Massa de manobra

Promotores avaliam risco de mandar jovens para a cadeia

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17 de julho de 2006, 18h09

A informação é do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho: para evitar que jovens, especialmente os pós-adolescentes, sejam conduzidos às penitenciárias e virem massa de manobra do Primeiro Comando da Capital, o PCC, promotores de Justiça do estado têm optado por não enquadrar o acusado de tráfico no artigo 12 da lei 6.368/76. Para tanto, a saída tem sido a delação premiada. A lei 8.072 de 1990, é uma das várias que prevêem o dispositivo da delação premiada. Em seu artigo 8º, parágrafo único prevê que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”.

A discussão ganha magnitude quando surgem dois pontos. Primeiro: os crimes que beiram a adolescência e ainda permanecem na pós-adolescência. No Brasil o número de menores infratores é estimado em 2,7 por 100 mil habitantes, ou seja: 4,3 mil menores, 2,7 mil deles residentes no Estado de São Paulo. Levantamento feito em São Paulo revelou que, nos anos 90, 39% dos acusados do tráfico de entorpecentes tinham entre 25 e 34 anos. E 36% tinham entre 18 e 24 anos –o que conduz à idéia de que quase 80% dos acusados de tráfico podem ser considerados donos de uma psique voltada para hábitos que beiram o “juvenilismo”

Três promotores que estão negociando delações premiadas com supostos membros do Primeiro Comando da Capital explicaram à reportagem que “é muito melhor fazer a delação premiada, não mandar esse jovem para o depósito de carne humana que é o sistema penal de São Paulo, e também não fazer com que ele seja “formado” como líder do PCC dentro do sistema”. Já um procurador de Justiça da Grande São Paulo vai contra essa corrente. Para tanto, impreca tendo em mãos um artigo do jurista Euclides Duarte Ramos Junior, em que se lê o seguinte. “Há na doutrina, e até na jurisprudência, mesmo que em menor número, posições a favor da substituição da pena restritiva de liberdade pela pena restritiva de direitos. Os adotantes desta corrente buscam fundamentos, basicamente, nas mudanças feitas pela Lei das Penas Alternativas ( Lei 9714/98 ). Essa lei modificou do artigo 43 ao 47 no Código Penal Brasileiro.”

O artigo sustenta que “Busca-se , com fulcro no artigo 5º, inciso XL da Constituição de República Federativa do Brasil combinado com o artigo 2º do Código Penal, a aplicação retroativa do benefício em questão. Para aqueles que optam por adotar posição a favor da substituição da pena restritiva de liberdade pela pena restritiva de direitos o advento da Lei das Penas Alternativas, e o preenchimento das condições impostas pelo art. 44 do Código Penal seriam suficientes para se obter o benefício.”

Para o jurista, “a corrente que vem prevalecendo, salvo em casos notadamente excepcionais, é aquela que nega o benefício da substituição da pena restritiva de liberdade pela pena restritiva de direitos, pois o tráfico de entorpecentes foi elevado a categoria de crime hediondo, pela Lei de Crimes Hediondos (8.072/90).O princípio da especialidade disposto no artigo 12 do Código Penal acaba por determinar que as alterações introduzidas pela Lei das Penas Alternativas sejam inaplicáveis ao crime de tráfico de drogas, pois a Lei de Crimes Hediondos impõe o cumprimento da pena em regime integralmente fechado.”

Sandra Carvalho, diretora-executiva da ONG Justiça Global, diz ser favorável às medidas que não levem jovens para o sistema carcerário. “As Febems já são micro-presídios. O sistema, assim como as Febems, faz tudo menos re-socializar. Não deveria haver encarceramento para crimes que pudessem obter essa delação. Isso evitaria que o jovem caísse no sistema e pegasse dali os vícios do sistema, saísse dali pior. O encarceramento providenciado pelo nosso Judiciário é muito exagerado, e o Estado não interfere no cumprimento de outras medidas, como a criação de vagas para regime de liberdade assistida”.

Armando Rodrigues Coelho Neto, presidente da Federação Nacional dos Delegados da PF, sustenta que em situações de exceção “o ordenamento jurídico é posto a prova, pois se tornou vulnerável”. Para ele, vive-se agora em São Paulo uma dessas exceções, o que legitima o uso dessas delações premiadas, sem criminalizar o jovem. “Negociar estas informações sobre o crime organizado com o jovem aumenta o poder do Estado e não viola direitos”.

Karina Sposato, advogada à frente do Ilanud, órgão Ligado às Nações Unidas e que estuda a criminalidade no continente latino-americano, com base em São Paulo, vai pelo mesmo caminho. “Há questões nebulosas que o direito não responde, como qual o limite que caracteriza uso e qual caracteriza o comércio de drogas”, diz. Para Sposato, o promotor faria um bem à sociedade se adotasse, por exemplo, o dispositivo da “remissão transacional”. Ela sustenta que “pela remissão, ocorre aquilo que chamamos de despenalização ou desjudicialização, ou seja: o caso contra o jovem não precisa chegar ao sistema, o jovem não é estigmatizado como delinqüente, ele indica informações sobre o narcotráfico, obtém do Estado uma medida de proteção, e não entra no sistema já marcado pela deliqüência para o resto de sua vida”.

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