Pena desproporcional

Policial demitido por lesar erário em R$ 128 é reintegrado

Autor

2 de junho de 2006, 15h40

Um policial rodoviário federal, demitido por lesar os cofres públicos em R$ 128 em prestação de contas de auxílio-transporte, será reintegrado ao cargo. A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido, por entender que deve ser aplicada uma penalidade menos gravosa em razão do pequeno prejuízo causado ao erário.

Segundo os autos, o policial foi demitido após uma sindicância e um processo disciplinar, que apontaram irregularidades em oito bilhetes de transporte apresentados para ressarcimento. A demissão se baseou na Lei 8.112/90, artigo 117, IX [valer-se do cargo público para lograr proveito pessoal].

O policial entrou com pedido de Mandado de Segurança no Superior Tribunal de Justiça. Ele alegou cerceamento de defesa, já que não tinha advogado durante a fase de instrução do processo disciplinar.

O ministro Arnaldo Esteves Lima entendeu que, embora o servidor tenha comparecido a algumas audiências sem um advogado, a anulação do processo é desnecessária. Segundo o ministro, o prejuízo não ficou demonstrado nas audiências, já que a comissão teria se convencido com base em outras provas.

No entanto, quanto à proporcionalidade da pena em relação à lesão causada pelo servidor, o ministro assegurou que seja anulada a demissão e, depois de reintegrado ao cargo, que a administração aplique ao policial outra penalidade de menor gravidade pelos ilícitos já apurados.

MS 10.825

Leia a íntegra da decisão

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.825 – DF (2005/0118251-3)

RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

IMPETRANTE : EDSON DE OLIVEIRA SANTOS

ADVOGADO : JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES E OUTROS

IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Trata-se de mandado de segurança impetrado por EDSON DE OLIVEIRA SANTOS contra ato do MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, que o demitiu do cargo de Policial Rodoviário Federal, por meio da Portaria 467, de 29/3/2005, em razão de ter infringido o art. 117, IX, da Lei 8.112/90.

O impetrante alega que, por força do disposto na Instrução Normativa 4/2000, do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, procedeu à entrega de bilhetes de passagens referentes ao mês de junho de 2002, para fins de recebimento do auxílio-transporte.

Sustenta que a “Comissão de Avaliação e Conferência de Auxílio-Transporte” constatou irregularidades em relação à prestação de contas de 21 (vinte e um) policiais rodoviários federais, no âmbito da Delegacia PRF 4/3 – Dourados/MS, na qual trabalhava, relacionadas: a) à apresentação de bilhetes de passagens com rasuras; b) à não-apresentação de bilhetes; c) à divergência nos itinerários; d) ao modo de aquisição dos bilhetes.

Determinou-se, então, a abertura de sindicância, que culminou em processo disciplinar. Aduz que, concluídos os trabalhos, verificaram-se, em seu desfavor, irregularidades em 8 (oito) bilhetes de passagens, que totalizaram prejuízo ao erário de R$128, 00 (cento e vinte e oito reais). Com base nessa lesão, foi-lhe aplicada a pena de demissão por valer-se do cargo público para lograr proveito pessoal, em detrimento da função pública, com fundamento no art. 117, IX, da Lei 8.112/90.

Aponta irregularidades e ilegalidades no mencionado processo disciplinar. Alega, em resumo: a) ausência de justa causa para instauração de sindicância e subseqüente processo administrativo disciplinar; b) ilegalidade e inconstitucionalidade da Instrução Normativa 5/2002-DPRF, por violação aos princípios da publicidade, da legalidade e da razoabilidade; c) atipicidade da conduta; d) cerceamento de defesa pela ausência de advogado ou de defensor dativo na fase de instrução do processo disciplinar; e) violação do devido processo legal e dos princípios da ampla defesa, contraditório, impessoalidade, razoabilidade.

O Ministro do Estado da Justiça prestou informações. Defende que: a) ilegalidades das exigências contidas na Instrução Normativa 5/2002-DPRF não afastam o cometimento de fraude contra a Administração; b) é desnecessária a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório na sindicância; c) o excesso de prazo para a conclusão dos trabalhos não determinou prejuízos à defesa; d) o impetrante esteve presente durante todos os atos da instrução, não havendo cerceamento de defesa; e) não vicia o ato demissionário o acolhimento do parecer da consultoria jurídica; f) houve observância dos princípios da impessoalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade (fls. 81/102).

O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República JOÃO PEDRO DE SABÓIA BANDEIRA DE MELLO FILHO, opina pela denegação da segurança.

É o relatório.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.825 – DF (2005/0118251-3)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. SINDICÂNCIA. FASE INQUISITORIAL. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO-OBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO OU DE DEFENSOR DATIVO NA FASE INSTRUTÓRIA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. IRREGULARIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUXÍLIO-TRANSPORTE. LESÃO INSIGNIFICANTE DO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. SEGURANÇA CONCEDIDA PARCIALMENTE.


1. Na sindicância, não se exige observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando, configurando mera fase inquisitorial, precede ao processo administrativo disciplinar.

2. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual não enseja nulidade o excesso de prazo para a conclusão de processo disciplinar, assim como a adoção, pelo Ministro de Estado, de parecer da consultoria jurídica, que passa a constituir fundamento jurídico para a prática do ato disciplinar.

3. Em observância ao princípio da ampla defesa, é indispensável a presença de advogado ou defensor dativo durante toda a fase instrutória em processo disciplinar. No caso, embora o impetrante tenha comparecido em parte das audiências de oitiva de testemunhas desacompanhado de defensor dativo ou de advogado, mostra-se desnecessária a anulação do processo, complexo e extenso, à míngua de demonstração de efetivo prejuízo e considerando que a comissão processante formou convicção com fundamento em outros elementos probatórios, inclusive de natureza documental, não sendo as testemunhas as únicas a fundamentarem sua conclusão.

4. Na aplicação de penalidade, deve a Administração observar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo: “exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido estrito, pela qual se pondera a relação entre a carga de restrição e o resultado” (Suzana de Toledo Barros).

5. Caso em que, não obstante as irregularidades praticadas no tocante à comprovação de despesas com passagens, para fins de percepção de auxílio-transporte, segundo apurado em processo disciplinar, a baixa lesividade ao erário, em razão da conduta do impetrante, conduz à necessidade de aplicação de penalidade menos gravosa. Precedente.

6. Segurança concedida em parte para anular a portaria de demissão e determinar sua reintegração ao cargo público, ressalvada à Administração a aplicação de penalidade de menor gravidade, pelos ilícitos administrativos já apurados.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

Inicialmente, ressalto que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o MS 10.827/DF (Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA), já se manifestou a respeito da legalidade do processo administrativo disciplinar, objeto do presente mandamus.

Com efeito, naqueles autos, apreciaram-se irregularidades nos atos que conduziram à demissão do impetrante, Sérgio Luiz Lageano Moreira, Policial Rodoviário Federal, também lotado na Delegacia de Dourados/MS, que, igualmente, teria praticado ilícito na prestação de contas para fins de recebimento de auxílio-transporte. Tais condutas estariam relacionadas: a) à apresentação de bilhetes de passagens com rasuras; b) à não-apresentação de bilhetes; c) à divergência nos itinerários; d) ao modo de aquisição dos bilhetes.

Diante do fato de que, à exceção da alegação de cerceamento de defesa por ter sido o impetrante acompanhado, na fase instrutória, por advogado ou defensor dativo, ambas as ações detêm idêntica linha de argumentação, estão sob o patrocínio do mesmo advogado, mostra-se despiciendo novo exame exauriente das irregularidades e ilegalidades apontadas no processo administrativo disciplinar em referência, já amplamente analisadas e discutidas por esta Corte, nos termos do bem lançado voto do Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, relator, que tratou com proficiência a matéria. A ementa restou assim concebida:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VÍCIOS FORMAIS. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. DESPROPORCIONALIDADE CONFIGURADA NA ESPÉCIE. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE.

1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos fatos imediatamente, assegurada ao acusado a ampla defesa. Inteligência do art. 143 da Lei n. 8.112/90.

2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar, ainda sem a presença obrigatória de acusados.

3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica em afirmar que o excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à nulidade deste.

4. O mandado de segurança somente se viabiliza quando o alegado direito líquido e certo, que se visa proteger, vier comprovado de plano, aferindo-se sua existência apenas com as provas trazidas com a impetração, nos limites do procedimento sumário, característico dos remédios constitucionais.


5. A autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua Consultoria Jurídica, servindo aquele como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso vicie o procedimento administrativo.

6. A punição administrativa há de se nortear, porém, segundo o princípio da proporcionalidade, não se ajustando à espécie a pena de demissão, ante a insignificância da conduta do agente, consideradas as peculiaridades verificadas.

7. Segurança concedida em parte para o fim específico de anular-se a Portaria n. 469, de 29 de março de 2005, que demitiu o impetrante do cargo de Policial do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo de eventual apenamento menos gravoso, pelas infrações disciplinares detectadas, a partir do procedimento administrativo disciplinar instaurado. (MS 10.827/DF, Terceira Seção, DJ de 6/2/2006, p. 195)

No tocante à impugnação aos aspectos formais do processo disciplinar em referência, transcrevo o seguinte excerto do voto do Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA:

1. Em linha de princípio, insta asseverar que não é motivo para inibir a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, por ausência de justa causa, a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 04/2000, alterada pela Instrução Normativa n. 05/2002, isso porque a autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal (art. 143 da Lei n. 8.112/90), determinar a apuração dos fatos imediatamente, assegurado ao acusado a ampla defesa.

2. Não se sustenta, tampouco, o argumento de que a inobservância do contraditório e da ampla defesa, no inquérito administrativo, conduziria à nulidade da própria sindicância, assim também do processo administrativo disciplinar subseqüente.

A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem, com isso, se destinar, diretamente, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou, conforme espelha a seguinte ementa:

“MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICÂNCIA. ALEGAÇÃO DOS IMPETRANTES DE NÃO TEREM SIDO OUVIDOS NESTA FASE. PROCEDIMENTO DESTINADO À SIMPLES VERIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES. EQUIPARAÇÃO AO INQUÉRITO POLICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À APLICAÇÃO DE PENA NO ÂMBITO DE SINDICÂNCIA. AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA. PUBLICAÇÃO NO BOLETIM DE SERVIÇO. VALIDADE. PRECEDENTE. EXCESSO DE PRAZO NÃO IMPLICA NULIDADE DO PROCESSO. § 1º DO ART. 169 DA LEI 8.112. CONTROVÉRSIA ACERCA DOS FATOS. MATÉRIA NÃO SUPORTÁVEL NA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. Segurança indeferida.”

(Supremo Tribunal Federal, MS n. 22.888/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min.Nelson Jobim, DJ de 18.2.1998).

3. De outra parte, consolidou-se também na jurisprudência desta Corte Superior o entendimento de que o excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar, por si só, não conduz à nulidade do procedimento, ainda mais quando, diante das pelas irregularidades apontadas, em seu todo, a superação do prazo é inevitável, na apuração dos ilícitos investigados.

Esse o entendimento vigente na Terceira Seção deste Tribunal Superior, conforme se verifica da leitura da ementa que se segue:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT ” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA.

[…]

II – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o excesso de prazo, quando ocorre devido ao conjunto de circunstâncias que norteiam a investigação, não pode ser alegado como fator de nulidade do processo.

[…]

VI – Ordem denegada.” (MS n. 8.780/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 28.10.2003).

4. Quanto à assertiva de que houve afronta ao princípio da impessoalidade, vê-se que o procedimento reprochado não abre ensanchas à correção, uma vez que o instrumento escolhido pelo impetrante – mandado de segurança – somente viceja quando o alegado direito líquido e certo, que se almeja proteger, vier comprovado de plano, aferível só com as provas trazidas com a inicial, dentro do rito sumário, característico dos remédios constitucionais.

5. No tocante à alegada inexistência de decisão administrativa de julgamento, em verdade, tal proposição não encontra amparo na jurisprudência consolidada deste Sodalício.


O Superior Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, perfilhado o entendimento de que a autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua consultoria jurídica, servindo tal peça como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso vicie o procedimento administrativo realizado.

Nessa esteira, cai como luva posição esposada pelo insigne Ministro Hamilton Carvalhido, para quem “em havendo a autoridade administrativa acatado o parecer elaborado pela Consultoria Jurídica da Advocacia da União, na forma do artigo 168 da Lei 8.112/90, não há falar em ilegalidade da Portaria que demitiu o impetrante por ausência de motivação” (MS n. 8259/DF, Terceira Seção, DJ de 17.02.2003).

De fato, o Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual, na sindicância, não se exige observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando, configurando mera fase inquisitorial, precede ao processo administrativo disciplinar.

Também é pacífico, nesta Corte, o entendimento de que não enseja nulidade o excesso de prazo para a conclusão do processo disciplinar, assim como a adoção, pelo Ministro de Estado, de parecer da consultoria jurídica, que passa a constituir fundamento jurídico para a prática do ato disciplinar.

Quanto à suscitada nulidade por ausência de advogado ou defensor dativo na fase instrutória, dispõe a Constituição Federal:

Art.5º………………………………………………………………………………………………..

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Por sua vez, prevê a Lei 8.112/90, que trata do Regime Jurídico do Servidor Público Federal, no tocante ao processo disciplinar:

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

………………………………………………………………………………………………………….

§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

Na interpretação de referidos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em observância ao princípio da ampla defesa, é indispensável a presença de advogado ou defensor dativo na fase instrutória em processo administrativo disciplinar.

Esse entendimento decorre da circunstância de que é exatamente na fase probatória que se colhem os elementos que servirão de suporte para a futura aplicação da penalidade administrativa. Por conseguinte, é imperioso que o acusado, no caso, servidor público, seja acompanhado de advogado ou defensor público, para que, em tese, obtenha em seu favor uma defesa técnica. Nesse sentido, transcrevo as seguintes ementas:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO.

PRECEDENTES DESTA CORTE. EXONERAÇÃO “EX OFFICIO”. SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO RECONHECIDAMENTE PRESCRITA. DESVIO DE FINALIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Somente após a fase instrutória se mostra necessária a descrição pormenorizada do fato ilícito, bem como a sua devida tipificação, procedendo-se, conforme o caso, o indiciamento do servidor, na forma do art. 161, caput, da Lei n.º 8.112/90. Precedentes desta Corte.

2. Na hipótese, durante a instrução do Processo Administrativo Disciplinar, o Impetrante não contou com a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, circunstância, que, à luz dos precedentes desta Corte de Justiça, é elementar à garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral.

3. A exoneração “ex officio”, de que trata o art. 34 da Lei 8.112/90, não se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão, em virtude de se ter reconhecida pela Administração a prescrição da pretensão punitiva estatal. Desse modo, eivado de nulidade o ato exoneratório, por evidente ofensa ao princípio da legalidade. Precedentes.


4. A teor das Súmulas n.os 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança é distinto da ação de cobrança, não se prestando, portanto, para vindicar a concessão de efeitos patrimoniais pretéritos.

5. Writ parcialmente concedido. (MS 7.239/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, Terceira Seção, DJ de 13/12/2004, p. 212)

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO.

1. A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral.

2. Ordem concedida. (MS 7.078/DF, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Terceira Seção, DJ de 9/12/2003, p. 206) No caso em exame, verifico dos autos do processo administrativo disciplinar em apenso que o impetrante presenciou quase todas as oitivas das testemunhas. Quando não compareceu, foi-lhe nomeado defensor dativo (fls. 660 dos autos em apenso). Às vezes fez-se acompanhar de advogado (fls. 706/717 e 775/828 dos autos em apenso), algumas vezes compareceu sozinho às sessões (fls. 667/704 e 829/842 dos autos em apenso).

Em regra, esse procedimento da Administração não bastaria, porquanto o princípio da ampla defesa estaria sendo apenas parcialmente observado. Com efeito, para dar efetividade à orientação jurisprudencial desta Corte, deveria a comissão processante nomear defensor dativo para que acompanhasse o acusado nas oitivas de testemunhas, quando não acompanhado por advogado. Todavia, assim não agiu. Nomeou servidor dativo apenas quando o servidor não compareceu, por qualquer razão, à sessão de oitiva de testemunhas.

Ocorre que, à exceção do primeiro depoimento, o impetrante compareceu a todos os demais, requereu, inclusive, diligências (fl. 724 dos autos em apenso), pelo que, ainda que desprovido de defesa técnica em algumas oportunidades, presenciou a oitiva das testemunhas, sendo sempre dada a oportunidade de questionamentos aos depoentes.

Ademais, o processo administrativo disciplinar em referência é complexo e extenso. Os autos são constituídos de 2.953 (duas mil, novecentos e cinqüenta e três) páginas.

A comissão, além das testemunhas, formou sua convicção em outros elementos probatórios, dos quais se destacam os bilhetes de passagens apresentados. Realizou, ainda, o indispensável cotejo entre os horários de viagem e de trabalho, para concluir pela divergência.

Nesse cenário, mostra-se, à míngua de demonstração de efetivo prejuízo ao impetrante, desnecessária a anulação do processo disciplinar por não ter sido nomeado defensor dativo para oitiva de testemunhas quando se fez desacompanhado de advogado.

Em relação ao princípio da proporcionalidade, cuja observância determinou a concessão da segurança no MS 10.827/DF, outro não pode ser o entendimento a ser adotado no presente mandado de segurança. Assentou o Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA:

A Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, formada para apurar supostas irregularidades na comprovação de despesas para percebimento do auxílio-transporte dos policiais rodoviários federais lotados na delegacia de Dourados, Mato Grosso do Sul, concluiu que o impetrante valeu-se do cargo para lograr proveito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública (art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90), ao ter apresentado bilhetes de passagens utilizadas por outros usuários, bilhetes contendo rasuras e outros tantos não correspondentes aos dias e horários efetivamente trabalhados.

Em decorrência da conclusão da comissão processante, o Ministro de Estado da Justiça aplicou pena máxima de demissão, com supedâneo no art. 132, incisos IV e XIII, da Lei n. 8.112/90, por improbidade administrativa, e transgressão do inciso IX do art. 117 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (“valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”).

Ocorre que, consoante dos autos emana, a conduta ilícita do servidor resultou em prejuízo aos cofres públicos, de aproximadamente R$ 36,80 (trinta e seis reais e oitenta centavos); ressalte-se que a partir da documentação acostada aos autos, não se tem notícia da prática de outras condutas irregulares que pudessem interferir na convicção de que se trata de servidor público possuidor de bons antecedentes, o qual, aliás, servia na Delegacia da Polícia Rodoviária Federal de Dourados, Mato Grosso do Sul, segundo reconhecida, inclusive pela imprensa e pelo Ministério Público Federal (fls. 48 e segs.), uma das mais eficientes no combate ao roubo de veículos e de cargas, ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando e descaminho.


Segundo a dicção do art. 128 do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, “na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais”. Esse preceito é a própria expressão do princípio da proporcionalidade na lei, e do qual o administrador não pode se afastar, bem assim há de lhe dever obediência quando, nos procedimentos disciplinares, editar atos administrativos, no exercício do poder disciplinar.

………………………………………………………………………………………………………….

7. É desate que se amolda à espécie, diante da manifesta insignificância do resultado do ilícito perpetrado, que se não o exclui, nem o torna moral e eticamente menos censurável, impõe, ao menos, em virtude da baixa lesividade da conduta do agente, se lhe aplique, em sendo o caso, reprimenda menos severa que a expulsória, em homenagem não só ao princípio da proporcionalidade, como também ao regramento das penas disciplinares, segundo critérios específicos, dentre os quais se destacam e sobrelevam “a gravidade da infração cometida” e “os danos que dela provierem para o serviço público” (art. 128 da Lei n. 8.112/90) Ainda no concernente ao princípio da proporcionalidade, transcrevo excerto do voto vencedor proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Intervenção Federal 2.915-5/SP, nos seguintes termos, verbis:

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um ‘limite do limite’ ou uma ‘proibição de excesso’ na restrição de tais direitos.

A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebidos demodo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos.

Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais. Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade.

São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (…), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário. (DJ 28/11/2003, p. 11) Por fim, mostra-se oportuno acrescentar os ensinamentos de Suzana de Toledo Barros (O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3ª ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 31), que, ao citar Canotilho, assevera:

Como anota CANOTILHO, o princípio considerado significa, no âmbito das leis interventivas na esfera de liberdades dos cidadãos, que qualquer limitação a direitos feita pela lei deve ser apropriada, exigível e na justa medida, atributos que permitem identificar o conteúdo jurídico do cânone da proporcionalidade em sentido amplo: exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido estrito, pela qual se pondera a relação entre a carga de restrição e o resultado (grifos no original).

No caso, mostra-se patente a baixa lesividade da conduta do impetrante ao erário, considerando que decorre de irregularidades na prestação de contas para fins de recebimento do auxílio-transporte. É indiscutível que o fato de ser imputada lesão da ordem de R$ 128,00 (cento e vinte e oito reais) ao impetrante, contra R$ 36,80 (trinta e seis reais e oitenta centavos) ao servidor Sérgio Luiz Lageano Moreira, conforme acórdão proferido nos autos do MS 10.827/DF, não pode conduzir à prestação da tutela de forma discrepante.

Com efeito, sobressai a desnecessidade da aplicação da pena máxima de demissão, porquanto o impetrante ocasionou baixa lesividade ao erário, não obstante tenha praticado irregularidades no tocante à comprovação de despesas com passagens, para fins de percepção de auxílio-transporte, segundo apurado em processo administrativo disciplinar.

Esse posicionamento, todavia, é oportuno registrar, não afasta a conduta reprovável do impetrante que, todavia, deve ser reprimida de forma mais branda.

Ante o exposto, concedo a segurança em parte para anular a Portaria 467, de 29/3/2005, do Ministro de Estado da Justiça, que demitiu o impetrante, e determinar sua reintegração ao cargo que ocupava, ressalvada à Administração eventual aplicação de pena menos gravosa, em decorrência das infrações disciplinares já apuradas. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários (Súmula 105/STJ). Efeitos patrimoniais pretéritos a partir da data do ajuizamento deste – Súmulas 271 e 269 do STF e art. 1º da Lei 5.021/66.

É o voto.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!