Viagem à Europa

Foto do Orkut é usada como prova para negar assistência gratuita

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25 de julho de 2006, 15h43

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul usou fotos disponíveis no Orkut, site de relacionamentos, para negar assistência judiciária gratuita a um casal. Contra a decisão, o casal apresentou recurso para a 17ª Câmara Cível do TJ gaúcho, que também rejeitou o pedido. As informações são do site Espaço Vital e do TJ gaúcho.

O casal recorreu à Justiça contra a empresa Ceimol — Central de Empreendimentos Imobiliários. Em primeira instância, o pedido de gratuidade foi negado. A advogada da empresa levou ao conhecimento do TJ gaúcho fotos impressas do casal, encontradas no Orkut.

De acordo com as fotos, o casal viajou para Veneza (Itália) em 2005 e 2006 e para Paris (França) também nesse ano. A desembargadora Elaine Harzheim Macedo observou que a dificuldade financeira alegada pelo casal não é verdadeira, “isso porque, quem passa por dificuldades financeiras, evidentemente, não tem condições de efetuar viagens ao Velho Continente anualmente, consoante demonstram as fotos obtidas no site www.orkut.com”.

No recurso, o casal alegou que, para que seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, basta a declaração de pobreza da parte, informando não ter condições de arcar com as despesas contratuais.

A desembargadora entendeu que “a postura omissa da agravante em demonstrar suas condições, no primeiro e neste grau recursal, amparada tão-somente na declaração de pobreza, mostra-se suficiente para o indeferimento do pedido”.

Leia a íntegra da decisão

AGRAVO INTERNO. BENEFÍCIO DE GRATUIDADE. PROVA.

O magistrado tem o poder-dever de investigar a real situação de necessidade da parte que pretende o benefício, se para tanto encontrar elementos nos autos, na medida em que a concessão do benefício significa transferência de custos para a sociedade, que, com sua contribuição de tributos, alimenta os cofres públicos e as respectivas instituições.

AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

Agravo Interno, art. 557, CPC — Décima Sétima Câmara Cível

Nº 70015426174 — Comarca de Esteio

AGRAVANTES: ANTONIO CLENIO BIDINOTO e LENI SOARES BIDINOTO

AGRAVADO: CEIMOL CENTRAL DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o agravo interno.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Alexandre Mussoi Moreira e Des. Alzir Felippe Schmitz.

Porto Alegre, 29 de junho de 2006.

DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO,

Relatora.

RELATÓRIO

Desa. Elaine Harzheim Macedo (RELATORA)

Trata-se de agravo interno interposto por ANTÔNIO CLENIO BIDINOTO e LENI SOARES BIDINOTO contra decisão desta relatora que negou seguimento ao agravo de instrumento nº 70014018428 em que constavam como agravantes, sendo agravada CEIMOL CENTRAL DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA.

Em suas razões, alega que, para que seja concedido o benefício da AJG, basta a declaração de pobreza da parte, informando não ter condições de arcar com as despesas contratuais. Colaciona jurisprudência.

É o relatório.

VOTOS

Desa. Elaine Harzheim Macedo (RELATORA)

Não havendo motivos para a modificação do julgamento do agravo antes mencionado, adotam-se suas razões de decidir, ora submetidas à consideração desta Câmara:

Deve ser negado seguimento ao presente recurso.

A concessão da AJG, segundo juízo de convicção do magistrado que dirige e conduz o feito, é medida que se impõe, por que se trata de questão jurisdicional, cuja prestação há de ser feita a partir de convicção devidamente fundamentada, nos fatos e no direito. O contrário seria agasalhar o debate teórico, em abstrato, o que não condiz com a atividade jurisdicional, ainda que postura lamentavelmente cada vez mais se fazendo presente nos feitos de conflito de interesses individuais.

Se é verdade que o § 1º do art. 4º da Lei 1060/50 tem o caráter extremamente liberal ao presumir pobre, até prova em contrário, aquele que afirmar essa condição, considerando necessitado “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, § único), também o é que “o juiz da causa, valendo-se de critérios objetivos, pode entender que a natureza da ação movida pelo impetrante demonstra que ele possui porte econômico para suportar as despesas do processo, a declaração pura e simples do interessado, conquanto seja o único entrave burocrático que se exige para liberar o magistrado para decidir em favor do peticionário, não é prova inequívoca daquilo que ele afirma, nem obriga o juiz a se curvar aos seus dizeres se de outras provas e circunstâncias ficar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio. Cabe ao magistrado, livremente, fazer juízo de valor acerca do conceito do termo pobreza, deferindo ou não o benefício” (NÉLSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY in “Código de Processo Civil Comentado e legislação processual extravagante em vigor”, 3ª edição, 1997, São Paulo, p. 1310).

Nesse sentido, importante vem a ser a percepção do juiz a quo no trato específico da questão e muitas vezes detalhes podem vir a derrubar a presunção genérica estabelecida pela lei ao admitir a mera declaração de pobreza ou dificuldades extremas como concessiva do benefício.

O magistrado tem o poder-dever de investigar, quando encontrar o mínimo de elementos nos autos, sobre a real necessidade do benefício pretendido. E a razão é simples, gritando aos olhos de qualquer cidadão consciente: a justiça gratuita é quimera, o que existe, isso sim, é transferência de custos. Ao ser concedido o benefício à parte que merecê-lo não significa que por um passe de mágica o processo, de cediço aparato custoso, transforme-se em atividade gratuita. Tais custos passarão a ser arcados pela comunidade em geral, através do sistema de contribuição de tributos, que forram os cofres públicos e sustentam as instituições. Não paga a parte autora, paga seu vizinho: é a lei da selva.

In casu, segundo consta no instrumento, os agravantes, que viram seu pedido de concessão indeferido deixaram de instruir satisfatoriamente sua pretensão com elementos probatórios pertinentes à questão remuneratória, de modo que os próprios recorrentes optaram por discutir a questão superficialmente, respondendo, assim, por sua incúria.

Deste modo, não foi demonstrada a situação de carência da agravante, uma vez que não há documentos que permitam tal verificação, impedindo a análise do pedido, o qual se caracteriza por ser virtual, arrostando o devido processo legal, não merecendo reforma a decisão que não o acolheu.

Nesse sentido decisão proferida quando do julgamento do AI nº 70007099179, desta mesma Relatoria, in verbis:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DE GRATUIDADE. DECLARAÇÃO DE POBREZA.

PROVA.

O magistrado tem o poder-dever de investigar a real situação de necessidade da parte que pretende o benefício, se para tanto encontrar elementos nos autos, na medida em que a concessão do benefício significa transferência de custos para a sociedade, que, com sua contribuição de tributos, alimenta os cofres públicos e as respectivas instituições.

A postura omissa da agravante em demonstrar suas condições, no primeiro e neste grau recursal, amparada tão-somente na declaração de pobreza, mostra-se suficiente para o indeferimento do pedido.

AGRAVO DESPROVIDO.”

Ademais, consoante petição acostada aos presentes autos por parte da agravada, verifica-se que a situação financeira dos agravantes, ao contrário do que foi amplamente deduzido em sede de agravo de instrumento, embargos de declaração e agora agravo interno, efetivamente não é verdadeira. Isso porque, quem passa por dificuldades financeiras, evidentemente não tem condições de efetuar viagens ao Velho Continente anualmente, consoante demonstram as fotos obtidas no saite www.orkut.com referente à página da agravante Leni — de se notar fotos dos agravantes em cidades como Veneza, em junho de 2005 e 2006, e Paris em junho de 2005.

Ou seja, para se valer do erário público não há condições financeiras, situação diversa quando se trata de viagens à Europa.

Assim, nega-se provimento ao agravo interno.

Des. Alexandre Mussoi Moreira — De acordo.

Des. Alzir Felippe Schmitz – De acordo.

DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO – Presidente – Agravo Interno, art. 557, CPC nº 70015426174, Comarca de Esteio: “NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador de 1º Grau: ALEX GONZALEZ CUSTODIO

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