Sociedades profissionais

Leia voto de Pertence sobre Cofins para sociedades profissionais

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1 de junho de 2006, 7h00

“Por se tratar de matéria constitucional, não poderia o Superior Tribunal de Justiça examiná-la em Recurso Especial, sob pena de usurpar a competência do Supremo Tribunal Federal.” O entendimento é do ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar extinta a isenção da Cofins para sociedades civis de profissões regulamentadas, como os escritórios de advocacia. O julgamento aconteceu no último dia 23.

Sua posição foi confirmada pela 1ª Turma do STF, que analisou recursos da União e do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Distrito Federal.

A União questionava súmula do Superior Tribunal de Justiça que mantinha a isenção e o sindicato alegava que a isenção, imposta por lei complementar, não poderia ser suspensa por lei ordinária, como havia reconhecido o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Ao revogar acórdão do STJ — favorável ao contribuinte —por considerar que a Corte invadiu função do STF, o relator Sepúlveda Pertence, acompanhado por unanimidade, derrubou indiretamente a súmula que sustentava a isenção.

Leia a íntegra do voto

23/05/2006 PRIMEIRA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 419.629-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

RECORRENTE(S) : SINDICATO DAS EMPRESAS DE SERVIÇOS

CONTÁBEIS ASSESSORAMENTO PERÍCIAS

INFORMAÇÃO E PESQUISAS DO DF – SESCONDF

ADVOGADO(A/S) : ANA PAULA PELOSO E SILVA MATOS E

OUTRO(A/S)

RECORRENTE(S) : UNIÃO

ADVOGADO(A/S) : PFN – LÚCIO CÂNDIDO DA SILVA

RECORRIDO(A/S) : OS MESMOS

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – RE, a, da entidade sindical contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que julgou legítima a revogação pela Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela Lei Complementar 70/91, uma vez que esta, formalmente complementar, é, materialmente, lei ordinária, no tocante à criação e disciplina da contribuição social prevista no art. 195, I, da Constituição.

O STJ deu provimento ao recurso especial interposto concomitantemente ao recurso extraordinário por entender que, em razão do princípio da hierarquia das leis, lei ordinária não tem força para revogar dispositivo de lei complementar.

Daí a interposição de RE pela União contra o acórdão do STJ, por entender que houve ofensa aos seguintes dispositivos constitucionais:

a) arts. 102, III, e 105, III, uma vez que a solução do conflito entre lei ordinária e lei complementar é questão constitucional, razão pela qual não poderia ter sido examinada pelo STJ em recurso especial;

b) art. 97, por ter havido declaração de inconstitucionalidade por órgão fracionário; e

c) arts. 146, 150, § 6º, e 195, I, para afirmar que a isenção do recolhimento da COFINS é matéria que poderia ser disciplinada por lei ordinária, razão pela qual a LC 70/91 podia ser revogada pela L. 9.430/96.

A entidade sindical formulou pedido de desistência do recurso extraordinário interposto contra o acórdão do TRF por entender que, com a decisão do STJ, teria ocorrido a perda de seu objeto.

Parecer da Subprocuradora-Geral da República Maria Caetana Cintra Santos pelo prejuízo do recurso extraordinário do sindicato e pelo provimento do recurso extraordinário da União.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator):

I

Não há falar em perda de objeto ou do interesse recursal no recurso extraordinário interposto pela entidade sindical.

É que, apesar da decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça, ainda não transitou em julgado o acórdão proferido no julgamento do recurso especial interposto concomitantemente ao recurso extraordinário.

Do mesmo modo, não é possível homologar o pedido de desistência do recurso extraordinário do Sindicato, fundado na decisão favorável proferida pelo Tribunal Superior.

II

Certo, esta Corte assentou no julgamento do RE 140.752, 10.02.1994, Pleno, Resek, ser incabível o RE para reexaminar a correção das premissas concretas de que haja partido a decisão do STJ, no recurso especial, se, em tese, correta.

Na ocasião, acentuei que, caso a decisão do STJ contivesse proposição contrária, em tese, aos pressupostos típicos de admissibilidade do recurso especial – definidos explícita ou implicitamente no art. 105, III, da Carta Federal -, seria cabível o extraordinário.

Esse entendimento foi posteriormente reafirmado por ambas as Turmas deste Tribunal: v.g. RE 273.351, 1ª T, 27.06.2000, Pertence; RE 202.668, 2ª T, 12.12.2000, Néri; e RE 208.775, 1ª T, 18.04.2000, Moreira.

No primeiro deles, consignei na ementa:


“Recurso extraordinário: hipótese de cabimento por contrariedade, pelo acórdão do STJ em recurso especial, do art. 105, III, da Constituição.

1. Não cabe recurso extraordinário fundado em violação do art. 105, III, para rever a correção, no caso concreto, da decisão do STJ de conhecer ou não do recurso especial.

2. Cabe, porém, o extraordinário se, para conhecer ou não do recurso especial, parte o acórdão do STJ de proposição contrária em tese aos seus pressupostos típicos de admissibilidade, definidos explícita ou implicitamente no art. 105, III, da Constituição.

3. Essa a hipótese quando se nega força de lei federal a diploma normativo que o tenha, qual o caso do Convênio ICMS 66/88 – que – por disposição expressa do art. 34, § 8º, ADCT – teve hierarquia de lei complementar, até que essa fosse editada, em tudo quanto necessário para tornar eficazes as inovações introduzidas na disciplina constitucional do ICMS pela Constituição de 1988.”

Ao deferir liminar na AC 346 afirmei que “o conflito entre lei complementar e lei ordinária não há de solver-se pelo princípio da hierarquia, mas sim em função de a matéria estar ou não reservada ao processo de legislação complementar”.

Por se tratar de matéria constitucional resolvida pelo TRF e, por isto, objeto do recurso extraordinário interposto pelo sindicato, não poderia o Superior Tribunal de Justiça examiná-la em recurso especial, sob pena de usurpar a competência do Supremo Tribunal Federal para o deslinde da questão (AI 145.589-AgR, Pertence, RTJ 153/684).

No caso, a questão constitucional – ou seja, definir se a matéria era reservada à lei complementar ou poderia ser versada em lei ordinária – é prejudicial da decisão do recurso especial, e, portanto, deveria o STJ ter observado o disposto no art. 543, § 2o, do C.Pr.Civil, verbis:

“Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

§ 1o (Omissis).

§ 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.”

Desse modo, passo ao exame do RE contra o acórdão do

TRF da 1a Região.

III

No julgamento da ADC 1, 01.12.93, o em. Relator, Ministro Moreira Alves ressaltou no voto condutor do acórdão – RTJ 156/721, 745:

“Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social.

Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4o do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes á contribuição social por ela instituída – que são o objeto desta ação -, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária.”

Este, o caso vertente, relativo a norma que – embora inserida formalmente em lei complementar – concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se a regime de leis federais ordinárias, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia ter revogado, como efetivamente revogou.

Nesse sentido – na trilha do precedente invocado da ADC 1 – a jurisprudência do Tribunal permanece sedimentada (v.g., ADInMC 2111, 16.03.00, Sydney, DJ 15.12.03; AR 1264, 10.04.02, Néri, DJ 31.05.02).

Na doutrina – e independentemente da discussão acerca de ser ou não de hierarquia a relação entre a lei complementar e a lei ordinária -, também se pode dar por pacificada a mesma conclusão da jurisprudência.


A lição vem desde a obra pioneira do saudoso Geraldo Ataliba1.

O mesmo se colhe na clássica monografia do douto Souto Maior Borges2.

Salvo uma passagem de Manoel G. Ferreira Filho – citada e acolhida por Alexandre de Moraes 3 – não encontrei discrepância de monta nos trabalhos mais modernos, a exemplo de Sacha Calmon4, e Humberto Ávila5 e, ao que me parece, em passagem incidente de Roque Carrazza6.

Portanto, não há falar em violação ao princípio da hierarquia das leis – rectius, da reserva constitucional de lei complementar – cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado às espécies normativas previstas na Constituição Federal.

Ressalto que o caso é diverso do que se discute na Rcl 2.475-AgR – efeito vinculante aos fundamentos de decisão proferida em ação de controle concentrado para o cabimento de Reclamação ao Supremo.

Esse o quadro, dou provimento ao RE da União (art. 557, § 1o-A, C.Pr.Civil) para anular o acórdão do STJ e determinar que outro seja proferido – adstrito a eventuais questões infraconstitucionais, aventadas -, e nego provimento ao RE do Sindicato (art. 557, caput, c/c 543, § 2o, do C.Pr.Civil): é o meu voto.

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator):

I

Iniciado o julgamento no dia 15.11.2005, o em. Ministro Marco Aurélio suscitou questão relativa à existência de recurso especial de decisão ainda não transitada em julgado no Superior Tribunal de Justiça.

Indiquei adiamento para a verificação do fato.

II

Conforme consta do relatório, são dois os recursos extraordinários em pauta: o primeiro fora interposto, simultaneamente com recurso especial, pelo Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informação e Pesquisas do DF – SESCON-DF contra o acórdão do TRF da 1a Região; o segundo, interposto pela União contra o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial do SESCON-DF, dando-lhe provimento.

Quando, no voto, não homologuei a desistência formulada pelo SESCON-DF, o fiz porque a decisão do STJ – favorável ao sindicato e invocada como fundamento da desistência – não havia transitado em julgado, em razão do recurso extraordinário interposto pela União, também objeto destes autos.

Prosseguindo na análise conjunta dos RREE, meu voto assim concluía por: (1) dar provimento ao RE da União para anular o acórdão do STJ por usurpação da competência do Supremo Tribunal e determinar que outro seja proferido, adstrito às questões infraconstitucionais aventadas; e (2) em razão da autorização contida no art. 543, § 2o, do C.Pr.Civil, desde logo negar provimento ao RE do SESCON-DF contra o acórdão do TRF da 1a Região, em razão da jurisprudência deste Tribunal sobre a questão constitucional do mérito.

Com essas considerações, reitero o voto proferido.

Notas de rodapé

1 Geraldo Ataliba: Lei Complementar na Constituição, ed. RT, 1971, p. 36 “A lei ordinária pode perfeitamente dispor sobre qualquer matéria não reservada à lei complementar, inclusive derrogando a espécie normativa, neste campo.

É que a lei complementar, fora de seu campo específico — que é aquele expressamente estabelecido pelo constituinte — nada mais é do que lei ordinária. A natureza das normas jurídicas — em sistemas positivos como o nosso, objeto de quase exaustivo tratamento constitucional — é dada conjuntamente pela forma (no caso, de elaboração) e pelo conteúdo. Este sem aquela não configura a entidade, da mesma maneira que aquela sem este. Só há lei complementar válida e eficaz, quando concorrem os dois elementos citados para configurá-la.

Faltando qualquer deles, não se tem a espécie. Na ausência da forma, não há lei complementar, nem nada. É nulo o ato. É nenhum.

Na falta de conteúdo o ato é existente, é válido, é norma mas não tem a eficácia própria da espécie: é mera lei ordinária”.

(…)

Efetivamente, se possível fora impedir à lei ordinária a disciplina de certa matéria, porque esta foi objeto de lei complementar, estar-se-ia modificando a Constituição, na parte em que, ao cuidar do processo legislativo, trata do quorum para deliberação.

Seria o mesmo que exigir quorum qualificado para aprovação de matéria própria de lei ordinária.

Importaria restringir os poderes normais do Congresso, contrariando a Constituição”.

2 José Souto Maior Borges: Lei Complementar Tributária, ed RT, 1975, p. 26: “Se a lei complementar (a) a invadir o âmbito material de validade da legislação ordinária da União, valerá tanto quanto uma lei ordinária federal. Sobre esse ponto não há discrepância doutrinária. A lei complementar fora do seu campo específico, cujos limites estão fixados na Constituição, é simples lei ordinária. Sem a congregação dos dois requisitos estabelecidos pelo art. 50 da Constituição, o quorum especial e qualificado (requisito de forma) e a matéria constitucionalmente prevista como objeto de lei complementar (requisito de fundo). Contudo, se não ultrapassar a esfera de atribuições da União, o ato legislativo será existente, válido e eficaz. Só que não estará submetido ao regime jurídico da lei complementar — inclusive quanto à relativa rigidez — mas ao da lei ordinária, podendo conseqüentemente ser revogada por esta”.

3 Alexandre de Moraes – Direito Constitucional, Atlas, 17ª ed, p. 595.

4 Sacha Calmon Navarro Coelho: Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 8ª ed, p. 105: Se “[a lei complementar] porventura cuidar de matéria reservada às pessoas políticas periféricas (Estado e Município), não terá valência. Se penetrar, noutro giro, competência estadual ou municipal, provocará inconstitucionalidade por invasão de competência. Se regular matéria da competência da União reservada à lei ordinária, ao invés de inconstitucionalidade incorre me queda de status, pois terá valência de simples lei ordinária federal”.

5 Humberto Ávila: Sistema Constitucional Tributário, Saraiva, 2004, p. 133: “(…) pode a lei ordinária revogar uma lei complementar? Se houver hierarquia necessária ente as fontes, não. Se não houver e for um caso em que inexiste a hierarquia, sim. Como já referido, neste trabalho, segue-se o entendimento no sentido de que não há hierarquia necessária entre a lei complementar e a lei ordinária. Mas não sendo esse o caso, se o legislador escolheu a lei complementar como instrumento para regular determinada situação de fato sem que a Constituição o exigisse, na verdade a lei complementar exerce função de lei ordinária e como tal preenche a sua função eficacial”. O autor invoca, em seguida, a passagem antes transcrita do Ministro Moreira Alves na ADC 1, o que mostra que, mesmo à vista de sua lúcida distinção, não há por que cogitar de hierarquia entre a LC 70/91 – no que institui a Cofins e estabelece hipóteses de isenção nela – e as leis ordinárias que validamente a alteraram.

6 Roque Antônio Carraza: Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, 21ª ed, p. 872.

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