Solução caseira

Entrevista: desembargador Sidnei Beneti

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30 de julho de 2006, 7h00

Benetti - por SpaccaSpacca" data-GUID="benetti.png">O Judiciário não precisa de mais dinheiro nem de novas leis para dar cabo das pilhas de processos parados nos gabinetes de juízes — pelo menos no que toca ao aspecto da celeridade. A Justiça brasileira precisa racionalizar o serviço de forma que questões idênticas não tenham que ser apreciadas milhares de vezes como se fosse a primeira vez que o caso chega ao Judiciário.

É o que defende o presidente da seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Sidnei Beneti, que pretende implantar na seção que comanda um sistema de remissão, baseado em uma jurisprudência sólida que dê solução prática aos milhares de processos repetitivos que entopem o tribunal.

Segundo Beneti, dois terços das ações da seção de Direito Público remotam a índices de reajuste dos planos econômicos, em que a questão é basicamente a mesma. Por isso, ele defende a adoção de acórdãos muito bem fundamentados e completos que sirvam como uma matriz para serem usados como resposta para todos os recursos iguais, mediante análise cuidadosa dos casos. Pelo derivativo dessa fórmula, pode-se chegar a acórdãos igualmente completos para padronizar a solução de ações corriqueiras.

A idéia é a de que cada grupo de ações seja discutido pelo Pleno da seção para se chegar a uma redação única sobre o assunto. Os casos semelhantes receberão o mesmo acórdão, o que economizará tempo nas questões já pacificadas e liberará os desembargadores para se dedicar às questões mais complicadas.

Nesta entrevista à revista Consultor Jurídico, Beneti afirmou que, em razão da lentidão, “a magistratura paulista não tem expressão na formação da jurisprudência nacional”. O fenômeno decorre da demora com que as soluções formuladas em São Paulo cheguem a Brasília, já que um recurso do estado leva mais de cinco anos, desde sua apresentação, para chegar ao STJ ou ao STF — exceto na discussão de liminares, claro.

O desembargador também considera que a reforma do Judiciário contribuiu muito pouco para a celeridade do processo. Mas ressaltou que considera positiva obrigação de eleger metade dos membros do Órgão Especial dos tribunais. “Essa determinação vai trazer lideranças novas que querem mudar as coisas dentro do tribunal.”

Beneti se formou na faculdade de Direito da USP em 1968 e começou sua carreira na magistratura em 1972. Além de presidir a seção de Direito Público do TJ paulista, ele comanda hoje a União Internacional de Magistrados – órgão composto por 69 países. A entidade defende os intereses do Judiciário e da magistratura no mundo e se reúne anualmente para estudar os movimentos da Justiça e da jurisprudência mundial.

Para o desembargador, as soluções para a lentidão e outros problemas da Justiça estão prontas. Basta o Brasil estudar com seriedade exemplos de outros países. “Ficar batendo cabeça para descobrir quais as soluções sem olhar o que já foi feito no mundo é perda de tempo.”

Leia a entrevista

ConJur — Quais são as atribuições da seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo?

Sidnei Beneti —Na seção de Direito Público são discutidas todas as questões atinentes ao poder público, que abrange o estado em todos os seus setores. Aí estão incluídos municípios e seus entes paraestatais, como empresas públicas e autarquias. Também se discutem algumas questões que teriam natureza privada, mas envolvem contratos públicos. É o caso das questões do Metrô, por exemplo: uma empresa privada sujeita à disciplina dos negócios jurídicos públicos. A seção cuida também de questões de acidente de trabalho, porque as ações são contra o INSS, e de toda parte dos tributos.

ConJur — Que tipo de demanda é a maior?

Sidnei Beneti — Grande parte das questões é de funcionários públicos. No caso dos professores, por exemplo, sempre ocorrem alterações no sistema de ensino que provocam modificações nos direitos do professor, como atribuições de aulas, afastamento. As grandes questões que envolvem funcionários são as salariais, principalmente em decorrência da inflação e dos seguidos planos econômicos brasileiros. Não podemos comparar o cenário brasileiro com nenhum outro do mundo, porque os outros países não tiveram a quantidade de planos econômicos que nós tivemos. Isso aumentou consideravelmente o número de processos. Também as questões tributárias e acidentárias são numerosíssimas e repetitivas.

ConJur — Do total de processos que estão hoje na seção, quantos foram provocados pelos planos econômicos?

Sidnei Beneti — Pelo menos dois terços dos processos. Qualquer processo que envolve a obrigação de pagar é complicado porque não cabe apenas decidir quem paga e quanto paga, mas saber como é que se corrige esse valor depois. Os planos se sucederam, os índices não estão pacificados até hoje e sobra para o Judiciário dizer o que se deve pagar. E mesmo depois de estipulado o pagamento, como há demora em depositar o precatório, tudo é calculado de novo. E isso não termina nunca.


ConJur — Qual a estrutura da seção de Direito Público?

Sidnei Beneti — Hoje, são 85 desembargadores [o TJ paulista tem cerca de 360 no total], divididos em 17 câmaras. Talvez este número se altere, já que os juízes do Órgão Especial voltarão a atuar nas câmaras, como foi decidido recentemente. O primeiro grupo de câmaras cuida das questões que envolvem funcionários públicos, responsabilidade administrativa de prefeitos, ações de inidoneidade administrativa, contratos administrativos e questões tributárias. O segundo grupo analisa as questões de tributos municipais, como impostos, taxas e contribuições de melhoria para todos os 645 municípios do estado de São Paulo. E o terceiro grupo de câmaras cuida das ações acidentárias. Os desembargadores têm que conhecer a legislação de todos os municípios de São Paulo, já que cada um tem suas normas. São leis diferentes de ISS, de taxas como as de iluminação pública, de lixo, de calçamento…

ConJur — Esse cipoal legal não atrapalha os desembargadores e, conseqüentemente, contribui para a lentidão processual?

Sidnei Beneti —Isso contribui para a quantidade de processos, mas não é um problema para os desembargadores porque eles estudam a legislação e o direito municipal precisa vir demonstrado nos autos. Todo o problema da lentidão da Justiça brasileira se resume ao número de ações.

ConJur — O Brasil vive um processo de judicialização da vida, em que todos os tipos de conflitos acabam nas mãos da Justiça. O que o senhor acha disso?

Sidnei Beneti —Se os processos fossem poucos e, ao se decidir uma vez sobre o assunto, ele ficasse pacificado, seria normal que todas as questões passassem pelo Judiciário. O problema é que a mesma discussão é analisada em processos diferentes, por julgadores diferentes. Isso gera divergência jurisprudencial, que faz aumentar ainda mais a quantidade de recursos. E essas questões só vão se resolver no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.

ConJur — E mesmo no STJ e no STF há divergências nas decisões.

Sidnei Beneti — Sim. Mas existem maneiras de fazer com que os efeitos das decisões se propaguem e outros casos não cheguem a juízo. Esses mecanismos já são aplicados em outros países. Por exemplo, nos Estados Unidos e Inglaterra há uma separação dos casos que chegam. Então, eles julgam um caso e os outros casos semelhantes esperam. Uma vez decidido aquele caso escolhido, ele se torna o que se chama de leading case. Formada a decisão do leading case, os demais não se decidem, porque a questão já está decidida. Não é a Súmula Vinculante, porque o juiz não é obrigado a seguir. Só que o juiz segue mesmo sem ser obrigado, porque ele sabe que os casos futuros serão decididos daquela maneira.

ConJur — Esse mecanismo usado nos Estados Unidos e na Inglaterra pode ser comparado ao que chamamos aqui de Súmula Impeditiva de Recursos?

Sidnei Beneti — É mais ou menos o mesmo pensamento, mas não é súmula. Editar uma súmula é fazer um enunciado que é um resumo do julgamento. No Direito americano não há esse enunciado. O que foi decidido gera um acórdão com muitas páginas, que é aplicado somente a outros casos exatamente iguais. O resumo é perigosíssimo porque nem sempre ele espelha todas as nuances do caso. O maior exemplo disso foi uma decisão americana sobre o aborto, que demorou quase dez anos para chegar ao fim na Suprema Corte. Evidentemente, a criança que estava em jogo na ação nasceu, mas não arquivaram o processo por perda de objeto porque era uma questão importante para a sociedade americana, era importante discutir a tese para aplicá-la a casos futuros. No nosso sistema, os juízes teriam arquivado o processo por perda de objeto.

ConJur — A idéia de escolher um caso-modelo para ser julgado, como nos EUA e na Europa, seria semelhante à idéia de jurisprudência estável que o senhor quer aplicar no TJ paulista?

Sidnei Beneti — Sim. Criar uma jurisprudência estável é simples e aceleraria os julgamentos no tribunal. Primeiro, é preciso facilitar a redação dos julgamentos nas questões repetitivas e que são absolutamente pacíficas. Naquelas em que ninguém julga mais de modo diferente, que o estado já sabe que vai perder, mas mesmo assim recorre.

ConJur — O senhor diria que o estado pratica litigância de má-fé?

Sidnei Beneti —É uma litigância procrastinatória.

ConJur — Como funcionaria essa idéia de se valer de uma única redação para as questões repetitivas?

Sidnei Beneti —Cada desembargador recebeu 1,5 mil processos quando entrou em vigor a Emenda da Reforma do Judiciário, que estabeleceu que todos os processos tinham que ser distribuídos. Essa enorme quantidade de processos não pode ser levada para o gabinete de cada desembargador. Então, a idéia é fazer uma triagem dos casos repetitivos. E, para esses casos repetitivos, o Pleno da seção de Direito Público deve discutir a questão e redigir um acórdão que seja aceito por todos. Se houver divergências grandes, continua-se discutindo o assunto nas câmaras. Mas se for absolutamente pacífico, é o caso de se harmonizar a redação desses acórdãos. Depois, o acórdão redigido vai para uma assessoria avançada que passa a produzir este texto padrão para todos. Os acórdãos iguais para questões repetitivas também terão recursos muito semelhantes. Então, quando o processo for para o STJ ou para o STF, a questão também chega uniformizada. Tudo fica mais ágil.


ConJur — As questões repetitivas tomam um tempo imenso dos tribunais, não?

Sidnei Beneti — Sim. Sem elas, o tribunal podia dedicar o seu tempo para temas muito mais difíceis, como improbidade administrativa, contratos administrativos, licitações.

ConJur — Como se dá a formação de jurisprudência no Brasil?

Sidnei Beneti — A única jurisprudência segura no Brasil é aquela que vem dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, depois de terminado todo o debate. Jurisprudência é muito diferente de precedente. Cada julgado é um precedente. A jurisprudência é o conjunto de todos os julgados em determinado sentido. E eles formam com mais segurança um entendimento sobre o assunto. O problema é que o Judiciário brasileiro não forma com freqüência um entendimento pacificado. Nós seguimos um sistema parecido com o italiano. Os julgados dos tribunais italianos, no dizer do grande processualista Michelle Tarufo, são como uma loja de departamentos em que você pode escolher o produto do jeito que você quer, de várias marcas e modelos.

ConJur — Essa falta de entendimento pacificado dentro dos tribunais faz o segundo grau de jurisdição se transformar em quinto grau de jurisdição.

Sidnei Beneti —Exatamente. E se contarmos os recursos internos o processo fica praticamente interminável. Existe o julgamento da apelação, depois tem o julgamento dos embargos. Se não for unânime, pode ter embargos infringentes. Aí, se alguma outra câmara do tribunal julgou de um modo diferente, pode ter um pedido de uniformização de jurisprudência. Na uniformização de jurisprudência pode ter embargos de dois tipos, de novo. A parte ainda tem pelo menos 15 dias para recorrer depois que o advogado foi intimado. E depois mais 15 dias para outro responder. Se for a Fazenda Pública, tem prazo em dobro…

ConJur — Há um projeto de lei que quer acabar com este prazo em dobro para a Fazenda Pública.

Sidnei Beneti — Seria bom padronizar esses prazos. O prazo em dobro só fazia sentido na época em que a Fazenda Pública não era preparada para responder rápido. Hoje em dia está tudo informatizado, a Fazenda Pública tem condições melhores do que o Judiciário. Os procuradores de estado e do município são bons advogados.

ConJur — O que falta para essa idéia de jurisprudência estável ser concretizada aqui em São Paulo, por exemplo?

Sidnei Beneti — Como as câmaras ainda estão em processo de mudança, com os desembargadores do Órgão Especial voltando a atuar nelas, não posso agora marcar uma sessão plenária de Direito Público. Eu preciso de uma sessão plenária em que todos estejam presentes ou pelo menos tenham sido convocados, para ouvir a todos. Desde que se mexeu na fusão dos tribunais, nós nunca mais soubemos quem estava num lugar, quem estava em outro…

ConJur — O que o senhor achou da fusão do TJ paulista com os tribunais de Alçada?

Sidnei Beneti — Para fazer o processo andar, não alterou nada. Pelo contrário, só complicou. Porque aquilo que estava em cada um dos tribunais de alçada, por exemplo, estava registrado com um sistema de informática. Aí, juntou tudo e passou a ter quatro ou cinco sistemas de informática que precisam funcionar juntos e não funcionam. Como não havia espaço físico suficiente, o tribunal também passou a ter uma multiplicidade de endereços, cada desembargador tem seu gabinete em um local, o que dificultou o trabalho de distribuição de processos.

ConJur — Mas esses problemas decorrentes da fusão dos tribunais são causados por falta de organização, não pela fusão… Não é melhor concentrar as questões de segunda instância em um único lugar do que espalhar em outros dois tribunais?

Sidnei Beneti — Também acho que este é um problema de organização e que será resolvido um dia, mas por trás dos processos estão as vidas das pessoas envolvidas e que sofrem ainda mais com esse período de adaptação, porque o andamento dos processos ficou ainda mais prejudicado. Nós tínhamos um problema que era a quantidade muito grande de processos em cada um dos tribunais, e isso se multiplicou neste momento em que juntamos toda a estrutura.

ConJur — A Emenda Constitucional 45 não observou a realidade da Justiça de São Paulo?

Sidnei Beneti — Nesse ponto não. A fusão não era necessária. Necessário era resolver a questão de juízes de muita qualificação, como são os que vieram dos tribunais de alçada, e que não tinham acesso ao cargo mais alto da carreira. E também era necessário distribuir os processos de São Paulo que estavam paralisados em cada um dos tribunais. Agora, unificar a estrutura cria uma complicação. É como se de hoje para amanhã todas as estradas de São Paulo não fossem as mesmas ou se invertessem todas as mãos de ruas da cidade. Passado um tempo, pode ser que o plano seja muito bom e fique tudo muito melhor, mas enquanto ele é implantado é uma calamidade.


ConJur — A união dos tribunais prejudicou o andamento dos processos na seção de Direito Público?

Sidnei Beneti — Apesar de tudo, a seção já está andando um pouco mais. Estamos julgando mais processos do que recebemos. E se conseguirmos fazer o julgamento dos processos repetitivos de forma acelerada, vamos desafogar a seção. O que eu quero é deixar de utilizar a uniformização da jurisprudência em prol de um outro instituto que se chama assunção de competência. Quero implantar a idéia do fast track do recurso, em que os desembargadores examinam uma questão nova e, se houver consistência no entendimento, este vai ser seguido por todos. Mas não vai ser obrigado a seguir, porque não é vinculante.

ConJur — E com a renovação natural dos quadros, se o desembargador não quiser seguir o entendimento pacificado pelos outros é só levantar a questão…

Sidnei Beneti — É isso. Ele só vai decidir seguindo o entendimento pacificado se estiver de acordo. Se essa idéia for possível na seção de Direito Público do TJ, que tem 85 desembargadores e 20 substitutos, imagine no Supremo e no STJ. Poderiam eliminar as questões repetitivas em pouco tempo.

ConJur — Ficaria parecido com o procedimento adotado pelos Juizados Especiais?

Sidnei Beneti — Mais ou menos. Porque não vai ser uma ementa, mas um julgado com todos os detalhes e que só poderá ser aplicado em casos completamente semelhantes. Se essa idéia já estivesse em prática na época em que houve o bloqueio de contas e ativos patrimoniais no Plano Collor, por exemplo, milhares de processos poderiam ter sido resolvidos de uma vez só. É só pegar um processo como modelo e todo o tribunal decidir. Só o caso que trouxer um novo argumento deverá ser analisado. O que se chama de lide, tema jurídico que já vem dentro de cada processo, deve ser enfocado como macro-lide, quando os temas são exatamente iguais, mas vêm em vários processos diferentes.

ConJur — O senhor tem conversado com outros desembargadores da seção sobre essa idéia ?

Sidnei Beneti — Sim. E há boa receptividade. Precisamos concretizar isso em uma reunião com todos os desembargadores da seção, o que sempre é difícil. Mas está chegando a um ponto em que não tem outra solução, porque o tribunal já está entupido de processos.

ConJur — Se mais de dois terços dos processos da seção de Direito Público se deve aos planos econômicos, ao isolar as ações repetitivas o tribunal sairia do atraso rapidamente.

Sidnei Beneti — E não teríamos problemas futuros, já que as pessoas poderão calcular o que pode acontecer. Os julgamentos ficam mais previsíveis. O Direito Público tem muitos casos repetitivos, como no caso de impostos e benefícios previdenciários. Mas essa idéia pode ser aplicada em outros tribunais. Por exemplo, no caso de progressão de regime para condenados por crimes hediondos. Até que se pacificasse o entendimento do STF de que é possível a progressão, cada tribunal, cada juiz de primeira instância, entendia de uma maneira. O Judiciário brasileiro deveria alterar isso. E eu estou dando a minha colaboração buscando uma forma de alterar. A Reforma do Judiciário viu outra forma, que é a Súmula Vinculante.

ConJur — A Reforma do Judiciário trouxe mais celeridade para o processo?

Sidnei Beneti — Contribuiu pouca coisa para a celeridade do processo, mas alterou bastante o modo de ser do Judiciário. A eleição de metade dos membros do Órgão Especial dos tribunais, por exemplo, representou uma abertura muito grande do Judiciário e contribuiu para a vitalidade do órgão. Essa determinação vai trazer lideranças novas que querem mudar as coisas dentro do tribunal. Outra grande vantagem trazida pela reforma é a distribuição de todos os processos.

ConJur — Que outros exemplos temos para agilizar o julgamento de ações?

Sidnei Beneti — O Brasil não inventou os problemas e não vai inventar soluções. As soluções sobre esse tema já foram inventadas no mundo. Por isso, ficar batendo cabeça para descobrir quais as soluções sem olhar o que já foi feito no mundo é perda de tempo. Só tem dois caminhos para resolver problema de quantidade de recursos. O primeiro é um sistema para tribunais pequenos, como ocorre na Inglaterra e nos Estados Unidos. Como ele é pequeno, só tem uma decisão possível. A Corte Suprema dos Estados Unidos só tem nove julgadores. Os nove estudam tudo e julgam tudo. E como são sempre eles que julgam, há uma estabilidade muito grande, até porque o cargo é vitalício. Como são sempre eles, sabe-se que vão durar muito tempo, todo mundo começa a fazer os negócios em função de como se decide na Corte.

ConJur — Qual é o outro caminho?

Sidnei Beneti — É o dos tribunais grandes. O grande exemplo é o tribunal alemão, que tem mais de uma centena de juízes. Lá eles são divididos em competências pequenas, as câmaras especializadas, e um juiz não julga o processo do outro. Esses dois modelos dão estabilidade jurídica. Temos que optar por um dos dois caminhos. Ou tribunais pequenos que julgam tudo sempre, como é basicamente o sistema anglo-americano: Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, algumas províncias do Canadá. Ou então tribunais grandes, mas divididos por competências sem que haja superposição. Por isso, aqui no Tribunal de Justiça paulista se fez uma câmara de falências. A proposta de criação foi minha e eu dei o parecer para o tribunal criar uma câmara, e apenas uma. Porque quando há a criação de uma segunda câmara, uma diverge da outra e é preciso criar uma terceira para desempatar. Depois foi criada no tribunal a câmara especializada na área ambiental e agora se pensa em criar uma empresarial. Há a reivindicação de alguns para criar uma câmara para a família. Eu criaria uma para a execução penal também.


ConJur — Com a criação de câmaras especializadas, o Brasil estaria mais próximo do modelo alemão?

Sidnei Beneti — Sim. No Tribunal de Justiça temos 356 desembargadores e mais uns 80 substitutos. O estado de Nova Iorque, se contar com a Corte Suprema Estadual, que corresponde ao Tribunal de Justiça, o número de membros não chega a 40. Mesmo com uma litigância maior que a brasileira, em conseqüência da maior movimentação de dinheiro, o sistema depura. Não deixa transformar cada questão individual em uma questão a ser julgada separadamente.

ConJur — Essas modificações que o senhor propõe necessitam de dinheiro para serem implementadas?

Sidnei Beneti — Não. Nem de novas leis. Dinheiro é para comprar materiais, sustentar os funcionários, e nada mais. O pessoal que trabalha no tribunal já é suficiente para fazer isso. É apenas uma questão de racionalizar os meios disponíveis e evitar atividades inúteis para não perder tempo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a Súmula Vinculante?

Sidnei Beneti — A Súmula Vinculante vai ser útil no primeiro momento porque há muitos processos no STF e no STJ. Mas, para outros momentos, não resolve muito porque os advogados vão achar uma outra maneira de recorrer e de contornar essas súmulas. O advogado habilidoso, no lugar de ter um texto de lei para argumentar, vai ter dois com o da súmula.

ConJur — Para desafogar o Supremo, a ministra Ellen Gracie tem falado do instituto da repercussão geral. O que o senhor acha dessa idéia?

Sidnei Beneti — É uma idéia que se pratica no mundo todo. Os ministros escolhem o que querem julgar. A Justiça anglo-americana tem recuso constitucional para isso e em reuniões eles decidem o que vai formar processo para ser julgado. As cortes alemãs também fazem isso de forma diferente. Os processos passam por uma comissão de triagem composta por três ministros e, se um resolve conhecer o assunto, prossegue o processo. Mas se unanimidade o rejeita, o processo não prossegue e não cabe recurso. Para isso, levam em consideração a lei, a Constituição e a necessidade que a sociedade tem de que seja feito um julgamento sobre aquele assunto.

ConJur — A jurisprudência do Tribunal de Justiça paulista demora um tempo imenso para ser formada e acaba chegando atrasada ao Supremo. Isso não faz com que a magistratura paulista seja desprestigiada?

Sidnei Beneti — A magistratura paulista não tem expressão na formação da jurisprudência nacional. Esse foi um dos meus argumentos na criação da Câmara de Falências. A câmara é muito boa, tem grandes desembargadores e realmente julga depressa. Com a lei nova, nós não queríamos que as questões negociais de São Paulo ficassem para depois. A Justiça paulista tem demorado tanto para julgar que analisa hoje casos como o de uma professora que tinha o direito de escolher o horário das aulas há quatro anos atrás ou de um aluno que, há muitos anos, foi reprovado por faltas. Não faz sentido.

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