Judiciário que funciona

Juizados comemoram cinco anos como modelo de Justiça

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21 de julho de 2006, 15h29

Racionalizar procedimentos e investir pesado em tecnologia para decidir questões mais simples, repetitivas e de pequena monta com celeridade. Com esse objetivo nasceram, há cinco anos, os Juizados Especiais Federais.

Em 12 de julho de 2001 foi sancionada a Lei 10.259, que criou essa espécie de tribunal do povo e determinou prazo para sua instalação. Foi feita uma comissão, em agosto, com prazo para apresentar um projeto de implantação dos Juizados até meados de setembro daquele ano.

O trabalho da comissão foi focado no problema da demanda e da celeridade. No início de 2002, os Juizados Especiais foram efetivamente instalados. A rapidez da instalação dos Juizados Federais — seis meses entre a aprovação da lei e seu funcionamento — se repete no trâmite das causas.

Na 3ª Região (SP e MS), por exemplo, uma decisão demora, em média, de seis a oito meses. Nas cinco regiões da Justiça Federal, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, os Juizados receberam, em 2004, mais de 1,7 milhão de processos. Enquanto isso, a primeira instância da Justiça Federal recebeu 960 mil casos novos. Mesmo com uma carga maior de trabalho, os JEF deixam menos processos sem julgamento. Segundo os mesmos dados do CNJ em 2004 a taxa de congestionamento na Justiça Federal de primeiro grau foi de 84%, contra 52% nos JEF. A taxa de congestionamento revela a porcentagem dos processos que deixaram de ser julgados no ano.

A maioria das causas é previdenciária, mas ganham corpo questões sobre o FGTS, Imposto de Renda e Sistema Financeiro de Habitação. Todas as causas de natureza alimentar e de até 60 salários mínimos. Trocando em miúdos, a idéia dos Juizados foi um das poucas vezes em que o Judiciário pensou, de fato, no cidadão.

Para comemorar os cinco anos da Lei 10.259, discutir seus rumos e diagnosticar suas deficiências, a revista Consultor Jurídico entrevistará ao longo das próximas semanas alguns dos idealizadores dos Juizados Especiais Federais. O primeiro entrevista é o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Costa Leite.

“Eu tenho um sonho: o de que o rito sumário dos Juizados seja aplicado na Justiça comum. Isso com certeza desafogaria os tribunais de uma forma geral”, afirma Costa Leite. Ele defende que a Justiça comum poderia se utilizar do rito sumário dos Juizados, o que, segundo ele, resolveria parte substancial das demandas do Judiciário.

Presidente do STJ, Costa Leite, junto com Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal; Flávio Dino, ex-presidente Associação dos Juízes Federais do Brasil; e outros grandes nomes do Direito, idealizou a lei que criou os Juizados Especiais Federais há cinco anos.

Os Juizados não escapam, contudo, de um mal comum às outras esferas da Justiça: o excesso de demanda. Segundo Costa Leite, há uma demanda muito grande para um número insuficiente de Juizados. Ele acredita que o aumento do número dos Juizados e o investimento em estrutura material e de pessoal nos já existentes poderia ser a chave para resolver o problema que se avizinha.

O crescimento da demanda nos JEFs criou um paradoxo. De um lado as pessoas procuram mais os Juizados porque sabem que ele funciona; de outro, o aumento extraordinário da procura pode comprometer o bom funcionamento dos Juizados.

O ministro aposentado se orgulha do progresso promovido pelos Juizados na Justiça brasileira e recorda da tentativa do governo federal de aprovar a Medida Provisória 252 com um item nefasto para os Juizados. A MP propunha a redução do teto de 60 salários mínimos para acesso aos Juizados e ampliava de 60 dias para 24 meses o prazo para pagamento das Requisições de Pequeno Valor. “Essa MP descaracterizaria profundamente a lei e o projeto dos Juizados neutralizando seus efeitos positivos.”

Leia a entrevista

ConJur — O que o senhor destaca como exemplo dos Juizados a ser seguido nas demais esferas da Justiça?

Costa Leite — A execução imediata e o rito célere. Isso é muito importante porque muitas vezes, na Justiça comum, se ganha, mas não se leva. Nos Juizados não, a execução é imediata. E os principais beneficiados com os Juizados são os aposentados e segurados da Previdência de um modo geral. Eu tenho um sonho, o de que o rito sumário dos Juizados seja aplicado na Justiça comum. Parte substancial das demandas do Judiciário brasileiro pode ser resolvido com o rito sumário dos Juizados. Isso desafogaria os tribunais de uma forma geral.

ConJur — Os Juizados estão ameaçados de alguma forma?

Costa Leite — Os Juizados sofrem hoje, como todo o Judiciário, com o problema do gigantismo. Também estão assoberbados. Há uma demanda muito grande para um número insuficiente de Juizados. Mas também não podemos pensar que aumentar o número de Juizados resolveria essa questão. É preciso incrementá-lo investindo em estrutura material e de pessoal. Existe uma resistência à ampliação dos Juizados, principalmente por parte dos advogados.

ConJur — Uma pesquisa da professora Maria Teresa Sadek revelou recentemente que há uma baixa taxa de acordos e conciliações nos Juizados Especiais Cíveis, fato que ela apontou como preocupante em relação a proposta do instituto. Como o senhor vê essa situação?

Costa Leite — O brasileiro tem a cultura da litigiosidade. Ele quer brigar e ir até o Supremo com a sua demanda. O acordo e a conciliação são muito importantes. Os atores do Judiciário devem se convencer da necessidade de desenvolver a cultura do acordo. Praticar e incentivar a conciliação sempre.

ConJur — Qual é o futuro dos Juizados?

Costa Leite — O modelo dos Juizados é o futuro da Justiça. O acesso, a execução imediata, a celeridade. O que o cidadão quer? Ele quer bater nas portas do Judiciário e ter sua demanda atendida sem grande dificuldade, quer receber aquilo que ganhou, como permite os Juizados com a execução imediata, quer uma Justiça barata. Com os Juizados, estamos diante de coisa que pode representar a salvação do Judiciário no futuro. Os Juizados facilitaram a vida dos pobres. Foi ganho de cidadania e acesso à Justiça.

ConJur — Qual sua opinião sobre a tentativa frustrada do governo de ampliar a competência e o valor limite das ações nos Juizados como propunha a Medida Provisória 252?

Costa Leite — Essa MP descaracterizaria profundamente a lei e o projeto dos Juizados, neutralizando seus efeitos positivos. Quando esta proposta surgiu, acertadamente, a Ajufe [Associação dos Juízes Federais do Brasil] lutou fortemente contra a sua aprovação.

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