Produtividade do Supremo

Veja as importantes decisões de Gilmar Mendes em 2006

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24 de julho de 2006, 13h44

Quando foi declarada a possibilidade de condenados por crimes hediondos obterem progressão de regime, o ministro Gilmar Mendes levantou uma questão importante: a decisão deveria valer para aqueles que já cumpriram a pena, mas não foram beneficiados pela progressão? Mendes defendeu que não. A proibição estava estabelecida em lei, até então considerada constitucional.

O ministro levantou a bandeira de que a União não poderia ser responsabilizada por estes. A inconstitucionalidade da lei deveria valer, portanto, apenas para aqueles cuja sentença não transitou em julgado e para aqueles que ainda estão cumprindo a pena. Mendes fixou mais uma vez um limite temporal para a inconstitucionalidade de norma legislativa em prol da preservação da segurança jurídica, e foi acompanhado pela maioria de seus colegas.

O dado importante é menos o caso concreto e mais o mecanismo do controle da constitucionalidade no tempo. Ou seja: declarada a inconstitucionalidade de uma lei, ela perderia seus efeitos desde a sua criação. O ajuste sugerido por Gilmar permitiu que o impacto da decisão do Supremo se efetivasse a partir de determinado momento.

A inauguração do mecanismo aconteceu quando se corrigiu o sistema de cálculo do número de vereadores por município. Também naquela ocasião, a declaração de inconstitucionalidade das leis municipais que inflaram as câmaras municipais causaria grande estrago no quadro jurídico. Decidiu-se, então, que os efeitos da mudança só se dariam ao final da legislatura em curso. Neste semestre consolidou-se a fórmula, que ainda deve ser aperfeiçoada e aprofundada.

Outra importante decisão do ministro durante o primeiro semestre de 2006 foi sobre a extinção ou não da punibilidade de acusado de estupro. Até março de 2005, o estuprador não era punido se casasse com a vítima ou se esta se casasse com outro. Com o reconhecimento da união estável, a mesma regra passou a valer para vítimas de crime sexuais que estabelecessem união estável com o criminoso ou com um terceiro. Mas, para o ministro Gilmar Mendes, essa união só pode ser levada em conta se for estabelecida entre dois adultos.

Mendes expôs seus argumentos ao analisar o recurso de um tio que manteve relações sexuais com a sua sobrinha desde que ela tinha nove anos. Quando a menina completou 12 anos, ela engravidou e os dois passaram a viver juntos. O tio foi condenado a sete anos de reclusão pelo crime de estupro com violência presumida, já que a menina tinha menos de 14 anos.

Ao apresentar seu voto-vista, Gilmar Mendes discordou do relator, Marco Aurélio, que defendia a extinção da punibilidade uma vez que o réu vivia com a vítima e a sustentava. Para Mendes, esse argumento não é válido. Ele considerou que o Estado tem o dever de proteger a criança de toda forma de violência — presumida, nesse caso. “Não se pode comparar a situação dos autos a uma união estável, nem muito menos se reconhecer um casamento para fins da incidência do Código Penal.” Gilmar Mendes foi acompanhado pela maioria do Supremo Tribunal Federal.

Ainda em matéria criminal, no primeiro semestre de 2006, o ministro abrandou a Súmula 691 do Supremo — atitude que vem se tornando uma constante no tribunal — e concedeu liberdade para uma mulher que foi condenada a 11 anos de reclusão por tentar furtar uma ducha no valor de R$ 19. Pela jurisprudência, o tribunal não pode analisar pedido de Habeas Corpus contra decisão em caráter liminar sobre o mesmo assunto de outro tribunal, como aconteceu neste caso.

O ministro considerou que havia flagrante ilegalidade na prisão da condenada capaz de afastar a aplicação da Súmula. Para ele, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao caso.

Mãos ao progresso

No primeiro semestre, Gilmar Mendes sustentou, com o ministro Eros Grau, a tese de que o Mandado de Injunção impõe ao Supremo solucionar os casos de omissão do Congresso. O entendimento de ambos foi o de que, se não há lei para regulamentar direito constitucional, o Supremo deve apresentar algum tipo de solução. Os ministros aceitaram a tese de que, não havendo lei própria para regular o direito de greve de servidores públicos, aplica-se a regulamentação do direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada.

O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, mas a defesa de Mendes e Grau já é um avanço em relação à forma como vinha sendo aplicado o Mandando de Injunção. Até agora vigorava a compreensão de que o Judiciário não poderia se apossar de incumbência do Legislativo para garantir direito constitucional que ainda depende de lei para sua implementação.

O caso das regras a aplicar no caso da greve do funcionalismo é quase prosaico. Mas o paradigma representa um começo de revolução no capítulo do relacionamento entre um parlamento inerte e uma população que tem direitos constitucionais que não pode exercer.

Gilmar Mendes também tem em suas mãos o inquérito da Operação dos Sanguessugas, em que parlamentares são acusados de participar de um esquema de superfaturamento na compra de ambulâncias. O ministro autorizou a abertura de inquérito contra 42 parlamentares e também permitiu que a CPMI dos Sanguessugas tenha acesso aos autos. O nome dos investigados pode ser divulgado, mas os autos estão sob sigilo.

Judiciário X Executivo

A dignidade do estrangeiro submetido a processo administrativo também deve ser protegida, disse Gilmar Mendes. O ministro pediu que o Ministério da Justiça e o Comitê Nacional para refugiados analisassem com urgência o pedido de asilo do colombiano Francisco Antônio Cadena Colazzos, o Padre Medina, guerrilheiro das Farc — Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

No Supremo, tramitava um pedido de extradição do governo da Colômbia desde 2005, mas como o guerrilheiro havia pedido refúgio, o ministro esperava a resposta para poder decidir se concedia a extradição. A resposta do governo brasileiro veio um mês depois, concedendo refúgio ao guerrilheiro. Assim, o Supremo deverá arquivar o processo de extradição.

Em outra decisão, o ministro pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se manifestasse em uma interpelação judicial do jornalista Diogo Mainardi da revista Veja. O jornalista se sentiu ofendido por declarações do presidente que, segundo Mainardi, atacou o autor de uma reportagem escrita por ele e pelo jornalista Márcio Aith. Mainardi queria saber a qual dos dois Lula se referia.

Lula prestou informações na interpelação judicial que recebeu, mas não respondeu à pergunta de Mainardi. Por isso, o Supremo extinguiu a ação.

Dono do dinheiro

Gilmar Mendes encabeçou a decisão que declarou nula a resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia aumentado de 3,28% para 21,04% a porcentagem das custas e emolumentos dos serviços notarias e de registro enviados para o tribunal. Antes da resolução, a verba ia para a Fazenda Pública Estadual.

O ministro considerou que tal aumento só pode ser sido concedido por meio de legislação específica, e não resolução. Foi acompanhado por unanimidade pelo Plenário do Supremo.

Durante os primeiros meses deste ano, Mendes conseguiu apoio da maioria dos ministros ao considerar que a acumulação do cargo de juiz de Direito estadual com o de juiz auditor da Justiça Militar não ofende à Constituição. “A definição das competências se dá em relação ao órgão e não à pessoa. A Constituição delimita a competência da Justiça comum e da Justiça Militar, mas em nenhum momento proíbe que um mesmo agente, no caso o juiz de Direito, possa exercer ora funções de auditor militar, ora funções de juiz de Direito da Justiça comum Estadual”, explicou.

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