Animus Jocandi II

Juiz rejeita ação de colega que se ofendeu com crítica à Justiça

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30 de julho de 2006, 23h33

Angeli
FHC telefona para juízes - por AngeliAssim que terminou o carnaval de 2000, quando fervia no Congresso a CPI do Judiciário — que levaria à prisão o juiz Nicolau dos Santos Neto — o cartunista Angeli tentou capturar o espírito daquele momento com uma charge intitulada “Bloco dos Sujos”. O Planalto acabava de fixar um aumento salarial para a magistratura.

Em dois quadrinhos, o desenhista imaginou um telefonema entre o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e um grupo de juízes: “Mas me diga, como está o carnaval aí?”, perguntava FHC. Do outro lado da linha, de toga e martelo na mão, cercado de colegas, um juiz respondia: “Ahhh, está que é um luxo só”.

Não chegou a ser uma sacada à altura da genialidade do artista, nem mais picante que a saraivada de acusações patrocinadas por governistas que tentavam desviar a atenção das maracutaias de então para uma campanha contra o sistema judicial do país. A CPI, aliás, fora um palco artificial, uma cortina de fumaça dessas que os políticos matreiros sabem criar quando a situação fica preta para o lado deles.

Alguns juízes resolveram se insurgir contra o humor de Angeli e processaram a Folha de S.Paulo pedindo reparação por danos morais. Pouco tempo depois, uma irônica coincidência colocaria três dos juízes processantes numa situação incômoda. Rocha Matos, Casem Mazloum e Adriana Pillegi Soveral não só tiveram seu pedido de reparação negado, como se tornaram alvo não de jornalistas, mas da própria Justiça.

Na semana passada, o juiz Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva, do Juizado Especial Cível de Pinheiros, em São Paulo, invocou o entendimento adotado no caso da charge de Angeli para decidir um caso semelhante: o pedido de um juiz trabalhista que se indignou com a publicação de uma breve nota na revista Exame. A curta notícia falava de um encontro de juízes do Trabalho, promovido em Angra dos Reis, nos dias que antecederam o feriado de finados. Despretensiosa, a nota falava o óbvio. Fazia a contraposição entre uma Justiça mergulhada na morosidade e um cenário nacional cheio de feriados emendados, férias e eventos realizados em dias úteis.

O demandante, no caso, é o atual presidente da associação dos juízes trabalhistas de São Paulo, Gabriel Lopes Coutinho Filho, professor em três escolas, dirigente classista que reside fora de sua comarca — condição que ostentava ao menos à época em que ajuizou sua queixa. O juiz de Pinheiros considerou improcedente seu pedido de reparação por não divisar dano individualizado ao autor, já que a “crítica” se destinaria ao sistema e não a ele, especificamente. Esta foi a segunda ação, por conta da mesma notícia, que o Judiciário considera improcedente. A defesa tem a assinatura do escritório Lourival J. Santos Advogados. Há mais um pedido de indenização pela suposta ofensa a ser examinado em primeiro turno. As partes derrotadas anunciam que recorrerão.

Suspeitas e queixas

Apesar de o conflito ter sido resolvido de plano, duas questões paralelas foram suscitadas incidentalmente no julgamento. Uma foi o fato de o jornalista Márcio Chaer, que à época editava a coluna Leis & Negócios da revista Exame, ser diretor deste site — que publicou notícia a respeito de um dos processos em questão, o que desatendeu a também juíza Liane Casarin Schramm. Este no Fórum da Vila Mariana.

Para o advogado dos três reclamantes, Júlio Casarin, não pareceu ético este site, que tem à sua frente o acusado no caso, ocupar-se do assunto, já que, tendo o poder de apresentar os fatos à sua maneira, seria favorecido. O que se respondeu ao advogado foi que, até prova em contrário, a imprensa é um espaço democrático do qual todos os interessados podem se valer.

A revista Exame, publicação reconhecida pelo seu profissionalismo, não só oferece sua seção de Cartas, como não costuma negar direito de resposta a quem resposta tem para dar. Um direito que os queixosos jamais exerceram. Este site, por sua vez, não apenas oferece a todos seus leitores um espaço livre para comentários dos interessados, como se dispõe, prazerosamente, a publicar no espaço editorial o contraditório que lhe for oferecido. Também esse direito jamais foi exercido pelos supostos interessados, que foram à Justiça pedir uma determinada quantia para saciar sua honra.

Outro fato incidental foi levantado pelo juiz Carvalho Silva. Segundo ele, cerca de dois meses antes da data do julgamento, o julgador teria sido procurado por uma jornalista de nome Juliana, que a ele se apresentou como repórter da revista Exame. O propósito teria sido a questão examinada pelo STF sobre a aplicabilidade do Código do Consumidor na área bancária. Mas intrigou também ao juiz outra coincidência: poucos dias antes ele teria sido procurado por uma repórter do site Consultor Jurídico em busca de informações para uma outra notícia.

Duas coincidências que o juiz considerou relevantes citar no contexto do julgamento. Sem dúvida são. Submetidas a Chaer, o que se respondeu é que o profissional desligou-se de Exame há mais de um ano e que a redação do site Consultor Jurídico entrevista, diariamente, dezenas de juízes, advogados e integrantes do Ministério Público. Ademais, por se localizar a menos de 50 metros do Fórum de Pinheiros, o site não discrimina os juízes do local pela proximidade ou eventualidade de causas em que está envolvido. Nem a parte nem seus advogados sabiam que do processo estava incumbido o magistrado. Contudo, ninguém poderá ignorar que a coincidência seja instigante. Por mais que a Editora Abril e este site, no seu ofício, para produzir suas notícias, busquem informações onde elas estiverem.

Ponderado e sereno, contudo, o juiz de Pinheiros ressalvou que, embora tenha achado estranha a coincidência, afirmou não poder fazer ilações nem imputar a um conjunto eventual de jornalistas trama urdida para influir num processo — da mesma forma que, no caso dos juízes demandantes, não considerou justo dar razão à reclamação individualizada.

Com sobriedade, proferida a sentença e feita a ressalva em relação aos fatos que considerou estranhos em torno do processo (as entrevistas), o juiz deu por publicada a sentença e aproveitou para “homenagear as pessoas ilustres aqui presentes, juízes e jornalistas que ajudam a construir a democracia no país”. E encerrou a sessão.

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