviver 16 dias sem um tratamento específico, respondeu, ‘como tudo em medicina, se for um recém-nascido com o sistema imunológico não bem desenvolvido ele não resistira a uma infecção estafilocócica sem o tratamento.

Se é um bebê que recebe a sua imunidade materna ou está com o seu sistema estável provavelmente teria condições de resistir um pouco mais, mas sem tratamento geralmente o recém-nascido não tem uma evolução favorável’ (1.010).

“No caso vertente, resulta, da análise da prova produzida, que, se o recém-nascido não portava infecção neonatal, e passou a ser vítima de septicemia, incubado o estafilococo áureo no período em que permaneceu no berçário, surgindo os sintomas e sinais da infecção (especialmente a febre persistente) a partir do 6º dia de vida, essa infecção foi contraída no hospital onde nasceu e permaneceu nos primeiros dias de vida.


‘Procedimentos invasivos e dispositivos (corpos estranhos ao organismo) aumentam o risco de infecção nosocomial em recém-nascidos’ (fl. 674). Há dados estatísticos da incidência da infecção no berçário (fl. 675).

“As lesões decorrentes do processo infeccioso por que passou o autor estão consolidados. O Perito ortopedista, ao exame do paciente, concluiu: ‘constatamos que o autor apresentou quadro de septicemia (infecção) que levou ao comprometimento articular do ombro direito, cotovelo e punho direitos, 3º quirodáctilo esquerdo, nos membros inferiores o comprometimento foi no quadril esquerdo, joelho e 2º pododáctilo esquerdo.

Tais seqüelas devem-se ao fato de o processo infeccioso por estafilococo áureo ter se alojado nas articulações supracitadas e que levaram as lesões nas placas de crescimento desses ossos (…) Restam seqüelas de grau médio (50%) para as funções do membro superior direito.

No joelho direito e articulação coxo-femural esquerda, observam-se deformidades que determinam um déficit funcional de grau máximo para essas articulações, além de encurtamento de 14cm no ombro inferior direito. Tais seqüelas determinam um déficit funcional parcial e permanente no autor…’ (laudo, fls. 831/832).

“À análise dos elementos de prova coligidos, resta assentar que o recém-nascido foi acometido de artrite séptica múltipla (infecção de várias articulações) e osteomielite polifocal (infecção do osso em vários sítios ou vários ossos) decorrentes de septicemia, sendo que os vários focos ocorreram devido a disseminação hematogênica (através do sangue), e essas doenças têm causa infecciosa, septicemia, e esta, pelas circunstâncias dadas, contraída junto ao nosocômio demandado.

No caso telado, o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, CPC), demonstrando o dano e o nexo causal entre o fato alegado e o resultado lesivo.

“A obrigatoriedade na adoção de programas de controle e prevenção da infecção hospitalar decorreu de portaria ministerial em 1983, afirmando o hospital demandado ter iniciado o trabalho de controle e prevenção somente em 1987.

A lei nº 9.431, de 06-01-1997, dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de programa de controle de infecções hospitalares – PCIH – pelos hospitais do País. Tal Lei foi regulamentada pela Portaria 2.616-MS/GM, de 12-5-1998, determinando a obrigatoriedade da constituição e manutenção de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.

Explicita essa Portaria conceitos e critérios diagnósticos das infecções hospitalares, dentre os quais, consta: 1.2 infecção hospitalar (IH): 1.2.1 é aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares (…) 2.2.4 as infecções no recém-nascido são hospitalares, com exceção das transmitidas de forma transplacentária e aquelas associadas a bolsa rota superior a 24 (vinte e quatro) horas.

“À época dos fatos relatados na inicial, como admitido pelo réu, não havia controle de infecção naquele nosocômio, o que leva a crer não eram, à época dos fatos relatados na inaugural, observadas condutas e procedimentos atualmente obrigatórios para controle e prevenção de infecção hospitalar dos pacientes quando lá se encontram. A falta dessas medidas reveste-se de elemento configurador da culpa, impondo o dever de indenizar, ex vi do art. 159 do Código Civil de 1916”.

“………

“Configurados, pois, no caso concreto, os pressupostos da responsabilidade civil, comprovando o autor a ocorrência dos danos e a sua relação de causalidade com o defeito na prestação de serviços pelo nosocômio demandado, examina-se a pretensão indenizatória, sua extensão, passando-a à liquidação (art. 1.553, CC/16, art. 944, CC/02).

Adiciono as seguintes considerações, em homenagem ao debate travado pelo réu. Do nexo causal.

Ao contrário do sustentado pelo apelante, provado o nexo causal entre a conduta culposa e o resultado de dano. A questão da higidez do neonato quando do parto foi bem avaliada pela sentenciante. Irrelevante ao desate da controvérsia a certeza acerca das exatas condições do autor ao nascer.

O fato é que, considerando o histórico do recém-nascido até o momento crítico da infecção, apreende-se como causa eficiente ao resultado danoso aquela imputada ao réu – seja porque foi a causa predominante do resultado, seja porque, com seu advento, favoreceu-se a consumação do dano.

Por oportuno, lembro o que foi feito constar, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 70003579968, Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgada em 14/08/02, pelo insigne Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

“Trata-se de aplicação concreta da teoria da causalidade adequada, que orienta as normas sobre o nexo causal na responsabilidade civil no direito brasileiro.


“A teoria da causalidade adequada, que é a prevalente no âmbito da responsabilidade civil (diferentemente da responsabilidade penal onde tem prevalência a teoria da equivalência dos antecedentes por força do art. 13 do Código Penal), restringe o conceito de causa, estabelecendo como tal apenas a condição que, formulado um juízo abstrato, se apresenta adequada à produção de determinado resultado.

Após a verificação concreta de um determinado processo causal, deve-se formular um juízo de probabilidade com cada uma das múltiplas possíveis causas, de acordo com a experiência comum, em um plano abstrato. Se após a análise de certo fato for possível concluir que era provável a ocorrência do evento, deve-se reconhecer a relação de causa e efeito entre eles.

“A causa é aquela condição que demonstrar melhor aptidão ou idoneidade para causação de um resultado lesivo. Nesta perspectiva, causa adequada é aquela que apresenta como conseqüência normal e efeito provável a ocorrência de outro fato.” (sublinhei)”.

Outrossim, quanto a ablação do nexo causal pelo fato de que, como a literatura médica leciona, os processos infecciosos em neonatos se caracterizam pela imediatez – instalada a infecção no recém-nascido os sintomas são imediatos – trata-se, aí sim, de mera ilação, buscando-se o afastamento da culpa, quando a prova demonstra, sem ruptura, que o menor, o qual não ostentava qualquer quadro clínico anterior ou por ocasião do período gestacional que justificasse o desfecho, se não fosse o procedimento adotado pelo réu, sem os cuidados que as circunstâncias recomendavam, não teria sofrido o resultado.

E nisso é pródiga a sentença, mais exatamente nas fls. 1.157 e 1.158. Passo, em seguimento, ao exame dos demais desdobramentos da condenação. Da denunciação da lide. Insculpida a obrigação do réu, examino as lides acessórias. Sem razão o réu, em buscar procedência das denunciações da lide. Embora o julgado tenha se encaminhado para a improcedência das litisdenunciações, penso que o réu seria até mesmo carecedor da denunciação da lide.

Justifico.

O réu postula que se reconheça sua ilegitimidade passiva ad causam (fl. 1.220). Sendo o réu parte passiva ilegítima, restaria prejudicada a denunciação da lide tanto relativamente ao Laboratório quanto no que concerne ao médico responsável por comandar o procedimento, considerando que, afastado o réu da demanda, não se travaria o debate entre o autor e o litisdenunciado

Aliás, o pedido de denunciação, em verdade, foi o meio encontrado pelo réu de complementar o endereçamento da demanda. A denunciação da lide não é instituto que se preste para corrigir ou complementar o equivocado endereçamento da ação.

O denunciado não é réu; é obrigado de regresso, respondendo pela garantia ao denunciante (nos casos em que a denunciação estiver a cargo do réu) daquilo que ele (o denunciante) houver de despender ao autor da ação no caso de este sagrar-se vitorioso.

Destarte, o denunciado é mero garante, não se travando litígio entre o mesmo e o autor da ação, contrariamente ao que ocorre no caso vertente. Outrossim, a denunciação operada no caso dos autos foi feita com base no art. 70, III, do CPC.

Na medida em que o próprio réu nega qualquer liame contratual tanto com o médico responsável quanto com o Laboratório, admitindo tratar-se de obrigações estanques – disse que o pediatra foi eleito pela família, não tendo qualquer vínculo com o Hospital e que o Laboratório é pessoa jurídica diversa do demandado –, inegável que não se trata de pretensão de reembolso, senão de própria responsabilização de cada um dos denunciados à lide.

Como referido acima e ora enfatizado, o denunciado não responde perante o acionante. Sua obrigação se justifica pela garantia que presta ao denunciante. Não responde pelo fato da lide, senão pela obrigação assumida de ressarcir o prejuízo daquele que vier a suportar a condenação.

Destarte, também é de se desacolher o pedido de procedência da lide acessória.

Do valor da indenização.

Eis a matéria que é devolvida por ambas as partes, a ré buscando a mitigação e o autor o exasperamento da condenação.

A ré sustenta que o valor estabelecido na sentença é exagerado. O autor, por seu turno, aduz que tal quantia não repara o mal impingido, razão por que: a) deve ser aumentado o valor da condenação; b) se não aumentado, que os juros de mora sejam contados na forma da Súmula n. 54 do STJ; c) que se apliquem as disposições dos artigos 1.538 e 1.539 do Código Civil de 1916.

Quanto ao valor da indenização, igualmente correta a sentença vergastada.

Transcrevo-a no tópico.

“No tocante à pretensão indenizatória pelos danos materiais – despesas com cirurgias, consultas, medicamentos, quantificadas na inicial em R$ 10.000,00, não resta acolhida. Nada obstante a plausibilidade da alegação tenham sido realizadas essas despesas, nada veio de plano comprovado e, mais, presumem-se tenham sido eventuais despesas com medicamentos e tratamentos suportadas pelos genitores do autor. Com base nessa mesma fundamentação, não acolho pedido de condenação ao pagamento de valor mensal pelo infortúnio causado ao autor e à sua família (despesas menores não computadas, tempo despendido na resolução de problemas e demais inconvenientes causados).


“Resta acolhido pedido indenizatório relativamente a despesas que se fizeram necessárias para a realização de tratamentos médicos, exames periódicos, medicamentos, ou ainda intervenções cirúrgicas que com o avanço da ciência médica forem necessárias ou indicadas para correção ou redução dos problemas físicos e estéticos do autor.

“Com relação aos danos morais – e dentro da categoria do dano moral inscreve-se a reparação do dano estético, e entendo que o dano estético é modalidade do dano moral e tudo se resume a uma questão de arbitramento – em razão da gravidade e da intensidade do sofrimento psíquico, que perdura no tempo, o dano moral vai arbitrado em quantia expressiva, haja vista a extensão da deformidade física apresentada pelo autor.

As seqüelas são graves e irreversíveis, decorrentes do comprometimento articular, pela septicemia, de vários membros, daí por que fixo o valor da indenização em R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), englobadamente para reparação de danos morais, estéticos e psíquicos explicitados na inicial.

O pedido de indenização, a título de reparação de dano psíquico, especificamente para suportar despesas com tratamento psicoterápico, em valor mensal, até o autor atingir 40 anos, já resta englobado na indenização acima fixada.

Entendo que a quantia almejada seria excessiva. Em que pese o déficit funcional permanente, o autor não restou incapacitado para a prática dos atos da vida, e pode dedicar-se na atividade laboral que tenha escolhido para exercício de sua profissão – à época da propositura da ação, era estudante universitário – tudo lembrando, mais uma vez, ‘o menino forte’ que não sucumbiu à doença e, hoje, com apoio de sua família, busca superar as deficiências físicas que o acometem”.

Pelas razões dispostas na sentença, vai indeferido ao autor o pedido para que se lhe alcancem tanto a multa de que trata o art. 1.538 quanto a pensão referida no dispositivo seguinte.

Ademais, quanto à aplicação dos citados dispositivos, não comentados explicitamente na sentença, não foram objeto dos embargos de declaração manejados pelo autor nas fls. 1.171/1.173, recurso esse aviado para esclarecimento dos critérios para a atualização monetária e do marco inicial dos juros de mora, apenas isso.

Dos juros de mora.

Correta a sentença, não merecendo reforma no tópico. É entendimento desta colenda Câmara que os juros de mora anteriores à data da decisão monocrática e posteriores ao evento danoso, em princípio, já estão embutidos no montante arbitrado. Nesse sentido Apelação Cível n. 70013044516, julgada neste Colegiado em 09.11.05, da Relatoria da eminente Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi.

Trago a ementa, transcrita no que tem pertinência:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA. LINHA TELEFÔNICA. DÍVIDA INEXISTENTE. ART. 333, INCISOS I E II, DO CPC. ÔNUS DA PROVA. FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO NÃO COMPROVADOS. MODUS OPERANDI. ÔNUS. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESSUPOSTOS COMPROVADOS. DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. QUANTUM. JUROS DE MORA. TERMO DE FIXAÇÃO.

1. …………

2. …………

3. …………

4. …………

5. …………

6. JUROS DE MORA. TERMO DE FIXAÇÃO.

Os juros de mora anteriores à data da sentença e posteriores ao evento danoso, em princípio, já estão embutidos no montante arbitrado, devendo incidir somente a partir da decisão, razão pela qual não se está negando vigência à Súmula n.º 54, do STJ. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA”.

Da extensão temporal da condenação.

A Magistrada determinou a obrigação do réu de pagar todas as despesas médico-hospitalares e tratamentos que se fizerem necessários para correção ou diminuição dos problemas físicos e estéticos que vierem a ser comprovados em liquidação de sentença.

Apela o autor, para que se alcance a indenização até o final da convalescença, ou seja, por toda a sua vida. Não há como se dar guarida ao pleito do autor. A solução encontrada na sentença é a que melhor se ajusta ao dispositivo legal.

Entender-se contrariamente seria estabelecer-se obrigação sem objeto certo e sem termo final. Em síntese, estaria o réu fadado a jamais saber o quantum do seu adimplemento. Portanto, não obstante a lei determine “até o fim da convalescença”, nada obsta que a Magistrada, dentro do poder de cautela do juiz e já se adiantando a tumultos processuais certamente ocorrentes se não delimitada a matéria, estabeleça, pelo menos, um ponto de partida para a obrigação de reparar o dano.

O ponto de partida encontrado na sentença foi a fase de liquidação, onde se apurará o estado atual do autor, os tratamentos necessários e possíveis para abrandar o mal impingido, suas conveniências e possibilidades, sem o risco de que, na hipótese de ser deixado em aberto o período da convalescença, terminasse o réu suportando além do que se obrigou, seja pelo advento de outras mazelas, seja pelo decurso do tempo, seja pela própria acentuação da idade do demandante.

Nesse passo, possível, até mesmo, que os resultados observados e entendidos como abarcados pela dita convalescença não mais se vinculassem àquela primitiva causa, gerando-se responsabilidade civil carente de pressupostos.

Sucumbência.

A sucumbência se desdobra, no apelo do autor, em dois tópicos. Primeiro, pretende que se aplique o Parágrafo único do art. 21 do CPC, por entender que sua derrota foi mínima, sequer respingando reflexos sucumbenciais. Segundo, que se majore a verba honorária do seu patrono, avaliando-se o profícuo trabalho do procurador.

Sem razão o autor.

O decaimento não foi mínimo como pretende. Não apenas sucumbiu o autor no que tange ao pedido de indenização de parcela dos danos materiais, como, igualmente, sucumbiu nos pedidos de aplicação dos artigos 1.538 e 1.539 do Código Civil de 1916, considerando-se, ainda, embora este órgão fracionário entenda que o decaimento na expectativa indenizatória por danos morais não reflita na sucumbência, que pediu bem mais do que auferiu na sentença.

Portanto, correta a partição sucumbencial, carreando-se a maior parte ao réu, mas não isentando o autor dos encargos da sucumbência.

Quanto aos honorários de advogado, não vejo também motivos para majorá-los. Não se nega a importância da causa, como também não se olvida da combatividade e atenção despendidas pelo diligente procurador.

A causa, contudo, não desborda do contexto factual, não sendo de difícil apreensão, muito embora a gravidade da história narrada. Não há conflitos processuais intensos, tampouco teses de rara abordagem. Nestes termos, também adequada a verba honorária como estabelecida no decisum.

Por fim, o suplemento requerido pelo réu – que se declare que o fator de correção será o IGP-M, por questão de isonomia – é matéria que deveria ter sido oposta por meio de oportunos embargos de declaração, não sendo o apelo o recurso apropriado para suprir-se omissão do julgado.

Nestes termos, desprovejo ambos os recursos e mantenho, por seus próprios fundamentos, a r. sentença.

É o voto.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (REVISORA) – De acordo.

DES. ODONE SANGUINÉ – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – Presidente – Apelação Cível nº 70010691665, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. UNÂNIMES.”

Julgador(a) de 1º Grau: MARIA THEREZA BARBIERI

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