Lista de adoção

Justiça manda casal devolver bebê para mãe biológica no RS

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26 de julho de 2006, 14h23

A lista de adoção deve ser respeitada, mesmo que a mãe biológica já tenha entregado o bebê para um casal. O entendimento é da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores negaram Agravo de Instrumento para que fosse mantida a guarda de uma criança em favor do casal autor da ação até o julgamento definitivo da causa. Cabe recurso.

A 8ª Câmara Cível manteve decisão de primeira instância. O juízo da comarca de Nova Petrópolis mandou o casal devolver o bebê à mãe biológica.

Como não conseguiram cumprir a determinação, eles foram obrigados a cumprir a adoção na forma legal. No TJ gaúcho, o casal alegou que está devidamente habilitado, possui qualificação e possibilidade de proporcionar pleno desenvolvimento à criança. Informou que, no dia do nascimento, a mãe biológica, por vontade própria, entregou a menina e que tal atitude não poderia ser desconsiderada.

Para o relator, desembargador José Trindade, embora a lista de adoção, prevista no artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não seja absoluta, ela só não pode ser observada em situações excepcionais. “No caso, não se estabeleceu em tão pouco tempo (dois meses) o vínculo afetivo já consolidado a caracterizar uma situação excepcional, onde o melhor interesse do menor devesse se sobrepor à observância da ordem do registro de pessoas interessadas na adoção”, analisou.

Segundo o desembargador, o objetivo das regras é preservar o interesse da criança e do adolescente. Devem ser garantidos, por critérios democráticos, que sejam adotados por pessoas que previamente demonstraram preencher os requisitos e que, em nome do respeito à lei, aguardam ansiosamente a sua vez.

Os desembargadores Antonio Carlos Stangler Pereira e Rui Portanova acompanharam o relator.

Processo 70011921574

Leia a íntegra da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOÇÃO. DEVOLUÇÃO DA CRIANÇA À MÃE. INOBSERVÂNCIA DA LISTA DE ADOTANTES.

Ainda que os agravantes estejam habilitados e o bebê lhes tenha sido entregue pela própria mãe (que concorda com a adoção), descabe a inobservância da ordem da lista de adotantes, a qual só se justifica em situações excepcionalíssimas não caracterizadas no caso, onde o vínculo afetivo consolidado não se evidencia. Precedentes.

Agravo de instrumento desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE) E DES. RUI PORTANOVA.

Porto Alegre, 07 de julho de 2005.

DES. JOSÉ S. TRINDADE,

Relator.

RELATÓRIO

DES. JOSÉ S. TRINDADE (RELATOR)

Ação. Trata-se de ação de destituição do poder familiar, cumulada com pedido de adoção.

Partes. Agravantes: xxx.

Agravada: xxx.

Decisão recorrida. A decisão de fls. 49/50 determinou a intimação dos autores/recorrentes para que comprovem a devolução da criança à mãe biológica, com a participação do Conselho Tutelar de Rosário do Sul, e este fará o devido comunicado o juízo de Nova Petrópolis, ou, na impossibilidade da devolução, apresentem a criança a este juízo de forma a ser encaminhada a adoção na forma legal, seja convocando-se os habilitados para adoção em Rosário do Sul, sejam os habilitados em Nova Petrópolis.

Objeto

Agravo de instrumento com pedido de manutenção da competência para julgar o feito o juízo da Comarca de Nova Petrópolis, bem como seja mantida a guarda da menor em favor dos agravantes, até o julgamento definitivo da causa.

Razões recursais

Alegam os insurgentes que estão devidamente habilitados para adoção, conforme cópia do processo acostado aos autos. Informam que a criança nasceu em 24/04/2005, sendo que no mesmo dia a mãe biológica, por vontade própria, lhes entregou a menina. Sustentam que a manifestação de vontade da mãe biológica foi livre e com autenticidade certificada em Tabelionato. Noticiam que consta na declaração que a mãe renuncia ao poder familiar, em favor de ambos os recorrentes, e, que ela está à disposição do juízo para ratificar os termos do instrumento.

Assinalam que o pai da criança é desconhecido, em face de omissão do nome na certidão de nascimento da infante, bem como não existe investigação oficiosa de paternidade, visto que a mãe não conhece o pai da menina, tampouco informou a sua identidade. Salientam que o foro competente para processar e julgar a demanda é o do domicílio dos responsáveis pela criança, conforme o disposto no art. 147, inc. I do ECA, qual seja a Comarca de Nova Petrópolis. Colaciona jurisprudência. Mencionam o art. 28 do ECA, assim como o art. 1.621 do CC.

Referem que não se pode em nome da ordem estabelecida pela listagem de adoção, desconsiderar a vontade da mãe biológica. Asseveram que a decisão hostilizada merece reforma, tendo em vista que afronta os princípios protetivos das crianças e adolescente, vez que não atende os interesses da menor, tendo sido determinado à devolução da infante à mãe que manifestou expressamente que não deseja criá-la. Ressalvam que possuem qualificação e possibilidade de proporcionar pleno desenvolvimento à criança, estando afastada a vedação prevista no art. 29 do ECA. Requerem o provimento do recurso, com a manutenção da competência para julgar o feito a Comarca de Nova Petrópolis, bem como seja mantida a guarda da menor em favor dos agravantes, até o julgamento definitivo da causa (fls. 02/11).

Efeito suspensivo. A suspensividade pleiteada foi deferida (fls. 68/69).

Informações. Às fls. 71/73 foi acostado aos autos ofício oriundo do juízo singular, dando conta do cumprimento do disposto no art. 526 do CPC.

Contra-razões. O recurso não foi contra-arrazoado, vez que não houve angularização processual na origem.

Ministério Público. Em parecer de fls. 75/78, a Procuradora de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É relatório.

VOTOS

DES. JOSÉ S. TRINDADE (RELATOR)

Já foi recebido o recurso pela decisão de fls. 68/69.

Melhor examinando a matéria, revejo o posicionamento externado quando do deferimento do efeito suspensivo ao recurso, para manter a decisão hostilizada na íntegra.

Primeiramente cumpre referir que com acerto decidiu o Magistrado singular ao estabelecer que o foro competente para o feito principal é a Comarca de Rosário, domicílio da genitora da adotanda, conforme dispõe o art. 147, I, do ECA.

A forma irregular como o bebê adotando foi entregue aos agravantes não autoriza que se considere sejam eles os responsáveis pela menor, o que também impede seja deslocada a competência para Nova Petrópolis, domicílio deles.

Quanto ao mérito propriamente dito, ainda que o registro de pessoas interessadas na adoção, ou seja, a lista de adoção prevista no art. 50 do ECA, não seja absoluta – conforme já tive oportunidade de referir noutros julgamentos nesta Câmara -, a sua inobservância só pode se dar em situações excepcionalíssimas.

Na verdade, o Judiciário não pode acobertar o crescimento das adoções irregulares, onde os casais, alheios ao procedimento próprio desde o seu início, valem-se do “fato consumado” (conforme bem refere o Magistrado singular) e do estreitamento dos vínculos para posteriormente postularem a adoção de uma criança cuja guarda fática foi obtida de forma irregular.

No caso em julgamento, embora os agravantes estivessem previamente habilitados para uma adoção – noutra comarca – e tenha havido o consentimento expresso da genitora com a adoção da sua filha recém-nascida pelo casal recorrente (fl. 17), ainda assim não há qualquer situação excepcional a autorizar a inobservância da lista das pessoas igualmente habilitadas, que se submeteram a todo procedimento de habilitação anteriormente e aguardam há mais tempo o sonho de terem um filho, já que os ora adotantes figuram em 10.º lugar na referida lista, segundo noticiado na decisão hostilizada (fl. 49).

Não se pode olvidar, jamais, que todo o procedimento e regramentos previstos para o processo de adoção, desde a habilitação das pessoas interessadas até o registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados, têm uma razão de existir e não podem ser letras mortas.

Tais regras visam única e exclusivamente preservar o melhor interesse da criança e do adolescente garantindo, por critérios democráticos, que sejam adotados por pessoas que previamente demonstraram preencher os requisitos para tal fim, e que, em nome do respeito à lei, aguardam ansiosamente a sua vez de receber em adoção.

Ainda que os agravantes estejam habilitados e o bebê em questão lhes tenha sido entregue pela própria genitora, não é caso de ser deferida a guarda provisória em seu favor – com o que se estaria consolidando uma futura adoção dirigida -, porque não se estabeleceu em tão pouco tempo, entre eles e o bebê adotando –nascido em 24 de abril de 2005–, vínculo afetivo já consolidado a caracterizar uma situação excepcional onde, o melhor interesse do menor devesse se sobrepor à observância da ordem do registro de pessoas interessadas na adoção.

Nesse sentindo, inclusive, vem se firmando o entendimento deste Tribunal, ex vi das ementas que transcrevo:

“GUARDA. FORMA DE COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA PRECEDENTE À ADOÇÃO. PESSOA NÃO INTEGRANTE DA LISTA DE HABILITADOS À ADOÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO APENAS EM CASOS EXCEPCIONAIS. Esta Câmara tem admitido, em situações de absoluta excepcionalidade, a chamada adoção intuitu personae , como se vê nos precedentes colacionados no parecer ministerial nesta instância. Entretanto, isso ocorre somente em situações onde se tem uma guarda de fato com vínculo já consolidado, o que não se dá no presente caso, como resulta evidente nos autos. NEGARAM PROVIMENTO, POR MAIORIA.” (Apelação Cível Nº 70010315554, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/12/2004).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA PROVISÓRIA. OBSERVÂNCIA DA ORDEM DOS HABILITADOS PARA ADOÇÃO. Mesmo que os agravantes têm todos os pressupostos exigidos para dar o ambiente familiar perfeito à criança abandonada, não pode ser desrespeitada a lista de habilitação existente no juizado. Existe a casa de passagem justamente para, com a maior celeridade possível, colocar a criança em um seio familiar adequado à sua proteção integral. É bem de ver que o julgador já determinou a colocação da criança em família substituta, obedecendo-se à lista de habilitados. Verifica-se que no caso não se desenvolveu nenhuma relação de afetividade entre o casal agravante e a criança. NEGADO SEGUIMENTO.” (Agravo de Instrumento Nº 70008477275, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 05/04/2004).

Por fim, não há qualquer afronta na decisão hostilizada aos princípios protetivos da menor, ao determinar o Magistrado a devolução do bebê à mãe biológica, porque, conforme também constou expressamente de tal decisão, tal ato será feito com a participação do Conselho Tutelar de Rosário, e, na impossibilidade de devolução da criança à genitora, ela será encaminhada ao juízo de forma a ser levada à adoção na forma legal.

Pelas razões expostas, o voto é pelo desprovimento do agravo de instrumento.

DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE)

De acordo.

DES. RUI PORTANOVA

De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: EDISON LUIS CORSO

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