Vizinhaça inconveniente

Visão cotidiana de cerimônias fúnebres gera indenização

Autor

1 de junho de 2006, 14h00

Por ser obrigado a conviver com a visão diária de sepultamentos e ter de suportar cheiros desagradáveis em dias de calor, vizinhos de cemitério têm direito a receber indenização por danos morais. O entendimento é da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou o município de Novo Hamburgo (RS) a pagar R$ 14 mil de indenização a uma vizinha de cemitério.

Helena Maria Brandão, autora da ação, pretendia ser indenizada pela desvalorização de seu imóvel em virtude de o município ter ampliado a área do cemitério até a divisa com sua propriedade. Segundo ela, o aumento da área também provocou constrangimentos por ter de assistir diariamente a cerimônias fúnebres.

A proprietária pedia a construção de um muro e a plantação de árvores de grande porte na divisa do terreno do cemitério com o de sua casa, além de indenização de 800 salários mínimos por danos morais e R$ 15 mil por danos materiais.

Em contestação, o município de Novo Hamburgo alegou a regularidade do funcionamento do cemitério, incluindo-se neste aspecto a limpeza e a manutenção. E constatou, através dos autos, que a autora comprou o imóvel em 2000, sendo que o cemitério já existia desde 1959 e a ampliação começou em 1991. Portanto, ela não poderia reclamar do alargamento da área.

Em seu voto, o desembargador Maio Rocha Lopes Filho entendeu que não há razões para prover o dano material. Segundo ele, a autora tinha “condições de saber de uma eventual possibilidade de ampliação do cemitério”, já que ele fora erguido na década de 1950 e a moradora mudou-se para a vizinhança em 2000.

Já em relação ao dano moral, afirmou que o fato de a proprietária ter adquirido um bem imóvel ao lado de um cemitério não significa que ela deverá aceitar constrangimentos em decorrência de funerais diários, nem suportar cheiros ruins em dias quentes.

O desembargador afirmou que a compra de terreno próximo não pressupõe conviver com a assistência dos trabalhos diários que lhe são peculiares. Do contrário, explicou, afrontam-se valores básicos da vida humana que são a “tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a honra e os demais sagrados afetos”.

Além da indenização por dano moral, o desembargador determinou que o município construa muro e plante árvores na parte fronteiriça dos terrenos em até 30 dias, já que há 15 anos existe um projeto para essas obras.

Processo 700.137.163-37

Leia a decisão

APELAÇÃO CIVEL . AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. FUNCIONAMENTO IRREGULAR DE CEMITÉRIO. OCORRÊNCIA DE DANOS AOS IMÓVEIS LINDEIROS.

Indenização pela desvalorização do imóvel. Indevida. A demandada, adquirente do imóvel, tinha condições de cientificar-se a respeito de possibilidade de ampliação do cemitério localizado em terreno vizinho.

Indenização por dano moral. Cabimento. Quantum indenizatório.

Há responsabilidade em indenizar quando comprovadas a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem: a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.

Para a fixação do dano devem ser considerados a extensão do dano causado, a situação patrimonial e a imagem do causador do dano, a situação patrimonial do lesado e a intenção do autor do dano.

Construção de muro e plantação de árvores em imóvel lindeiro.

A obrigação de fazer, no caso, deve ser realizada em 30 dias, pois a ampliação do cemitério começou em 1991, e o projeto ainda não foi concluído, podendo acarretar ainda mais danos aos imóveis vizinhos.

Negaram provimento às apelações. Unânime.

APELAÇÃO CÍVEL

DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL

Nº 70013716337

COMARCA DE NOVO HAMBURGO

HELENA MARIA BRANDAO

APELANTE/APELADO

MUNICIPIO DE NOVO HAMBURGO

APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negaram provimento às apelações.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES (PRESIDENTE) E DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ.

Porto Alegre, 20 de abril de 2006.

DES. MARIO ROCHA LOPES FILHO,

Relator.

RELATÓRIO

DES. MARIO ROCHA LOPES FILHO (RELATOR)

Trata-se de ação de indenização, cumulada com ação de obrigação de fazer ajuizada por Helena Maria Brandão contra Município de Novo Hamburgo/RS noticiando ser proprietária e residente há 11 anos de um imóvel em cujo terreno limítrofe encontra-se o cemitério municipal.


Afirma que há cinco anos houve um aumento na área do cemitério, e esta parte, recentemente construída, estaria funcionando irregularmente, ocasionando a desvalorização do imóvel da demandante, em virtude do mau cheiro, da insegurança decorrente de violências realizada por delinqüentes e também pelo constrangimento de assistir a todo momento a realização de enterros.

Pretende, a final, a construção de um muro e a plantação de árvores de grande porte na divisa do terreno do cemitério com o da demandada, além de indenização no valor de 800 salários mínimos em virtude de dano moral e R$ 15.000,00, em decorrência da desvalorização do imóvel. Na hipótese de o Município não atender a determinação legal, postula fixação de astreintes.

Em contestação, o Município de Novo Hamburgo alega a regularidade do funcionamento do cemitério municipal, incluindo-se neste aspecto, a limpeza e a manutenção, afirmando que as árvores e o muro fazem parte do projeto, porém este ainda não teria sido concluído. Constata, através da documentação juntada aos autos:a aquisição pela autora do imóvel no qual reside se deu em 16 de março de 2000; o cemitério foi instalado naquele local em 1959; e a sua ampliação começou em 1991. Alega, a partir de tais fatos, ter a demandada escolhido o imóvel para morar ciente de sua localização, vizinha de um cemitério.

Instruído o feito, sobreveio sentença. O magistrado decidiu da seguinte forma:

a) em relação aos danos materiais, entendeu que não há o que ser indenizado, pois quando a demandada comprou seu imóvel, já existia um cemitério no terreno do lado, ainda que a ampliação tenha sido posterior;

b) em relação aos danos morais, ao contrário, o magistrado os fixou no valor de 40 salários mínimos nacionais, com juros de mora a contar da citação, à taxa de 6% ao ano até o CC 2002, após, 12% ao ano, com base no art. 161, §1º do CTN c/c art. 406 do CC, tendo em vista o mau cheiro, os ataques dos delinqüentes, a ausência de muro a impossibilitar a visão pelos moradores dos enterros realizados;

c) determinou a plantação de árvores e a construção de um muro, no prazo de 30 dias, sob pena de multa, argumentando que, apesar de tal obra constar no projeto da ampliação do cemitério, nada foi feito desde o início, considerando-se que o presente feito tramita desde 2002.

Diante da sucumbência mínima da requerente, o demandado foi condenado ao pagamento das custas e honorários fixados em R$ 1.500,00, atualizados pelo IGPM.

Inconformadas, as partes apelaram.

Helena Maria Brandão pretende indenização pela desvalorização do imóvel em virtude de o Município ter ampliado a área do cemitério até a divisa com sua propriedade. Postula, ainda, a majoração da indenização pelos danos morais, em virtude da gravidade da questão, devendo a pena imposta ter um caráter punitivo-educativo.

O Município de Novo Hamburgo, por sua vez, postula

1) o afastamento da condenação por dano moral, ou pelo menos sua minoração alegando ter a autora adquirido o imóvel quando já existia o cemitério no terreno vizinho. Além disso, refere: a) a autora não comprova o alegado dano moral; b) a perícia realizada através de um técnico ambiental concluiu pela regularidade do funcionamento do cemitério; c) não ser convincente a alegação da apelada no sentido de visualizar cerimônias fúnebres, pois passa a maior parte do tempo fora de casa, trabalhando.

2) Insurge-se contra a condenação que determinou a construção de um muro de plantação de árvores, sustentando a ausência de previsão legal que obrigue o Município a construir muro e fixe prazo para execução, pois pelos princípios de direito público estaria adstrito ao orçamento e ao próprio projeto de implantação. Por fim, 3) pretende a diminuição do quantum fixado à título de honorários, diante da singeleza da causa.

A Procuradora de Justiça, nesta instância, opinou pelo conhecimento e improvimento dos recursos de apelação.

Apresentadas as contra-razões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

DES. MARIO ROCHA LOPES FILHO (RELATOR)

Eminentes colegas:

Trata-se de ação de indenização, cumulada com ação de obrigação de fazer, ajuizada por Helena Maria Brandão contra Município de Novo Hamburgo/RS, julgada parcialmente procedente.

Inconformadas, as partes apelaram.

Inicio o julgamento, analisando o recurso da demandada.

Helena Maria Brandão pretende indenização pela desvalorização do imóvel em virtude de o Município ter ampliado a área do cemitério até a divisa com sua propriedade. Postula, ainda, a majoração da indenização pelos danos morais, em virtude da gravidade da questão, devendo a pena imposta ter um caráter punitivo-educativo.

Não merece provimento o recurso da apelante.


Conforme se depreende da prova dos autos, a autora adquiriu seu imóvel em novembro de 2000, fl. 13/14, e as obras de ampliação do cemitério iniciaram em 1991. Verifica-se, também, que, desde 1979, tais imóveis confrontavam-se.

Assim, desde a época que a apelante foi residir no imóvel, tinha condições de saber de uma eventual possibilidade de ampliação do cemitério.

Não merece provimento, portanto, o recurso neste aspecto.

Mantenho, igualmente, o determinado pela sentença em relação ao quantum fixado à título de danos morais.

Conforme jurisprudência deste Tribunal, para a fixação do dano devem ser considerados a extensão do dano causado, a situação patrimonial e a imagem do causador do dano, a situação patrimonial do lesado e a intenção do autor do dano.

Neste sentido,

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CADASTRAMENTO EM ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. FALTA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA DO CADASTRO. INOBSERVÃNCIA DO DISPOSTO NO ART. 43, §2º, DO CDC. São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual a conduta culposa, o nexo causal e o dano.

Pressupostos verificados, no caso concreto; Para a fixação do dano devem ser considerados a extensão do dano causado, a situação patrimonial e a imagem do causador do dano, a situação patrimonial do lesado e a intenção do autor do dano. Critérios observados, no caso concreto.

Apelações desprovidas, com disposição de ofício. (Apelação Cível Nº 70009509852, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sejalmo Sebastião de Paula Nery, Julgado em 16/03/2006)

No caso, entendo acertado e razoável, para fins de reparação do dano sofrido pela apelante, o valor fixado pelo juízo de primeiro grau, concordando, na integralidade com os fundamentos apontados:

“Para fixação do montante, deve-se levar em conta a condições econômicas das partes (a requerente tem poucas condições e o réu é ente público, o que acarreta alguma cautela na fixação, tendo em vista a notória dificuldade financeira da imensa maioria deles), as conseqüências do fato (não são permanentes); o grau de culpa (o fato não foi doloso, mas a solução poderia e deveria ter sido buscada pelo ente público em período bem mais breve).”

Diante do exposto, nego provimento ao recurso interposto pela demandada.

O Município de Novo Hamburgo, por sua vez, postula:

1) o afastamento da condenação por dano moral, ou pelo menos a minoração alegando ter a autora adquirido o imóvel quando já existia o cemitério no terreno vizinho. Além disso, refere: a) a autora não comprova o alegado dano moral; b) a perícia realizada através de um técnico ambiental concluiu pela regularidade do funcionamento do cemitério; c) não ser convincente a alegação da apelada no sentido de visualizar cerimônias fúnebres, pois passa a maior parte do tempo fora de casa, trabalhando.

2) Insurge-se contra a condenação que determinou a construção de um muro de plantação de árvores, sustentando a ausência de previsão legal que obrigue o Município a construir muro e fixe prazo para execução, pois pelos princípios de direito público estaria adstrito ao orçamento e ao próprio projeto de implantação. No caso de improvimento deste pleito, pretendem concessão de prazo de 180 dias para a realização da obra.

Por fim, 3) pretende a diminuição do quantum fixado à título de honorários, diante da singeleza da causa.

Passo à análise do recurso.

1) o afastamento da condenação por dano moral, ou pelo menos a minoração alegando ter a autora adquirido o imóvel quando já existia o cemitério no terreno vizinho. A pretensão de afastamento do dano moral fixado em primeiro grau ou a diminuição do seu valor sob o argumento de que quando a autora adquiriu seu imóvel, já existia o cemitério no terreno vizinho, não merece prosperar.

Um cemitério deve funcionar de forma regular, pelo menos não exalando cheiros, pois, na hipótese contrária, todos eles deveriam estar afastados de casas comerciais ou residenciais; o que se sabe, é inviável.

O fato de a demandante ter adquirido um bem lindeiro a um cemitério não significa que ela deverá aceitar constrangimentos em decorrência de funerais diários, nem suportar maus cheiros em dias quentes.

Há nos autos verificação da experimentação fática grave a oportunizar ao autor danos morais, “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”.

A perícia alegada pelo apelante, que não apontou cheiro forte, é prova isolada nos autos. O restante da prova, consubstanciada nos recortes de jornais, fls 264 e 282, no depoimento das testemunhas, fls. 336, 346, os quais deixo de transcrevê-los com o intuito de evitar tautologia, já que explicitados na sentença e de conhecimento das partes, demonstra o grave incômodo sofrido pela autora.

Portanto, embora não tenha a ora apelada direito à indenização pela desvalorização do imóvel, conforme razões acima explicitadas, ela deve ser ressarcida pelos danos sofridos e comprovados em virtude do funcionamento irregular do cemitério.

Não é jurídico o argumento apontado pelo apelante de não ser convincente a alegação da apelada no sentido de visualizar cerimônias fúnebres, pois passa a maior parte do tempo fora de casa, trabalhando. Ora, o funcionamento regular de um cemitério não deve depender da condição de existência ou não de pessoas em horários comerciais nos imóveis lindeiros.

2) A apelante insurge-se contra a condenação que determinou a construção de um muro de plantação de árvores, sustentando a ausência de previsão legal que obrigue o Município a construir muro e fixe prazo para execução, pois pelos princípios de direito público estaria adstrito ao orçamento e ao próprio projeto de implantação. No caso de improvimento deste pleito, pretendem concessão de prazo de 180 dias para a realização da obra.

Não merece provimento o recurso, também neste aspecto.

É incontroverso a previsão de construção de um muro e plantação de árvores no terreno pertencente ao Município. Porém, desde o início da ampliação do cemitério, já se passaram quase 15 anos, e o muro ainda não foi construído. Por estas razões, e também pelos danos causados aos moradores de imóveis vizinhos, voto por manter o determinado pela sentença.

Em relação aos honorários, mantenho a sentença, pois razoável o valor fixado, pois a causa é de complexidade mediana e o profissional foi zeloso em relação à causa.

Ante o exposto, nego provimento aos recursos, mantendo a sentença na sua integralidade.

DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ (REVISOR) – De acordo.

DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES – Presidente – Apelação Cível nº 70013716337, Comarca de Novo Hamburgo: “NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: DANIEL ENGLERT BARBOSA

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