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Supremo suspende ação penal contra diretores da Vivo

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20 de julho de 2006, 13h18

O Supremo Tribunal Federal deferiu liminar para suspender ação penal contra diretores da empresa Vivo. Eles são acusados por prática de crime de desobediência. A ação tramita na Vara Judicial da Comarca de Triunfo, no Rio Grande do Sul, e fica suspensa até o julgamento do mérito do pedido de Habeas Corpus.

De acordo com os autos, os diretores da empresa se recusaram a fornecer os dados cadastrais dos usuários de telefone celular ao Ministério Público. A defesa argumentou que nenhum pedido de informação por parte do MP chegou aos diretores. Além disso, sustentou que a requisição não poderia prescindir de prévia autorização judicial e pediu a suspensão de audiência preliminar prevista para esta quinta-feira (20/7).

O ministro Gilmar Mendes afirmou que o termo circunstanciado, que deu início ao procedimento criminal, não detalhou de modo adequado e suficiente a conduta de cada indiciado. Por isso, o ministro entendeu que os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, contraditório e da dignidade da pessoa humana foram ofendidos.

O ministro concluiu que as condutas deveriam ser descritas individualmente, para permitir a defesa dos acusados. “No caso concreto, a peça acusatória não especifica o nexo de causalidade imputável aos pacientes. O termo circunstanciado tão-somente descreve, de modo genérico, a suposta ocorrência de ilícito penal”, concluiu.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS 89.313-9 RIO GRANDE DO SUL

PACIENTE(S): FRANCISCO JOSÉ AZEVEDO PADINHA

PACIENTE(S): LUIS FELIPE SARAIVA CASTELO-BRANCO DE AVELAR

PACIENTE(S): PAULO CÉSAR PEREIRA TEIXEIRA

PACIENTE(S): JOSÉ CARLOS DE LA ROSA GUARDIOLA

PACIENTE(S): GUILHERME SILVÉRIO PORTELA SANTOS

PACIENTE(S): JAVIER RODRIGUEZ GARCIA

PACIENTE(S): ARCÁDIO LUIS MARTINEZ GARCIA

IMPETRANTE(S): MARCO AURÉLIO COSTA MOREIRA DE

OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): JUÍZA DE DIREITO DA 1ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão liminar proferida pela Juíza de Direito da 1ª Turma Recursal do Juizado Especial Criminal do Estado do Rio Grande do Sul nos autos do HC no 71001037639.

Na origem, foi impetrada medida idêntica, no mesmo órgão judicial, por meio da qual os impetrantes visavam ao trancamento de um procedimento criminal, instaurado por requisição do Ministério Público contra os ora pacientes — diretores da empresa Vivo S.A. —, por suposta prática de crime de desobediência, que tramita sob a disciplina da Lei no 9.099/95.

A impetração narra que os pacientes teriam recusado o cumprimento de uma requisição do Ministério Público de liberação de dados cadastrais de contratantes do Serviço Móvel Pessoal.

Sustenta-se, em síntese, que essa requisição não poderia prescindir de prévia autorização judicial. Estando designada a audiência preliminar para o dia de amanhã — 20.07.2006 —, os impetrantes postulam a concessão de medida liminar para suspender o ato processual. Alegam, ainda, que a liminar postulada junto a Turma Recursal foi indeferida pela relatora (fls. 44/46 do apenso).

No que concerne à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), decorreria do fato de os pacientes “estarem submetidos à ameaça de serem processados em feito criminal no qual não se verifica terem de qualquer forma agido no sentido de praticar o delito, em tese, em face do entendimento jurisprudencial e da não demonstração da autoria do fato por parte do Ministério Público.

Da mesma forma, revela-se o requisito da urgência pelo fato de que não praticaram qualquer ato de insubordinação à ‘requisição’ do Ministério Público — a eles nunca foi direcionado nenhum pedido de informação e por eles sequer foi tomado conhecimento de que o Ministério Público de Triunfo queria o cumprimento de uma requisição de sua autoria.” (fl. 15).

Por fim, pede-se a “imediata concessão da liminar para o fim de suspender a tramitação processual do procedimento criminal instaurado na Vara Judicial da Comarca de Triunfo/RS.” (fl. 16) e, no mérito, o trancamento da ação penal.

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Conforme se pode observar, no caso concreto, o termo circunstanciado (fls. 75-79) não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta de cada indiciado, ofendendo, à primeira vista, os princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III), (cf. entre outros: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763- DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994.

Pelo que se pode depreender dos documentos acostados aos autos, os pacientes deste habeas corpus eram solidariamente co-responsáveis, em igualdade de condições, pela representação legal da sociedade comercial Celular CRT S/A — VIVO. Porém, em princípio, não se pode atribuir o dolo solidariamente a todos os sócios, vez que nosso ordenamento jurídico penal está impregnado pela idéia de que a responsabilização penal se dá, em regra, pela aferição da responsabilidade subjetiva. Dessa forma, as condutas deveriam ser descritas individualmente, para permitir a efetiva defesa dos acusados.

Cabe, ainda, ressaltar o recente julgamento do HC no 86.879-SP (Rel. Min. Joaquim Barbosa, Redator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, maioria, julgado na Sessão de 21.02.2006, acórdão pendente de publicação), no qual a Segunda Turma proclamou a inadmissibilidade de denúncias genéricas para o caso de crimes societários.

Conforme se pode constatar, nesses casos de apreciação de constrangimento ilegal, em razão de injusta persecução penal, o Supremo Tribunal Federal tem declarado que não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo – o qual se vê obrigado a despender todos seus esforços em um campo não meramente cível (como seria típico da atuação econômica dessas empresas), mas eminentemente penal, com sérias repercussões para a dignidade pessoal dos seus sócios.

Daí a necessidade de rigor e de prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

Há fortes indícios de que, com relação ao caso específico dos pacientes destes autos, o prosseguimento da ação penal traz sérias implicações no campo dos direitos fundamentais, seja relativamente ao direito de defesa, seja no concernente ao princípio da dignidade da pessoal humana.

Por fim, deve-se ter em mente que, em matéria de crimes societários a denúncia deve expor, de modo suficiente e adequado, a conduta atribuível a cada um dos agentes de modo a que seja possível identificar o papel desempenhado pelo(s) então denunciado(s) na estrutura jurídico-administrativa da empresa.

No caso concreto, a peça acusatória não especifica o nexo de causalidade imputável aos pacientes. O termo circunstanciado tão-somente descreve, de modo genérico, a suposta ocorrência de ilícito penal.

Em última análise, a responsabilização penal em casos como este corresponde a indevida transposição de efeitos jurídicos do campo cível ou administrativo para uma área em que as ofensas a direitos e garantias fundamentais podem ser tragicamente potencializada: a esfera da liberdade de locomoção típica da seara penal.

Diante de todas as razões expostas, é patente que o termo circunstanciado não se pautou por descrever, de modo minudenciado, as condutas individuais dos pacientes.

Nestes termos, defiro a liminar para que seja sobrestada a ação penal até o julgamento final deste writ.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 19 de julho de 2006.

Ministro Gilmar Mendes

Vice-Presidente

(RISTF, arts. 37, I, e 13, VIII)

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